Maria Emília Brederode Rodrigues dos Santos entrevistada por Ricardo Nogueira e Maria Inácia Rezola – Registado por Claúdia Figueiredo em Lisboa 17 de Junho de 2017
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— Enfim, voltando à questão das campanhas em que trabalhou, portanto a Compal foi uma campanha muito especial, não é, a Sumol…
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— Não era a Sumol,
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— Era a Compal.
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— Era a Compal. Eram rivais. A Compal era um produto novo e isso foi uma sorte, não é, porque é mais fácil fazer quando há um produto que traz qualquer coisa de novo, que era o caso da Compal, em que os sumos eram mais naturais do que os refrigerantes não eram refrigerantes, eram sumo mesmo. E portanto pode-se pensar na Compal de facto como uma campanha, como o Ogilvy ensinava, não é, desde o princípio a conceção, a caracterização do produto, os objetivos, os destinatários, tudo isto naquela altura era muito novo. Eu pelo menos que vinha da faculdade não não sabia funcionar assim, nunca tinha funcionado assim. Os destinatários, depois o que se quer fazer passar, depois as escolhas dos média em função do destinatário e das características do produto. Por exemplo, isso foi uma coisa que mais tarde, quando fui para o Instituto de Tecnologia Educativa, reparei que as pessoas não não pensavam nesses termos, não é, e portanto foi com a publicidade que acabei por aprender isso. E depois o o estilo a adotar, tanto na ilustração como no texto, ser coerente com todas essas premissas, digamos. É, pronto. E portanto com a Compal aquilo foi um bocadinho um trabalho coletivo, que pôde ser acompanhado e e feito desde o princípio. Os primeiros textos que eu escrevi, quando os entreguei rasgaram-nos na minha frente, quer dizer, [risos] isto não presta para nada. E pronto. Porque era uma linguagem muito muito muito, não direi que rebuscada, mas era uma linguagem muito escrita e eles queriam uma linguagem muito mais oral e tal. Pronto, também foi uma grande lição, não é, tive que fazer tudo outra vez. E de uma maneira tive que mudar a cabeça, não é, começar a pensar em termos de quem recebe o que também não estava habituada a fazer. E mais? Ah, depois também era pensar em coisas que chamassem a atenção, por exemplo, uma coisa que eu reparo no no slogan, não é que o slogan seja a coisa mais importante numa campanha, que não é, embora as pessoas tenham tendência a considerar isso, o O’Neill até tem uma graça sobre isso, mas é, queríamos qualquer coisa que chamasse a atenção, e portanto no slogan, eu reparei que depois desapareceu, mas na altura, aquilo foi assim a coisa mais bem-sucedida, era o “Compal é e depois aquela coisinha de quando falta uma palavra, mesmo natural”. Isso é que tinha graça. E achei interessante, quando voltei, em 74, que a campanha ainda existia, as palavras eram as mesmas, as ilustrações quase que eram as mesmas, mas tinha desaparecido o “mesmo”, sem que eu percebesse porquê, nem nunca percebi.
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— Muito bem. Falou também da da Farinha, não é, farinha Saluzena… e recorda-se de mais alguma campanha que tenha sido particularmente interessante ou que tenha tido algum aspeto curioso.
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— É tudo por causa da Farinha Saluzena, ainda queria dizer, pronto, como sou da educação, gosto muito de pensar em termos do que é que aprendi. Na Farinha Saluzena o que que aprendi fundamentalmente é que a marca e o e o a embalagem contavam muito, não é. E, por exemplo, a Farinha Saluzena era exatamente a mesma farinha, que eu não vou dizer o nome, que era…ou antes, a outra farinha era a Farinha Saluzena metida noutra embalagem e com uma marca mais internacional e mais conhecida. E custava pra aí o dobro do preço da Farinha Saluzena. Ou seja, pronto, foi também assim uma coisa de que me dei conta na altura, que não não, quando as pessoas às vezes pedem minha neta, de vez em quando diz, ah é, tem que ser de qualidade, esta é mais cara é porque é de qualidade. E eu lá lhe conto a história da Farinha Saluzena. Outras campanhas. Havia coisas muito inter, por exemplo, houve um produto que foi inventado em Portugal, que ainda hoje me lembro que interessante que era e que não teve o menor sucesso, então isso explica porque, que era um uma maquineta que se punha em cima dos carros para obrigar o condutor a baixar os máximos quando havia outro pela frente. Não teve sucesso nenhum porque no fundo era a pessoa a obrigar-se a si própria, não é. Não era obrigar o outro a baixar os faróis, era obrigar-se a si… e portanto isso não teve sucesso nenhum porque as pessoas na altura eram um pouco, tinham pouco sentido cívico. Tenho a certeza que hoje já teria muito sucesso [risos], não sei. É, houve outra que eu gostei imenso de fazer, embora tivesse tido muito menos impacto que a Compal, que foi… eles tinham também uma conta que era das camisas Triple Marfel. Isso já existia quando eu cheguei, pronto. Nem terei feito muitos textos pra eles. Mas depois lançaram, creio que a mesma empresa, lançou uma camisa de de melhor qualidade, que queria de melhor qualidade. Chamava-se Lanela, se não me engano. Mas tinham pouco dinheiro. E então fiz… eu eu tive imenso gosto em fazer a campanha porque tinha, estava a fazer a minha tese sobre o mito cowboy na cultura americana, então fiz assim um, propus um cartaz que fosse Procura-se: homem capaz de usar a camisa Lanela. E pronto. [risos]. Mas, o que eu percebi, o meu esforço, foi idêntico para a camisa Lanela ou para a Compal. Mas o facto de uma pessoa em pertencer, ser parte, de uma coisa grandes dá uma projeção muito maior do que se for de uma coisa pequena. E nós vimos isso depois também na RTP com a rua Sésamo que era em grande e tal, não é, portanto tem muito mais impacto do que outros programas nos quais eles se calhar investiam o mesmo mas que têm muito menos impacto porque não são uma coisa tão tão em grande, tão com tanto, com tanto valor de produção, digamos né. Outras…, eles tinham uma mas essa eu também quase que não participei que, era o “Clarin, o cheirinho à Primavera”, não sei se lembram disso[risos]. Era o sabonete Clarin que cheirava à Primavera. Mas esse também acho que não fiz muitos textos. Mas há outro que eu gostei foi um seguro de educação que apareceu, e então lembro-me que, do slogan que era “A educação faz o homem”. Hoje já não se poderia dizer assim, porque tinha um ar muito …, teria que ser “A educação faz o ser humano” que ficava muito mais fraco. Mas… há os cigarros Monserrate também, esse também eu me lembro. Mas também me lembro que aí, esses tiveram uma componente científica muito forte e eu percebi que em alguns casos isso pode tornar as coisas muito rígidas e e matar um pouco a criatividade, às vezes, não é. Porque, pronto, porque eram os cigarros Monserrate, havia milhares de cigarros, portanto, tinha que haver qualquer coisa de distintivo… O mote da campanha foi “O cigarro que distingue”. Mas depois as imagens corresponderam a uma visão estereotipada de distinção e que não, e que acho que calhar não, pelo menos não correspondiam à minha intenção. Mas aí pronto o chefe de publicidade tinha mais poder de decisão do que o copywriter, como é evidente. E isto apesar de na forma, como éramos todos poucos e trabalhávamos juntos, apesar de tudo todos contribuíamos bastante para a conceção. Mas quando o chefe de publicidade achava que tinha uma base científica muito forte ou tinha feito um inquérito ou qualquer coisa, pronto, aquilo matava os argumentos. Mais, deixa eu ver se eu lembro de mais.