Maria Emília Santos – Parte 4 de 7

Maria Emília Brederode Rodrigues dos Santos entrevistada por Ricardo Nogueira e Maria Inácia Rezola – Registado por Claúdia Figueiredo em Lisboa 17 de Junho de 2017.

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— Só pediria que esclarecesse um pouco as tarefas inerentes a um copywriter, no fundo o que é que fazia, para além daquilo que é óbvio, não é, mas se puder dar conta do detalhe dessa função…
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— Sim, quer dizer, o copywriter tinha que acompanhar desde a conceção, não é, de preferência quando quando era o caso de ser uma campanha desde o princípio, como foi a Compal. É, e portanto participava na elaboração do conceito, não é, da definição dos destinatários, tinha que ler, podia participar, se houvesse, se fosse o caso disso, na elaboração de inquéritos, na leitura dos inquéritos, não é. Depois fazia propostas sobre a orientação que achava que se devia ter, pelo menos isto era no meu caso, não sei se era geral se não, e depois fazia e fazia os textos, era fundamentalmente isso, dependia do do meio que fosse utilizado, não é, se era rádio fazia spots, podia não ser os diálogos da Saluzena, do avô e da neta, podia ser um texto de anúncio, normal, não é. Fazia geralmente também a tal coisa que sobretudo os clientes queriam muito, que era o slogan. A tal graça do do Alexandre O’Neil era que na altura os os, pronto, havia uns clientes que não eram assim muito elaborados. Contava-se que, o Alexandre O’Neil era assim um bocadinho o máximo já naquela altura, não é, pelo menos enquanto publicitário, não sei se toda a gente conhecia a poesia dele, mas pelo menos enquanto publicitário e personagem, toda a gente achava imensa graça a ele. Então havia um cliente a que eles lá lhe explicavam o que que achava e perguntava-lhe: mas o seu produto o que que tem de especial que é pra eu trabalhar isso? Ah, foi o primeiro, foi o primeiro. Era um desodorizante. Foi o primeiro, é um desodorizante, foi o primeiro que apareceu. Mais alguma coisa? A qualidade? Ah, não sei, é como os outros, mas foi o primeiro. Bem, então olhe… E ele ele queria era um slogan, não queria uma campanha promissora, queria só um slogan. Então olha, “o pioneiro contra o mau cheiro”. E tinha muitas histórias engraçadas o O’Neil. Era um, pronto, havia outras agências e também havia contactos entre elas, não é, também não falei nisso, mas lembro-me que havia umas mais de esquerda, muito marcadas, como a Êxito, não é, onde estava o Alberto Ferreira, o Alves Redol, e para onde foram muitos associativos, o próprio José Medeiros Ferreira trabalhou lá mais tarde, mas na parte de inquéritos e da preparação. De tratamento dos inquéritos e até se zangou com o Alves Redol. É, mas houve outras pessoas, o Vilhena de Carvalho, que depois fez toda a vida na publicidade. O António Russo Dias. A Helena Carneiro, que me foi substituir na Forma e que também ficou sempre ligada à publicidade. Portanto houve pessoas que ficaram sempre ligadas. Mas aí portanto assim mais de esquerda era a Êxito, havia a Zeiger – não sei se se era lá que estava o Orlando Costa ou se estava na Marca. Todos esses intelectuais, como é que dizer, compagnons de route, ou do PC, ou compa, ou companheiros de caminho, estavam na publicidade, porque também não podiam estar em mais lado nenhum, não podiam ensinar, porque eram proibidos, não podiam… portanto tavam na na… iam para uma área que era nova e que eles ainda não estavam tapados e que pedia essa criatividade e essa, esse sentido crítico e essa insatisfação, desassossego, que era importante para a publicidade. O José Vaz Pereira, na CIESA, por exemplo. Ah também esqueci-me de dizer dos pagamentos, agora lembrando do José Vaz na CIESA, que o Ricardo conheceu bem, não é, que escrevia maravilhosamente, e que era dos tais que não tinha acabado o curso, porque se zangou lá com o Martinez e não sei o quê, ficou com uma câmera pendurada toda a vida, então foi para a publicidade. Portanto, ou era por motivos políticos, o que no caso dele também era, ele acumulava, ou era por esses motivos de não terem a a licenciatura. É… já não sei o que que ia dizer. Sobre as… ah, já sei, era os pagamentos. Eu lembro-me que na CIESA um um… pronto, depois me convidaram para ir para lá mas eu não quis, era o tempo inteiro era quatro contos. Isso era imenso naquela… quatro contos por mês. E o e o meio tempo na Forma era dois contos e 500, portanto eu fiquei … eu era uma próspera estudante universitária que servia de, muitas vezes de bolsa e de empréstimos aos amigos todos e que nunca ninguém… correu sempre tudo muito bem. E pronto. Mais coisas sobre como é que era a vida da da, o que que era a atividade… Eu podia, às vezes tinha, os clientes iam lá, sobretudo quando eram do estrangeiro, então eles pediam para eu estar também por causa de falar línguas e tal. Mas eu na altura não gostava muito do contacto assim com o exterior. Pronto, depois a gente, quer dizer, quando fazia a parte, antes de passar a parte do texto, havia sempre uma conversa com os ilustradores, não é, para ser uma coisa que tivesse coerência e às vezes trabalhávamos até juntos, comecei por ir para lá pro gabinete do Rafael, por exemplo, não é. Mas depois eu ficava embaraçada com ele, ele ficava embaçado comigo, então lá fui para outro lado qualquer, já não sei, o Pernes, coisa que valha. Ainda não havia tudo em open space, mas na ilustração já havia, já havia tudo assim, grande espaço aberto onde todos trabalhavam juntos. Também outra coisa que eu na altura percebi tinham imensos livros de publicidade no estrangeiro, recentes, portanto havia sempre um esforço de atualização muito grande, nesse aspeto do design e da ilustração.
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— Então, apesar de não ter sido uma escolha seguir carreira de publicidade e não ter continuado, foi uma experiência muito interessante, não é?
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— Foi muito interessante sob vários aspetos por um lado, por tudo o que aprendi, que já lhe contei. Por outro lado, porque me deu uma certa emancipação económica e era, e eu procurava isso, não é, porque achava que as mulheres naquela… está a ver, na publicidade éramos duas, eu acho que a minha, havia uma pessoa, uma mulher outra que era a Graça Varela Cid, que era que encontrei muitos anos mais tarde e disse “você era o meu modelo”, era a única mulher que havia a trabalhar em publicidade, que eu me lembre. E portanto era também esse aspeto. E era um bocadinho a convicção de que para a emancipação das mulheres era preciso educação, como a minha família me dizia sempre, e com razão, era preciso o voto, como todos nós queríamos mas aí não era uma distinção para muitas mulheres, e era preciso independência económica, senão estávamos sempre sem liberdade em relação aos pais, aos maridos, aos irmãos. E eu tinha um bocadinho essa problemática, embora a minha família até fosse muito liberal, mas tinha um bocado essa, essa problemática na cabeça. Não sei mais. Outras coisas importantes… na altura, foi esse contacto, esse convívio, o facto de atravessar várias atividades, tudo isso eu acho que foi muito importante. A consciência de estarmos a viver um momento efervescente culturalmente, eu acho que no fundo só a tive depois, não é, mais tarde olhando para trás.
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— E e e temos um dos seus irmãos era jornalista, não era?
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— Sim.
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— Sim, e era bem vista a Maria Emília ter, trabalhar em publicidade, porque alguns jornalistas olhavam com dúvidas, por exemplo, alguns ..
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— Sim. Toda gente olhava um bocadinho desconfiado da publicidade, o que que… era levar as pessoas ao consumo, não era bem visto, não é, na ortodoxia de esquerda, e até na minha, não é. Mas a verdade é que o outro lado compensava. Mas é tal coisa, também não queria fazer daquilo vida, queria, pronto, enquanto pudesse, enquanto estivesse a estudar aquilo e dar, trabalhar a meio tempo dava-me muito jeito. E havia essa problemática económica, e havia a parte da criatividade, se a gente percebia que era uma coisa onde se podia treinar a mão, digamos, a escrever, por exemplo, certamente a ilustrar. Não me lembro do meu irmão ter feito assim nenhuma crítica especial, o meu irmão Fernando. Acho que não, nem sei bem se ele já era, sim, já havia de ser jornalista nessa altura sim, sim já era sim, tem razão, mas não me lembro. Mas deve ter feito, deve ter olhado um bocadinho desconfiadamente, certamente. Mas havia muita gente de esquerda, como disse, aquilo era tudo… sobretudo nessas na na Êxito, na Marca, na Latina, que vieram depois. Na própria Forma, tanto o Sr. Rafael como o Sr. Alfredo Castro eram homens muito de esquerda. Portanto, tudo, no fundo, embora tivéssemos sempre de viés, todos, o próprio Sr. Castro era um homem muito torturado e muito insatisfeito… Mas, pronto, a gente lá convivia com o que não podia mudar.
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— E como é que era essa convivência com o contexto político, devia ser difícil?
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— É tal coisa como como as pessoas não podiam trabalhar noutro sítio, não é, e não podiam por razões políticas, não podiam… ou políticas ou também de género. Por exemplo, lembro muito bem de estar em Direito e pensar: o que que eu posso ser? Não posso ser juiz, também não gostava, mas certamente não não era possível, não posso ir para o corpo diplomático, não posso… a única coisa que era ser advogada, fazia-me imensa impressão, porque era um bocado tímida na altura, ficava notária, conservadora, quer dizer aquilo horrorizou-me, não é, então, se calhar não devia [risos]. E então, pronto, também era olha ao menos na publicidade é mais engraçado, não é. E depois os outros, o Roberto Ferreira não podia, era um homem muito conceituado, não é, mas não podia ensinar no ensino oficial, nem no superior, nem no secundário. E a maior parte dos outros todos que estavam não podiam, não é. Portanto de certa maneira é quase que se estava grato que houvesse uma uma atividade económica que ainda não tivesse sido fechava à esquerda, não é. Ainda me lembro, por exemplo, quando quando fomos expulsos da universidade, houve pessoas que foram muitos anos, outras foram poucos anos, não interessa. A verdade é que fomos expulsos e não nos podemos inscrever nesse ano. E depois abriu, o Sedas Nunes abriu um instituto que provavelmente foi que veio a dar o ISCTE, o que equivale, não me lembro como é que se chamava na altura, qualquer coisa social. Como tinha aberto depois, fomos todos pra lá, inscrevemo-nos todos lá, foi uma festa todos os putos estavam no instituto do Sedas Nunes. Mas claro, as autoridades dali a dois meses perceberam e lá fecharam aquilo outra vez, não é. Portanto havia assim o jogo do gato e do rato em que as empresas publicitárias apareciam como uma grande ajuda, quer dizer. Por exemplo, essa coisa
do do inquérito à lã em que o José participou, pronto, imenso, era tudo universitários expulsos que estavam, que fizeram isso, que trabalharam nisso.
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— E é precisamente por motivos políticos que depois acabará por
interromper essa experiência, não é, deixar o país e ter a experiência da
Bélgica.
— Da Suíça.
— Da Suíça, não acerto uma [risos].
— É, quer dizer, nossa turma quer dizer não diretamente por motivos políticos, eu queria mesmo pra mim aquilo era mesmo um interregno, a publicidade. Queria, não sabia bem o que queria, mas queria. Lembro-me que concorri a uma bolsa para os Estados Unidos, que ganhei, da Fulbright, e que a senhora me perguntava o que eu queria estudar, não é, e eu dizia “eu queria perceber porquê que se estuda o que se estuda”. E a senhora ficava a olhar para mim e dizia, sim mas isso não é um não é uma área do sa… o que é isso? não sei. Depois chegou uma altura que ela disse, sim, deve ser filosofia da educação, na altura também a Ciências da Educação não existiam, não é, era uma coisa… já existia, mas era pouco conhecido, sobretudo cá. E ela disse olha, o melhor é fazer, vai para lá, faz Literatura Comparada, era em Colombia, e depois muda para o que quiser conforme o que lá houver e tal. Mas depois eu desisti da bolsa porque
entretanto, facto por razões políticas, o José saiu, e então, saiu sem saber pra onde, eu então aceitei um lugar de professora na Universidade de Bristol, ensinar português e literatura e cultura portuguesa. E ele acabou por ir para Genebra e portanto, onde havia o Piaget, que na altura, as tais Ciências da Educação e Psicologia era um nome muito muito conhecido e, portanto, eu pedi uma bolsa à Gulbenkian e pude ir para Genebra reunir o gosto pela companhia e o gosto também por essa tal problemática, porque que se estuda o que se estuda da Educação.

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