Rui Remígio – Parte 4 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.


RR p4 de 7 aos 0M11S- RR: A captação, por si só, é uma arte. Precisas de ter conhecimento do fenómeno acústico, da propagação do som, como é que se dá, a pressão e a rarefação do ar,
RR p4 de 7 aos 0M20S- em função da variação da pressão acústica. A elasticidade das moléculas para transmitir o som, a sua propagação. Procurando completar a parte da pergunta de uma grande orquestra como se capta,
RR p4 de 7 aos 0M38S- o número de microfones… podem ser 20, 40, 15… são os necessários, suficientes para termos a definição da grande orquestra, a definição dos vários naipes – metais, cordas, madeiras,
RR p4 de 7 aos 0M52S- solistas – e, então, como a palavra diz, os solistas têm de ter microfones para si. Seja uma voz, sejam duas vozes, seja um violino, seja uma flauta, uma trompa, uma harpa. E, portanto,
RR p4 de 7 aos 1M8S- a designação solista quer dizer que são captados à parte do global. A sensibilidade e a colocação dos microfones para esses instrumentos necessitam de conhecimento de como é que vai acontecer.
RR p4 de 7 aos 1M23S- Acontecer ao compasso, ou seja, um técnico hoje em dia tem de ter a noção de ler uma partitura, ter a noção depois, na edição e montagem que faz, de saber onde é que vai buscar ou fazer
RR p4 de 7 aos 1M38S- uma duplicação, um copy-paste e repetir e fazer um loop e por aí fora. Que permite corrigir aquilo que estiver mal. Num espetáculo ao vivo não podes fazer nada: o que sair é o que sai. Mas é maravilhoso. Porquê: num espetáculo ao vivo e digo isto porque foi uma aprendizagem minha – que me ajudou muito, e ainda hoje me ajuda a conduzir -, num espetáculo ao vivo,
RR p4 de 7 aos 2M7S- como por exemplo esse concerto de Ano Novo, que vai acontecer agora no dia 1 de janeiro, tu trabalhas com a gestualidade, portanto, os sentidos, visualidade – tu estás
RR p4 de 7 aos 2M23S- a ver, estás a ouvir e tens que manusear. E, portanto, num espetáculo ao vivo ou num estúdio de música onde estás a gravar ao vivo, estás – como se diz na gíria – com a pica toda em cima.
RR p4 de 7 aos 2M41S- FSS: Pronto para a surpresa. RR: A adrenalina está toda ali. Portanto, quando um bom técnico ou um bom realizador está na régie a comandar a entrada e a saída das câmeras, ele também está a ouvir, a ver e a gerir. A gestualidade está lá toda. Isto desenvolve
RR p4 de 7 aos 3M1S- a tua capacidade de perceção do carro que vai à tua frente, que ele vai virar à direita e não fez pisca. Eu já me safei de dezenas de acidentes porque eu faço a leitura, eu interpreto o comportamento do carro que vai à minha frente. Quase sempre, é impressionante. Garanto que vai travar, vai virar à esquerda. Não sei se vai virar porque vai ali…. Porquê:
RR p4 de 7 aos 3M21S- trabalhei muitos anos, muitos anos, muitos anos… FS: Mas muita dessa aprendizagem foi feita na tarimba mais do que… RR: Ora… Filipa, é assim, a minha geração, como geração que ainda é viva… minha e de grandes técnicos como o José Fortes, eu e mais meia dúzia – posso não citar agora, não me vêm os nomes, José Abrantes e por aí fora -, os
RR p4 de 7 aos 3M50S- técnicos mais ou menos da minha idade – portanto, eu tenho 73 anos e ainda estou no ativo e gosto; ainda me arrepio, ainda tenho o prazer do instante que é… Tarimba, correto, eu fui um autodidata. Quando, um dia, me convidaram para fazer formação. Saí de São Marçal, chamaram-me da chefia e fui ao Quelhas onde tinha começado, e está o responsável do centro de formação,
RR p4 de 7 aos 4M16S- o responsável da exploração e o chefe de departamento. “Ó Rui, gostava, temos aqui uma tarefa para si”. Década de 80, quando começam a aparecer os dinheiros para a formação.
RR p4 de 7 aos 4M33S- FSS: Dinheiros europeus. RR: Exato, dinheiros europeus. E eu perguntei “E porque não aquele e aquele?”. Aqueles que para mim eram as referências dentro da Emissora Nacional. Disseram “Este diz que não quer porque não domina bem o Inglês, este não domina bem a sonoplastia e a gravação em multipista e aquele outro porque não lhe apetece ou não quer”. E eu disse “Eu aceito”.
RR p4 de 7 aos 5M0S- Estavam preenchidas as razões para de, hoje para amanhã, dizerem “Porquê tu e não os outros?”. E eu “Epá, essa pergunta pus eu”. Tarimba. Ou seja, quando eu sou posto perante esta realidade, primeiro preciso de saber o que é que vou fazer. E vou começar precisamente por fazer
RR p4 de 7 aos 5M28S- formação a colegas meus. Eu era operador auxiliar só. Já era do quadro, mas era operador auxiliar. Já tinha jurado não pertencer a organismos comunistas e mais não sei quê. Aquelas coisas que os funcionários públicos diziam. Já era do quadro. Então, corro Lisboa inteira à procura de livros em
RR p4 de 7 aos 5M53S- português, brasileiro – o Brasil é português, mas do Brasil -, francês e inglês. Alemão nunca tive. E não havia nada. Todos os que havia, eu comprei. E mais, toda a coleção que o quartel em Paço de Arcos, de formação dos cursos de militares na área da eletrónica e por aí fora, tinha. E tenho-os
RR p4 de 7 aos 6M19S- todos também. Mas fui à procura nas bibliotecas da Emissora Nacional e a maior parte dos livros
RR p4 de 7 aos 6M26S- pareciam que tinham sido requisitados pelos engenheiros, pelos chefes de departamentos, pelas chefias que os tinham nas gavetas. E, portanto, ou seja, o saber – neste caso – estava fechado.
RR p4 de 7 aos 6M37S- FS: Estava escondido. RR: Hoje em dia, o grande princípio é: quanto mais eu partilho o saber, mais eu me enriqueço porque partilho a base, o know-how. A minha geração… O Instituto Superior Técnico não tinha formação de cursos de acústica nem de eletrónica. Havia
RR p4 de 7 aos 6M57S- eletrónica, mas da parte de operacionalidade, de maquinarias e por aí fora. Acústica não havia.
RR p4 de 7 aos 7M6S- As universidades só mais tarde é que começaram a ter e algumas abriram sem terem cossoletes, só fotografias de cossoletes para os alunos verem. Só verem. Porque não tinham operacionalidade, não tinham dinheiro, isto é factual. Portanto, eu tive de ir à procura do saber.
RR p4 de 7 aos 7M25S- E a minha geração, hoje – e eu ainda dou aulas numa escola, a ETIC, tem também o ensino técnico e o ensino profissional; os alunos entram com o 9º ano, fazem o 10º, 11º, 12º e, desde som, fotografia, edição de imagem, produção musical, teatro, dança, uma data de cursos… – e a ETIC
RR p4 de 7 aos 7M59S- é que começou por dar imagem e criação. E comunicação. E inovação e criatividade. Portanto, para dizer o quê: qualquer jovem, hoje, pode – dentro do seu currículo inicial -, começar logo a ter audiovisuais. Imagem e som. Cursos superiores já os há em todas as áreas. Inclusivamente, a ETIC
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RR p4 de 7 aos 8M24S- já tem curso de HND [sigla dos Higher Nationals Diploma], cursos do sistema educativo britânico, com duração de 2 anos, compostos por unidades teóricas e práticas] que permitem, na área de produção e técnico de som, com apoio e partilha espanhola e inglesa, ao fim de dois anos
RR p4 de 7 aos 8M38S- e um estágio, terem um bacharelato. Portanto, os jovens técnicos hoje em dia, além de saberem música, eletrónica, eletricidade, saberem tudo, toda a base, estão preparados para tudo. E eu vejo-os nas escolas novas, é um prazer. Ainda por cima, com a facilidade do digital. Nessa escola,
RR p4 de 7 aos 9M2S- o papel já foi posto de parte há uma data de anos. Os sumários, os conteúdos são todos digitalizados para partilhar com os alunos ou, primeiro, são depositados numa pasta onde os alunos vão buscar todos os suportes. É mesmo obrigatório. Se eu falar de uma coisa e não partilhar com os alunos,
RR p4 de 7 aos 9M18S- os objetivos não podem ser atingidos. RR: Na sequência da pergunta que eu procurei responder ao Francisco Sena Santos, ficou para trás ainda: do mono avançámos para o estéreo. E falta-nos aqui a partilha de uma coisa muito engraçada e boa que é a estereofonia
RR p4 de 7 aos 9M42S- e, mais tarde, a multipista. A multipista, a partir dos anos 50, e de que falei há bocadinho dos The Beatles, as primeiras gravações em mono. Mas, depois, gravava-se em duas pistas e depois fazia-se passagem do que estava gravado, acrescentava-se o microfone ou dois microfones
RR p4 de 7 aos 10M7S- e o somatório… ia-se gravando, duas a duas, por somatório. Mas havia uma realidade – havia naquela altura, hoje em dia, com o digital isso não acontece – que era a relação sinal-ruído. Ou seja, ia-se aumentando o sopro, o ruído para termos mais som porque era sempre em somatório, e a relação
RR p4 de 7 aos 10M23S- sinal-ruído estava a deteriorar-se. O importante é termos mais sinal e menos ruído. Tudo isso evolui de tal maneira, vamos beneficiando… aquilo começou por ser o óxido, passa a ferrocrómio, a cobalto… Ou seja, no princípio é só óxido de ferro, mas, depois, começam as fitas a terem
RR p4 de 7 aos 10M59S- outros componentes que têm melhor resposta, melhor relação sinal-ruído e, para terem melhor ainda, aparecem os supressores do ruído. Ou seja, o sinal áudio ou o som é dividido logo à entrada do gravador e é reposto à saída. Porquê: graças aos sistemas de compressão que permite aumentar
RR p4 de 7 aos 11M23S- e potenciar o sinal e o ruído, elimina-se no percurso aquilo que pudermos e volta-se a juntar. Quer dizer, quando, na década de 80, aparece o alfanumérico, os princípios digitais, nós temos gravação com grande qualidade graças aos supressores de ruído, aos compressores, aos
RR p4 de 7 aos 11M44S- limitadores, temos boas fitas, bons gravadores; as componentes das cabeças de gravação cada vez usam melhor material, têm maior curva de resposta, mais desgaste, gastam-se mais rapidamente, mas o
RR p4 de 7 aos 12M0S- importante é que o registo que façam seja melhor; a dinâmica é cada vez mais elevada, o chamado registo que entra é superior, a fita regista mais. Basta ver, quando aparecem as cassetes, que é um elemento de registo que se leva nos walkmans, nos automóveis… hoje em dia, os automóveis já não têm leitor de cassetes nem de CDs: é uma pen, é por Bluetooth, é a nuvem, é o streaming hoje em dia…
RR p4 de 7 aos 12M32S- FS: E com o digital, não perdemos nada? Já percebi que ganhámos muito,
RR p4 de 7 aos 12M39S- não perdemos nada nesta passagem para o digital? RR: Perdeu-se a riqueza dos harmónicos, mais nada. Os melómanos, os apaixonados… quem tem um bom gira-discos, quem tem um bom gravador antigo, quem tem um Ferrari ou Rolls Royce, não vai querer voltar outra vez ao Fiat…. Percebe o que eu quero dizer. Perder não se perdeu, basta ver que, nesta altura, há como que um regresso, matar saudades,
RR p4 de 7 aos 13M32S- há qualidade. Porque é assim: ouvir um disco, por si só, é como um fumador de cachimbo. Tem um ritual, tem a coleção, é preciso limpar um disco, guardá-lo, abri-lo, a leitura. Porque o tamanho do registo hoje é de tal maneira pequenino: no princípio era abrir a capa, depois passou a abrir
RR p4 de 7 aos 13M58S- capas, um caderninho lá dentro do CD. As capas de um disco, os rótulos de um disco, por si só a arte gráfica era… E a fotografia desenvolveu-se imenso. Porque capas dos The Beatles, eles descalços a atravessarem a passadeira do estúdio. Discos dos Pink Floyd, discos dos The Rolling Stones ou,
RR p4 de 7 aos 14M25S- sei lá, de clássicos. Por exemplo, portugueses, sei lá, a Amália [Rodrigues]. As capas dos discos da Amália, por si só, aquilo também tem arte. A fotografia, o rosto, a década, o lettering, o contraste de cores, tudo isto. Mas há outro pormenor que é assim: infelizmente,
RR p4 de 7 aos 14M51S- com este mundo da música e do registo e da comunicação, mas falemos da música, que é uma área onde trabalhei e ainda trabalho, perdeu-se muita coisa. Eu, como fiz muita formação, e sabia das carências que tinha e dos problemas quando chegava um registo feito por outrem em
RR p4 de 7 aos 15M13S- Portugal ou, noutro lado, fora de Portugal, eu gostava de saber o que era, onde foi gravado, em que gravador, com que normas europeias ou americanas, a duração, como é que terminava, se era mono, se era estéreo. Portanto, como que um bilhete de identidade obrigatório para quê: para a
RR p4 de 7 aos 15M36S- memória futura. Já havia regras e eu tive de aprender e preencher uma ficha técnica que vai no interior de uma bobine… o lema das caixas das bobines era de Camões: “Cantando espalharei por toda a parte / Se a tanto me ajudar o engenho e a arte”. “Espalharei por toda a parte” envolvia
RR p4 de 7 aos 16M3S- o brasão que ainda hoje está na bandeira. Mas, lá dentro, cantava-se por vezes muita coisa, mas não se sabia o que era. Tinha de se ir ouvir. RR: E eu assisti e inventei, inventei não,
RR p4 de 7 aos 16M27S- evitei que se cometessem crimes. Vou dar um exemplo: eu disse há bocadinho que, por falta de registos sonoros, houve que gravar muitas coisas. Orquestra Aldrabófona, mas depois transmitiu-se em direto espectáculos a partir do Estoril, peças de teatro previamente gravadas,
RR p4 de 7 aos 16M46S- mas faltava pouca música, e os primeiros discos gravados foram diretamente em discos. O Alberto Nunes e os técnicos da altura, e o produtor Agora à pressa posso não me lembrar de alguns, gravavam diretamente em disco. Mas esse disco tinha uma duração diferente porque era acetato, virgem. Ao fim de meia dúzia, dúzia de vezes… O contacto da leitura de um disco é como
RR p4 de 7 aos 17M10S- um arado a lavrar a terra. Mas, o arado na terra é mesmo para levantar a terra, revirá-la, arejá-la, para depois ser cultivada, semeada. A agulha que lê um disco tem de ter o peso recomendado pelo fabricante da agulha, tem que estar devidamente equilibrada para não ler mais nem menos o canal
RR p4 de 7 aos 17M37S- esquerdo ou direito porque senão gasta-se, e se estiver a reproduzir constantemente, constantemente, e o peso não estiver regulado, não está a ler, está a lavrar. E ao lavrar, está a retirar o vinil de que é feito esse disco. Portanto, há perda, deterioração de qualidade.
RR p4 de 7 aos 17M56S- As fitas onde se gravavam os programas de teatro, política, atividades culturais, animação… Bobines que levavam à velocidade mais pequena uma hora, 19cm por segundo, 7.5 polegadas – o dobro dava só meia hora, 15 polegadas, 38cm por segundo, meia hora -, é uma bobine assim deste tamanho. Meia
RR p4 de 7 aos 18M28S- hora passa num instante. Para termos uma hora… porquê: porque o registo de música difere do da palavra. A nossa voz tem um espectro dentro do espectro total do áudio muito mais limitado. Ao passo que a música vai dos 20 aos 20 mil Hz. Antigamente, dizia-se que tínhamos por margem
RR p4 de 7 aos 18M50S- o órgão dos 18 aos 18 mil. O órgão de tubos é o instrumento mais rico dentro dos instrumentos de toda a gama musical. Mas o que é que acontece: nós gravamos e o que é que pretendemos? Que essa identificação fique para sempre. E lá dentro tem que ter toda a identificação.
RR p4 de 7 aos 19M14S- E a assinatura do responsável. Porque uma das particularidades que eu vim a aprender é que o técnico que assinava o registo magnético ou a gravação, na gíria, era o responsável pelo seu conteúdo ad aeternum. Para sempre. Eu assinava Rui Remígio, era o nome pelo qual era conhecido,
RR p4 de 7 aos 19M39S- se estivesse de acordo. Colava uma ficha técnica, dizia tecnicamente normal, ou seja, a fita era considerada capaz de ser transmitida e depois ser arquivada ou ir para os nossos arquivos e por aí fora. Mas essa bobine, se tivesse um conteúdo temporário, de um acontecimento que na semana
RR p4 de 7 aos 20M1S- seguinte – um relato de futebol ou uma atividade, um festival qualquer que não voltava a acontecer, mas que também não tinha grande impacto -, podia ser regravada. O facto de os gravadores terem três cabeças: a primeira – para colocar as partículas do óxido de forma aleatória, para apagar -, a
RR p4 de 7 aos 20M21S- segunda – para gravar não só o áudio, mas impregnar com uma alta frequência inaudível; quando o áudio começa a ser gravado em fio de aço e em fita de aço, no princípio dos princípios, verifica-se que o processo de gravação não é linear. Como não é linear, o que lá entra
RR p4 de 7 aos 20M49S- não é aquilo que sai. Portanto, logo, era para termos separação da distorção, melhor relação sinal-ruído, é adicionada uma alta frequência não-audível, quatro a dez vezes superior à mais alta frequência que queremos ouvir (entre os 80 e os 200 mil Hz); tem o papel de quase portadora,
RR p4 de 7 aos 21M10S- uma frequência que quase não ouvimos, mas que caracteriza as frequências da Rádio Comercial, da Renascença, da Emissora Nacional, Antena 1, Antena 2. Nós não ouvimos essa frequência, mas ela está lá, chamada portadora. Aqui, ao mesmo tempo que gravamos o som, o áudio, estamos a impregnar
RR p4 de 7 aos 21M24S- para se dar o melhor registo de frequências audíveis juntas na cabeça de gravação. Porque a cabeça de apagar só serve para apagar e a cabeça de reprodução só reproduz o áudio. Só a cabeça de gravação grava uma alta frequência mais o áudio. Eu aprendi, dizia eu há bocadinho, que quando uma
RR p4 de 7 aos 21M52S- fita magnética já foi gravada, foi transmitida, pode aparecer nas nossas mãos passados uns dias com uma outra etiqueta que diz “Apagado”. Ou seja, o seu conteúdo pode ser apagado. Eis senão quando, porque vive-se um período quente a seguir ao 25 de abril, eu olho para uma bobine e vejo que vem
RR p4 de 7 aos 22M21S- para ser reutilizada e tinha um discurso do então Presidente da República, Marechal Costa Gomes. E, desculpe o termo, eu fui aos arames. Um discurso daquela altura e de um Presidente da República não pode ser apagado. Falhou de alguma maneira, não digo que fosse intencional,
RR p4 de 7 aos 22M41S- não vou pôr intencionalidade nas coisas e quando fui ouvir tive de alertar logo a chefia para transmitir, para que o procedimento que estava a ser feito tivesse em conta a leitura de identificação da fita. Ou seja, daí para frente, fomos detetar outras. Mas aconteceram coisas que me doeram muito, que ainda hoje me doem, e algumas são irreparáveis.
RR p4 de 7 aos 23M5S- RR: Na sequência desta minha formação, fui convidado também a começar também a gravar teatro. E conheci, trabalhei com grandes atores, Ruy de Carvalho, Eunice Muñoz, Álvaro Benamor, todos passavam por lá. E outros tantos que já partiram, e muitos. E eu era um jovem de 20 e
RR p4 de 7 aos 23M27S- poucos anos, não tinha 30 anos. Primeiro olhava assim um bocadinho de nada, era novinho. A Maria Leonor tinha um comportamento quando via uma cara nova do lado de lá do vidro, saía de lá de dentro e dizia “Estás a olhar para onde?”. Isto é factual. Eu disse há bocadinho que ela, a mim, não me fez isso, mas veio mais tarde convidar-me para integrar – aquando do lançamento do filme, em Portugal, Um Homem e Uma Mulher… FSS: De Claude Lelouch.
RR p4 de 7 aos 24M2S- RR: Exato. E há um drama grande nesse filme, uma marca de lãs quer lançar um cachecol igual ou semelhante ao que aparece no filme, do personagem principal. E a Maria Leonor precisava de alguém parecido. E vai junto do comum amigo, e é alguém que tu conheceste,
RR p4 de 7 aos 24M24S- Filipa, que estava a almoçar no mesmo dia, no dia em que nos conhecemos, na Baixa de Lisboa, e o Carlos Fernandes – esse sim sonoplasta -, muito amigo, já mais antigo, da Maria Leonor. “Pensei em alguém assim e assim, e tal”. “Conheço. Fulano assim assim veio de Angola há pouco tempo”.
RR p4 de 7 aos 24M52S- “Queres apresentar-mo?”. Ela convidou-me, fui ao lançamento do filme – com o cabelo liso que tinha fizeram com o Babyliss ou que era uns caracóis -, e eu fui com uma menina parecida também e bem maquilhada como a personagem… FSS: Anouk Aimée.
RR p4 de 7 aos 25M9S- RR: Exato. Foi assim que eu fiz as pazes para sempre. Daí para frente…. Fiz o papel principal graças à Maria Leonor. Daí para a frente, de vez em quando, ela convidava-me para um lançamento de peles, de camisas, de calças, e por aí fora, aqui em Lisboa, no Porto, por aí fora. Lá ia eu sempre rodeado de muitas meninas que eram modelos italianas.
RR p4 de 7 aos 25M39S- FSS: A Maria Leonor tinha um programa de moda na RTP. RR: Sim, sim, no tempo da Ana Maria Lucas que foi Miss Portugal. Era curioso. Havia uma Fiorella, é assim que ela se chamava, tinha uma modelo italiana, o namorado ia buscá-la de helicóptero aos fins de semana. Era um período assim…
RR p4 de 7 aos 26M2S- FS: Gente fina. RR: Mas a propósito da minha relação com a Maria Leonor. Com os atores de teatro. Mais tarde aqui no meu estúdio gravei um disco de poesia com a Eunice Muñoz, o Victor de Sousa, Ruy de Carvalho, sei lá… Fiz de médico, tive o privilégio, com o Armando Cortez e com o Canto e Castro,
RR p4 de 7 aos 26M28S- uma novela, Vidas de Sal. Foi muito curioso porque eu conhecia-os tanto da Emissora Nacional, como daqui do estúdio aqui em Campo de Ourique, e éramos amigos porque o pessoal ligado ao teatro e às artes é sempre de uma amabilidade, de uma ternura.
Era sempre “Meus queridos”, “Então, minha querida”. Uma relação muito afável. A importância da pele, do abraço, do sorriso
RR p4 de 7 aos 26M56S- aberto, olhos nos olhos. Só pessoas ligadas à comunicação e à expressão. Muito curioso porque, quando eu vou ensaiar o papel pequeníssimo – faço de médico, bata branca, óculos na pontinha do nariz que eu usava na altura -, convidaram-me e pagaram-me. E ficou gravado ad aeternum.
RR p4 de 7 aos 27M19S- FS: Tem esses registos ou perdeu-os? RR: Creio que sim, que tenho. E então, há bem pouco tempo, a RTP Memória foi buscar. Mas também se não conseguir, arranja-se. E o que é engraçado é que vou ter de combinar com eles um local de ensaio. E eu conhecia-os,
RR p4 de 7 aos 27M42S- mais geralmente dos teatros. O Armando Cortez, fundador da Casa do Artista, inclusivamente. Da qual também sou sócio, felizmente. E o Canto e Castro, com aquela voz, um homem muito cinéfilo, fez montes de teatro e por aí fora. Mas também de uma cortesia. Chego com eles, já levava o meu papel decorado. E quando os cumprimento – um grande abraço, uma festa -, “Anda, menino, vem lá
RR p4 de 7 aos 28M8S- connosco”, colocam-me no meio e começam a simular a cena que tenho com eles. Um sente-se mal, o amigo leva-o ao hospital e eu sou o médico. E, de repente, eles estão a dizer a primeira fala e a darem-me a deixa. “Então, Rui, como é que é?”. Ou seja, para eles tudo era representação de teatro, com a maior das naturalidades. E eu, qual imberbe, que nunca tinha feito um papelinho de teatro, não é, ali. Ao fim de quê, dez minutos, para baixo e para cima.
RR p4 de 7 aos 28M44S- FSS: Quando voltamos atrás, um estudante em 2018 tem na academia quem lhe ensine as técnicas, tudo isso. Tu tiveste de chegar lá por ti, a experimentar.
RR p4 de 7 aos 28M57S- RR: A experimentar e a aprender. FSS: A aprender o som.
RR p4 de 7 aos 29M0S- RR: A ver fazer. FSS: E a explorar e a descobrir.
RR p4 de 7 aos 29M5S- RR: E a descobrir, sim, claro. A pergunta “Quem é que coloca os microfones?”. Uma pergunta que há pouco fizeste. Essa também é uma das características que tem de se ensinar, tem de se praticar, porque há sempre alguns curiosos ou espertos ou que gostam de misturar tudo ou sabichões que dizem “Esse microfone é esse?” ou “Eu gosto dele um bocadinho mais afastado”
RR p4 de 7 aos 29M39S- ou “Que microfone é que me vai pôr?”. Ou seja, isto veio a ensinar-me a importância do diálogo, da comunicação entre o técnico e o músico. Têm que se respeitar e o técnico, ainda hoje, é o que eu faço, a linguagem utilizada por um técnico tem de ser uma linguagem de um músico quando designa ou fala de um microfone, a linguagem tem de ser técnica e científica.
RR p4 de 7 aos 30M5S- FSS: Os artistas, os músicos, perguntam “Porquê este microfone?”, “É este o microfone certo?”.
RR p4 de 7 aos 30M9S- RR: Alguns sim. Lá está, alguns faziam-no por brincadeira. Mas há outros quase a querer dizer “Olhe que eu quero um microfone tal à distância tal”. Para esses, é preciso dizer “Eu não toco o seu instrumento, eu toco só em microfones. Posso especificar-lhe as características técnicas
RR p4 de 7 aos 30M33S- do microfone. O diagrama polar, a sensibilidade, a distância a que devo pôr, caracterizo até o seu instrumento: funciona assim, os Fs por onde sai o som do violino ou do violoncelo têm esta característica; se for um trompete ou uma flauta tem uma característica diferente”. Dizia eu há
RR p4 de 7 aos 30M54S- pouco, a captação, por si só, é uma arte. Envolve conhecimento ergonómico do instrumento, a projeção sonora e a transmissão do som a partir das rarefações do ar e da variação de pressão acústica, a distância a que deve ser captada,
RR p4 de 7 aos 31M9S- a sensibilidade do microfone, se é só aquele instrumento ou está englobado noutros no naipe e se é para um espetáculo ao vivo, se é em estúdio, por aí fora. Se ele é solista ou vai apenas fazer acompanhamento para fora. Portanto, uma das regras que se deve ter em conta é: que linguagem eu devo utilizar para com um leigo – digo “Olha, deixa isso comigo” – e então vou fazer uma afirmação que é uma constatação da minha experiência. Ouviste falar no Jorge Peixinho.
RR p4 de 7 aos 31M48S- FSS: Claro. RR: Fernando Lopes Graça. Trabalhei com todos. Pedro Osório. Todos. Todos os grandes mestres. Krasmann, sei lá. E alguns menos conhecidos. Até os mais modernos. Mas sempre gostei de trabalhar com os exigentes.
RR p4 de 7 aos 32M11S- FSS: O Peixinho imagino que fosse muito exigente. RR: O exigente sabe ao que vem. E diz “Deposito em ti a responsabilidade”. Tens a responsabilidade. O técnico pergunta “O que vamos fazer?”. “Isto, isto e isto”. “Quem é que vem? Quem é que fala?”. “Estão estes, hão de vir os outros,
RR p4 de 7 aos 32M29S- por aí fora”. Já sabes os objetivos dele e, depois, tu vais satisfazer o que ele pretende. Os medíocres é que fogem deles. Sabem de tudo, opinam sobre tudo, põem-se em bicos dos pés e nunca chegam a lado nenhum. Que é “Já gravei noutro lado, isto não está bem”. “Espera aí
RR p4 de 7 aos 32M58S- um bocadinho, vamos lá ver o que não está bem”. E depois admiravam-se se um técnico soubesse dizer “Era bom que afinasse a sua viola”.
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