Rui Remígio – Parte 3 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.


RR p3 de 7 aos 0M4S- FS: A formação é muito importante. Que tipo de formação foi fazendo ao longo da vida para se ir atualizando à medida que as transformações tecnológicas surgiam? Vi no seu
RR p3 de 7 aos 0M18S- CV que fez imensas formações. FSS: Nos dois sentidos. Como formador e a receber formação. RR: Certo. Primeiro, comecei a receber formação
RR p3 de 7 aos 0M26S- no curso para operadores de radiodifusão. Eu era só operador auxiliar. E, quando sou convidado, já tinha feito seminários a convite da AEG sobre fitas, já tinha feito para operadores
RR p3 de 7 aos 0M43S- com outros colegas… FS: A AEG era…? RR: É uma marca alemã. A fita da AEG é a que lidera.
RR p3 de 7 aos 0M53S- FSS: Como eram essas formações? Essa formação da AEG, por exemplo? Vários dias…?
RR p3 de 7 aos 1M2S- RR: Sim, sim, uma semana. FSS: Lá na Alemanha ou…?
RR p3 de 7 aos 1M6S- RR: Não, aqui em Portugal. Porque a eles interessava-lhes vender os equipamentos deles, as fitas deles. Eu lembro-me dessa, da BASF, foi no Hotel Cidadela, em Cascais. Uma semana.
RR p3 de 7 aos 1M21S- FSS: Coisa fina. FS: E a Emissora Nacional patrocinava essas formações ou eram pagas? RR: Eu não fui pela Emissora Nacional, já trabalhava num estúdio aqui em Campo de Ourique, o Musicorde.
estudio musicorde
Como trabalhávamos em multipista e o produto final era para edição discográfica, e o estúdio era de dois proprietários: o Jaime Filipe,
RR p3 de 7 aos 1M44S- um grande técnico, que mais tarde abriu o centro de formação da RTP, foi o autor da primeira bola de espuma protetora do microfone. A maior parte das pessoas não sabem isto, mas foi o engenheiro Jaime Filipe que o fez; e o Alberto Nunes era o sócio. Os dois eram responsáveis pela Musicorde. Ainda na Rua Nova da Trindade, ali ao Chiado, gravava a antiga APA. Não é do meu tempo, eu já
RR p3 de 7 aos 2M26S- vim entrar aqui na Musicorde em 1973. Exato. RR: Eu volto atrás à parte da sonoplastia: e é isto, os sonoplastas, têm mundo e uma postura totalmente autónoma e independente. E porque é que eu necessito de dizer isto: porque, mais tarde, e o Francisco é também um dos responsáveis porque foi formador na mesma altura, estas duas profissões vão-se juntar. Operador e sonoplasta.
RR p3 de 7 aos 2M53S- O sonoplasta manuseia apenas os discos com sons, com músicas, com efeitos. E havia o operador, que é um provedor de som, assim designado, que é o que opera os gravadores, os leitores e controla as intensidades sonoras vindas da cabine, vindas do sonoplasta, vindas dos leitores e termina tudo num gravador onde é registado o produto final que se pretende. Que pode ser uma peça de teatro, um programa cultural, um programa musical, uma ópera, por exemplo, gravar a partir de S. Carlos… lembro-me perfeitamente que a Emissora Nacional gravava óperas a partir de S. Carlos,
RR p3 de 7 aos 3M39S- e transmitia mais tarde.Antes do sonoplasta, havia uma figura chamada contrarregra. Quem é o contrarregra: é alguém que está entre operador e sonoplasta e que vai manusear e provocar sonoridades e sons a partir de talheres, cocos abertos ao meio a simular os cavalos, por exemplo. Que com o celofane que envolve os maços dos cigarros simula o fogo. Com uma chapa zincada
RR p3 de 7 aos 4M22S- pode provocar o trovão. E havia uma roda de vento, que é uma lona em cima de um cilindro que, consoante a velocidade, assim se obtinha o vento. E havia um caixote enorme a simular uma porta, com campainhas, com fechaduras, a fazerem barulho. Havia meia dúzia de degraus que simulávamos o subir e o descer. FSS: Tudo isso manobrado pelo contrarregra.
RR p3 de 7 aos 4M51S- RR: Exato. A caixa de gravilha, onde se simulava os sons ou o som dos passos. E há uma descrição maravilhosa que é: sem uma única palavra, se ouve em plena noite, no silêncio, uma janela que se abre, um carro que se aproxima, um motor que se desliga, os passos na gravilha,
RR p3 de 7 aos 5M18S- o disparar de um tiro e o tombar de um corpo. O crime está feito. Ninguém falou, mas aconteceu. E há dois personagens: o que mata e o que é morto, que tomba. Portanto, a importância do som na descrição. Isto é muito utilizado mais tarde em cinema. Portanto, é sempre a partir do teatro e
RR p3 de 7 aos 5M46S- Shakespeare é o mestre dos mestres. Porque tudo aquilo, o teatro em princípio… voltando ao mono, o som ainda não tem distribuição. Não há centro nem esquerda nem direita. Todas as cenas que acontecem são descritas e feitas a partir da aproximação e do afastamento. Não há distribuição, não há paisagem sonora. Não há estereofonia. FS: O tal registo monofónico.
RR p3 de 7 aos 6M18S- RR: Tal e qual. E o que é o monofónico: eu só tenho afastamento e aproximação. “Maria, traz a sopa” e ouve-se lá ao fundo a Maria a dizer “Vou já”. Nós, em teatro, quando gravávamos, ouviam-se os passos. A sopa. “Vá, meninos, portem-se bem”. Talheres em cima da mesa e uma conversa. Qualquer que fosse a posição perante o microfone ou os microfones, todos saíam misturados, mais próximos,
RR p3 de 7 aos 6M49S- mais afastados, era assim que se fazia. Com o surgir da década de 50… até os primeiros discos dos The Beatles são gravados em mono. Na década de 50, já com duas pistas, então temos o centro, a esquerda e a direita. E ainda não há multipista: esse é outro fenómeno técnico graças à evolução
RR p3 de 7 aos 7M11S- tecnológica. Portanto, só há afastamento e aproximação. Década de 50: o sonoplasta continua, então já tem discos. Os primeiros discos são rijos, como se fossem tocados numa grafonola de 68 rotações. Mas, a partir da década de 50, surge o vinil. Que é a partir de petróleo, PVC, por
RR p3 de 7 aos 7M38S- temperatura e vapor, a prensagem dá-se e nascem os discos. Primeiro, o single, tem apenas um tema ou uma canção de cada lado. O EP, extended play, tem duas de cada lado. O LP, o long play, tem 18 minutos, às vezes 20, tudo depende. Porque o chamado passo, que é o que permite num espaço x ter quantas pistas. Porque se a música tiver muita dinâmica, a largura e o corte do acetato não se
RR p3 de 7 aos 8M8S- pode fazer da mesma maneira porque, no mono, a agulha vibra. Portanto, se quer toca à esquerda, à direita ou no meio, o som é sempre mono. Ao passo que a agulha, mais tarde, vem ler o canal direito, o canal esquerdo. Também é preciso que o canal esteja bem distribuído. Porque há
RR p3 de 7 aos 8M31S- toda uma aproximação em termos panorâmicos. RR: A junção de operador e sonoplasta só vem acontecer quando acontece o fenómeno único em Portugal da TSF que faz um curso de formação,
RR p3 de 7 aos 8M49S- de seis meses, na Torre 2 das Amoreiras. Convida responsáveis ligados à informação, portanto, ao jornalismo. FS: Isso já no final dos anos 80.
RR p3 de 7 aos 9M8S- RR: Exato. Dá-se a junção das duas profissões, sonoplasta e operador. A designação técnica para estas duas junções chama-se operador sonoplasta. Ou seja, a partir da abertura da TSF,
RR p3 de 7 aos 9M31S- tem origem mesmo nos cursos de formação, … Como o Francisco também ajudou e o Adelino Gomes e outros tais. E o engenheiro… FSS: Jaime Silva.
RR p3 de 7 aos 9M45S- RR: E outros profissionais de várias áreas. Mas a parte técnica, aquela que é o suporte do apoio à emissão e aos exteriores… mais tarde, vai acontecer com o telefone portátil, repare-se bem.
RR p3 de 7 aos 10M14S- FSS: Ainda não era telemóvel. RR: Os primeiros telemóveis pareciam garrafões.
RR p3 de 7 aos 10M15S- FSS: Tijolos. RR: Ou seja, esta profissão de sonoplasta – que trata da plástica dos sons, da mistura, que utiliza e manuseia fitas, cassetes, discos e por aí fora -, raramente ou quase nunca grava som.
RR p3 de 7 aos 10M33S- FSS: A propósito disso, na gravação de uma orquestra, tu colocavas os microfones ou definias as posições da colocação dos microfones ou não? Ou ficavas só a receber o som que outros arrumavam?
RR p3 de 7 aos 10M46S- RR: Eu não falo da minha atuação porque eu nunca trabalhei na captação de orquestra. Mas sim na minha experiência cá fora, no estúdio particular, na Musicorde. Na gravação de orquestras ou naipes de orquestras. Há um pormenor: a captação por si só é uma arte.
RR p3 de 7 aos 11M4S- FSS: Suprema. RR: É uma arte. Captar um som, captar uma orquestra, captar um naipe, um conjunto de músicos… e, depois, captar de modo pontual – pôr um microfone só para aquele instrumento e um naipe seja de corda, seja de
RR p3 de 7 aos 11M24S- metais ou um coro – e é preciso ter panorâmica. FSS: Uma orquestra… sei lá, a orquestra da Gulbenkian. Há um concerto. Quantos microfones são precisos?
RR p3 de 7 aos 11M40S- RR: Quantos tanto os necessários. Se for num auditório como a Gulbenkian, eles já lá estão todos colocados e, portanto, é uma questão de ver qual a constituição. Se é de câmara, se é sinfónica, se o solista hoje é o piano ou o violinista e por aí fora. Às vezes, a própria orquestra, para a execução de certas obras, é reforçada com mais contrabaixos, com mais violas, com mais violinos… E coro. A Gulbenkian chegou a ter orquestra e coro.
RR p3 de 7 aos 12M17S- FSS: Os microfones são idênticos? Unidirecionais… RR: Há três bases que designam os microfones que tem a ver com o modo como eles captam. A direccionalidade – a maneira como capta em função da sua direção -, depois, a parte abrangente – ou seja, posso necessitar apenas de uma fonte
RR p3 de 7 aos 12M40S- sonora e essa fonte sonora… se o microfone é direcional, portanto, quer dizer que obedece a melhor captação – mas, depois, posso precisar de um microfone – tenho um diagrama polar, a membrana capta mais do que a direção principal, tenho mais abertura. Ou, em situações que é mais
RR p3 de 7 aos 13M5S- que uma pessoa ou uma pessoa do lado em frente a outra, bidirecionalidade – o microfone tanto tem de captar de um lado da membrana como do outro. Há microfones estéreo. Mas, acima de tudo,
RR p3 de 7 aos 13M19S- há três: há o microfone cardioide, que é aquele que tem o formato de um coração, que obedece à direcionalidade; omni, com direcionalidade, em todas as direções; e o bidirecional, duas direções. Qualquer uma destas três regras, cardioide, omni ou bidirecional, tem outras aberturas. São sequenciais em função do seu diagrama polar,
RR p3 de 7 aos 13M44S- da funcionalidade que se pretende e o comando à distância que permite a alteração da sua postura em termos de diagrama polar. Eu posso, à distância, modificar a característica de captação do microfone. É só para dizer o seguinte: a primeira preocupação, seja numa orquestra grande, pequena ou num coro, é teres a noção da panorâmica. Ou seja, quando estás em tua casa,
RR p3 de 7 aos 14M18S- ou num espetáculo ao vivo na Gulbenkian, estás sentado e delicias-te porque, se fechares os olhos, sabes que à esquerda está, digamos, um piano e, à direita, estão os contrabaixos. O ideal é que tu vais assistir a uma gravação de um espetáculo de uma grande orquestra e, depois, a transmissão em casa, dizes assim “Sim senhora, esta sonoridade, esta captação, este registo que
RR p3 de 7 aos 14M49S- eu estou a ouvir corresponde. Porque eu estava lá, no sítio, e sei que era ali que estava o piano ou o contrabaixo”. Agora, se eu não souber, se não tiver essas direcionalidades, podes depois estar em casa e estás a ouvir tudo trocado: o canal esquerdo como o canal direito, o
RR p3 de 7 aos 15M2S- piano aparece-te do lado direito e devia estar no lado esquerdo porque era essa a grande realidade. Interessa a envolvência realidade. Depois a situação por naipes: os violinos, as violas, os violoncelos, os contrabaixos, depois os metais, as madeiras, o solista – e pode ser um violino, uma
RR p3 de 7 aos 15M25S- tuba, um piano e, se for um piano, tem de haver uma captação em estéreo. São 80 teclas e o centro, a esquerda e a direita têm de se designar. Desde os 27,5 Hz até aos 5000 e qualquer coisa Hz. Mais os harmónicos… tens de ter uma captação perfeita do teclado do piano. Depois, há outros: uma harpa, por exemplo, não é fácil captar uma harpa. Mas há microfones que te permitem um registo, m teoria,
RR p3 de 7 aos 16M0S- hoje em dia, no mundo do digital, dos 20 aos 20 mil Hz. Mas depois o digital tem este problema também que é: abaixo dos 20, não está lá nada e, acima dos 20 mil, também não está lá nada. Está cortado. Isto leva-nos sempre àquela equação: o que é melhor? O digital ou o analógico? É preciso apercebermo-nos que, no mundo analógico, não se corta nada. Tudo que lá está, mesmo que não se ouça, acaba por se sentir.
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