Maria Emília Santos – Parte 3 de 7

Maria Emília Brederode Rodrigues dos Santos entrevistada por Ricardo Nogueira e Maria Inácia Rezola – Registado por Claúdia Figueiredo em Lisboa 17 de Junho de 2017.

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— Já falou um bocadinho que era uma estrutura pequena, não é,
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— Sim.
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— Um grupo pequeno, bastante coeso, fala-se muito desse período…. Portanto funcionava na Avenida de Roma, certo? No cruzamento da Estados Unidos da América com a Avenida de Roma.
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— Sim.
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— É, vi algum, vimos algumas referências de que haveria alguma ligação entre as Tertúlias do Vavá e o ambiente que vivia, que se via nessas agências e e em outras empresas que operavam nessa zona da da Avenida de Roma. É verdade? Não é verdade?
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— Quer dizer a agência era mesmo, eu acho que que era na Avenida… como é que se chama? Estados Unidos da América, propriamente, a morada oficial. E era naquele, nesse largo, de facto nesse cruzamento, e ficava por cima do Vavá, no quarto andar. Portanto no Vavá encontravam-se tanto as pessoas que trabalhavam naquela agência mas era sobretudo eu, porque era com estudantes associativos que começaram por ser expulsos do da cantina, da cidade universitária, e depois expulsos mesmo e portanto tinham o tempo livre e iam para lá. Depois ali por cima morava também o Paulo Rocha, ao pé o Fernando Lopes, portanto os cineastas também, o António Pedro Vasconcelos não sei onde é que morava, mas sempre encontravam-se todos ali e começou a haver uma relação entre esses associativos, e sobretudo depois da expulsão, e os e os cineastas, eram os dois grupos mais significativos. Como eu trabalhava por cima, era amiga dos associativos também lá ia, chegava sempre um bocadinho atrasada, que eu achava o sr. Castro um bocadinho aborrecido comigo. Mas eu defendia-me dizendo que o que estava ali a aprender que era muito importante pra [risos] pra perceber o mundo em que a gente vivia, e portanto para a publicidade. E… eu acho que era verdade, quer dizer, ali havia uma efervescência de coisas. Lembro-me quando foi estreado o Belarmino, não é, por exemplo, que fomos todos lá para ver o Belarmino, ou Paulo Rocha, Os grandes [verdes] anos. Pronto, havia de facto um esse, esse entrelaçar com o mundo fora da universidade que até ali não tinha havido quando estávamos só, vivíamos… vivíamos, estudávamos no campus universitário que é uma coisa relativamente fechada, não é, e só depois da crise, e das, e mais tarde sobretudo das expulsões, é que houve esse descer à cidade e o Vavá era essa, o símbolo da cidade que estava a modernizar-se, o próprio, a própria própria estrutura física do Vavá do coração, o sofá de cabedal toda a gente se lembra, os azulejos. Tudo aquilo era muito moderno e e e, pronto, e como estavam ali os cineastas que estavam naquele momento a investir em fazer cinema. Fonseca Costa ia lá, Fonseca Costa era muito prestigiado porque tinha estado em em Itália, como assistente do Antonioni, e quando chegou fez um documentário publicitário, porque havia também essa, esse entre… encruzamento entre a publicidade e o cinema, não é, e era onde os cineastas, os realizadores, aprendiam no fundo era com a publicidade. Ele tinha feito um documentário sobre lingerie que era muito bonito, que ele utilizou, é, utilizou já não sei o que monumento, mas era assim um contexto muito bonito. E e as as próprias modelos eram muito, muito modernas, muito, lembro da Gabriela Vieira de Almeida, por exemplo, que era modelo naquela altura. Era tudo, tudo era diferente, houve ali um marco de modernidade de facto naquela altura, graças, penso eu, a esse cruzamento entre as várias atividades que estavam a nascer, e a publicidade tinha um papel importante porque justamente fazia, servia para, na altura eu percebi que servia para treinar tecnicamente os os cineastas e depois dei-me conta que também servia para treinar, digamos, a nossa cabeça em relação a como é que se organiza uma coisa com princípio, meio e fim, não é, uma campanha, uma atividade. [corte]
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— Há mais duas pessoas que acho que era, que eu há um bocado não referi, mas que eram fundamentais no Vavá, que era o João César Monteiro e o, que também era dos cineastas, não é, e o e o João Rodrigues, que era um ilustrador muito muito bom, qualquer deles já morreu. Mas o João Rodrigues morreu bastante novo e tá um bocado esquecido, mas ele era um desenhador maravilhoso. Ele passava a vida a desenhar nos guardanapos de papel e toda a gente andava atrás dele a guardar os guardanapos dele, não sei onde é que estarão hoje esses guardanapos com crocodilos e outros animais que ele ia desenhando. O João César fazia parte da geração de cineastas que tinha estado em Inglaterra com uma bolsa da Gulbenkian, porque isso também é um factor, que esses cineastas todos tinham estado, ou como Fonseca Costa em Itália, ou tinham estado em Inglaterra com bolsas da Gulbenkein a aprender a realização. Realização e não só. Por exemplo, o Escudeiro, eu acho que o Escudeiro não foi realizador, pois não?, mas ele também tinha estado acho eu, e também aparecia lá muito. E também apareciam lá outros, de outras agências lembro-me de, não sei se era Fernando Almeida, que era da Êxito, que aparecia lá. Quer dizer, aquilo realmente era um cruzamento de gente ali que é que tornava engraçado. Sempre que há o cruzar de perspetivas e de áreas é interessante, é rico, não é, enriquece-se uns aos outros. [corte]
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— Só perguntaria à Emília, partindo dessa dessa experiência como é que olha hoje a publicidade? Portuguesa, por exemplo.
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— Não sei, eu nunca quis fazer vida na publicidade porque, quer dizer, gostei da publicidade como uma atividade um bocadinho lúdica, divertia-me, gostava e tal. Mas queria que a minha vida tivesse mais sentido do que isso. Hoje o que eu noto de mais interessante é o jogo de palavras, não é. Acho que foram sobretudo os brasileiros que trouxeram essa liberdade com as palavras, e o acreditar que podem fazer jogos de palavras, porque naquela altura pensava-se muito “ah, as pessoas não percebem, não pode ser porque não percebem, não sei o quê.” E hoje vê-se que isso já não, já não é assim, também as próprias pessoas também são muito mais educadas, ou pelo menos escolarizadas. É mais por aí, mas acho que deixou de ter aquela importância que tinha, não é, porque deixou de ser moderno, deixou de ter esse sinal de modernidade, deixou de ter esse papel de cruzar de várias várias áreas, sociais e culturais e deixou de ter esse papel também formativo. Penso que ainda terá, se calhar, mas não, pronto, eu pelo menos não conheço, não reconheço.

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