Rui Remígio – Parte 2 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.


RR p2 de 7 aos 0M5S- FSS: Como é que te lembraste de bater à porta da Emissora Nacional?
RR p2 de 7 aos 0M10S- RR: Porque, como eu disse há pouco, na TAP não consegui. Duas vezes deu mal. Não me facilitaram a entrada para a zona de computadores, queriam que fosse para as máquinas de calcular. E uma funcionária, que veio a ser colega mais tarde, a Helena Isabel, trabalhava como operadora
RR p2 de 7 aos 0M31S- lá no Quelhas, que era minha conhecida e amiga dos tempos de viseu. Ela tinha uma prima que tinha sido minha colega e morava na Morais Soares. Numa casualidade do encontro, disse “Ó Rui, há vagas para operadores na Emissora Nacional” e eu fui à Emissora Nacional.
RR p2 de 7 aos 0M52S- FSS: Qual foi a sensação de chegar àquela porta, ao nº 2 daquele mosteiro, daquele convento e depois… RR: Beneditino.
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RR p2 de 7 aos 1M12S- FSS: Exatamente. Chegaste lá e depois? RR: Tinha a receção, funcionários,. Na altura, ainda tinha funcionários, em 1971, fardados. Telefonista à esquerda, a escadaria para cima para o hall de entrada e à direita também havia outra sala… não me recordo o que era. Havia umas escadas. FSS: De madeira.
RR p2 de 7 aos 1M31S- RR: Não, não. Em pedra que davam para a parte de operações, a central mais tarde. E é por aí que eu entro para ir ao gabinete do engenheiro Artur Silva, que era de origem indiana, uma tez morena. Nunca ninguém o viu sorrir, mas era de um grau de exigência elevadíssimo.
RR p2 de 7 aos 1M54S- FSS: Ele era diretor técnico. RR: Diretor de exploração, exato.
RR p2 de 7 aos 2M0S- FSS: Área operacional técnica era direção de exploração.
RR p2 de 7 aos 2M4S- RR: Exato. E depois a direção de programas e a direção técnica que tinha a ver com outras coisas. Eu anuncio “Venho para uma entrevista marcada” porque recebi em casa… Ah, há aqui um pormenor! Durante dois meses trabalhei na receção do Casino Estoril. Foram dois meses maravilhosos. Porque quem não podia entrar para o salão de jogos eram os funcionários públicos e menores de 18 anos ou
RR p2 de 7 aos 2M33S- 21, já não sei. Portanto, ficavam por ali. Foram umas vivências maravilhosas. E eu recebo então uma carta a dizer “Senhor Remígio queira-se apresentar na Rua do Quelhas, nº2, para uma entrevista”.
RR p2 de 7 aos 2M45S- FSS: Tinhas sido proposto pela tua amiga? RR: Não, não. Eu tinha ido…
RR p2 de 7 aos 2M54S- FS: Autoproposta. RR: Eu soube da notícia, candidatei-me, fui pessoalmente, preenchi o requisito. Ou seja, eu ia candidatar-me ao lugar de operador auxiliar do artigo 14º ou 15º. Que era o mesmo, por exemplo, que desempenhou o Arlindo Carvalho que foi meu colega e operador tal como eu.
RR p2 de 7 aos 3M19S- FSS: Que veio a ser Ministro da Saúde. RR: Ministro da Saúde, tal e qual.
RR p2 de 7 aos 3M42S- FSS: Presidente da RDP. RR: Exato. E fomos amigos, naquela altura, porque desempenhávamos as mesmas funções. Ele continuava a estudar. E então a pergunta que me fizeste, Francisco. O Quelhas é um princípio burocrático. Apresento-me, aguardo nuns bancos enormes de
RR p2 de 7 aos 3M42S- madeira que havia ali à direita. Passado um bocadinho, veio a Celestinha – chamada assim por uma questão simples, tinha o nome da minha mãe e, portanto, ficou a adorar-me ficou a partir dessa altura.Era residente aqui em Campo de Ourique. “Queira-me acompanhar”. E no caminho ela faz a
RR p2 de 7 aos 4M6S- pergunta “Como é que o senhor conseguiu?” e eu disse “Não vou dizer como consegui”. Não ia denunciar a minha amiga Helena Isabel, não é? “Mas, olhe, eu já fiz a guerra em África. Estou vivo. Não matei preto nenhum”. A expressão é mesmo essa. “Tinha lá família,
RR p2 de 7 aos 4M29S- vim-me embora, quero trabalhar, é isto que eu gosto”. Acompanhou-me ao gabinete, convidou-me a sentar. “Então, diga-me, a sua…”. O que é que me ajudou: três anos de experiência como
RR p2 de 7 aos 4M42S- mestre de oficina de trabalhos manuais. FSS: Tinhas a mão dos trabalhos
RR p2 de 7 aos 4M47S- manuais. Nunca tinhas trabalhado com som…? RR: Jamais. Tinha brincado às caixinhas com o fio
RR p2 de 7 aos 4M59S- encerado, uma latinha de conserva vazia na quinta onde vivia em Viseu e onde fui super feliz como todos os jovens da minha idade.. FSS: Então como foi a conversa com o Artur Silva para entrar? RR: Foi muito simples. Ele perguntou: “Então,
RR p2 de 7 aos 5M15S- porque é que veio?” e eu “Venho porque é uma área que me seduz”. Porque eu já ouvia os programas da Madalena Patacho desde miúdo. Os primeiros programas para a juventude. *canta o indicativo* O indicativo começava mais ou menos assim, não me lembro ao pormenor. Tinha um rádio em casa e, para
RR p2 de 7 aos 5M39S- mim, era o mundo. Porque ouvia-se as emissões. Ouvíamos, nem todas as casas tinham rádio. Em minha casa, tínhamos, em Viseu. E o rádio permitia os desafios de futebol, permitia chegadas da volta, das etapas da volta a Portugal. Os desafios de hóquei em patins, na altura… já sabia a equipa toda de cor e salteado. E os acontecimentos e as coisas que o meu pai adorava ouvir e comentava,
RR p2 de 7 aos 6M9S- na altura, como por exemplo José Augusto com a Varanda da Europa. Era uma crónica que ele fazia.
RR p2 de 7 aos 6M19S- FSS: Correspondente em Paris. RR: Varanda da Europa. E, portanto, o meu pai ouvia a crónica, desligava. “O papagaio falou”. Pronto, mas era isto. Depois, o mundo chegava. Ainda não havia televisão. O mundo chegava a casa através da rádio. Eu, no período que medeia entre o último ano – só dava aulas durante nove meses e não recebia nos
RR p2 de 7 aos 6M51S- outros três meses, julho, agosto e setembro. As aulas começavam em outubro. Mais tarde tive de pagar estes três meses, vezes três anos, para fazer essa contagem. Comecei muito novo a descontar para a função pública. FS: Resultado dessa experiência enquanto
RR p2 de 7 aos 7M12S- professor em Santarém. RR: O tempo de tropa também contou.
RR p2 de 7 aos 7M14S- FS: De 1964 a 1967… ainda foi uma experiência de três anos enquanto professor.
RR p2 de 7 aos 7M23S- RR: Mas como eu estive em zona de guerra, os anos que estive em Angola contaram a dobrar. Não era só para mim. Angola, Moçambique, chamada zona de guerra, por aí fora. O Artur Silva,
RR p2 de 7 aos 7M37S- o engenheiro Artur Silva… “Gosto muito de rádio porque em minha casa aprendi a ouvir o mundo através da rádio e, para mim, a imagem que eu tenho…” e contei-lhe este pormenor que é a curiosidade: dentro de uma caixinha Philips que havia em minha casa, tão pequenina, qual seria o
RR p2 de 7 aos 7M58S- tamanho das personagens do teatro que lá viviam? Na minha infância, não é, por aí fora. E eram os programas que transmitiam em Inglês e em Francês, que dava para as pessoas aprenderem se quisessem e por aí fora. Mais tarde, veio a fazer a televisão com a chamada Universidade Aberta.
RR p2 de 7 aos 8M19S- FSS: Aldório Gomes, precisamente. RR: Exato. Não. Não. Foi o Rocha Trindade, a Universidade Aberta. Morador aqui em Campo de Ourique, também já faleceu. E então… Porque Campo de Ourique é o melhor bairro do mundo. FS: Já percebemos. Propaganda.
RR p2 de 7 aos 8M37S- RR: Não, não é propaganda. É uma constatação. Se nós não gostarmos daquilo que somos, de onde vivemos e respiramos, não vale a pena. FSS: Quanto tempo durou essa conversa com o engenheiro Artur Silva? RR: Pouco tempo, uns dez minutos. FSS: E ficaste logo contratado? RR: Não. Ele disse-me “Então apresente-se na próxima semana, segunda-feira, apresente-se na central”.
RR p2 de 7 aos 9M4S- FSS: Na central técnica. RR: Sim. Apresentei-me ao chefe Dias, João Dias, que ainda hoje toda a gente é amigo. Era um elemento de referência. Era um elemento técnico de referência. E apresentei-me. Como qualquer iniciado numa profissão nova onde nunca trabalhou, é tudo novo. Primeiro, é a curiosidade de passar a ver ídolos. Aqueles que eu ouvia em minha casa. Maria Leonor, Pedro Moutinho, Galiano Pinheiro… FSS: Como eram eles com os técnicos?
RR p2 de 7 aos 9M43S- RR: Sempre muito cordiais e bem-humorados. Porque nós, os técnicos, estávamos para lá do vidro, e garantíamos a continuidade sem erros, sem falhas daquilo que se passava lá dentro. Porque a ficha de programas era descrita ao minuto. O sinal horário, noticiário, publicidade, um
RR p2 de 7 aos 10M13S- programa com RM – a abreviatura de registo magnético – era um programa pré-gravado que tinha normalmente uma abertura, um fecho e caracterizado com o título, um subtítulo e que tinha uma ficha técnica dentro da caixa da bobine. Essa ficha técnica dizia o nome do
RR p2 de 7 aos 10M31S- programa, a velocidade a que estava registado, se o padrão inglês ou americano… o tempo e se terminava em fade-in ou fade-out. Em fade-out ou abruptamente. Tinha a deixa. E, portanto, os técnicos escreviam três pontinhos. A deixa podia ser “Até à próxima semana” ou então
RR p2 de 7 aos 11M5S- “Acaba em música. Fade-out”. Tínhamos o tempo. FSS: Queremos saber como é que aprendeste a lidar com as máquinas, com a fita. Já que falaste nas lendas da rádio, há a ideia de que os tipos dos programas e dos noticiários – não havia jornalistas na altura, eram locutores e assistentes literários -, viviam num outro mundo. A técnica… havia um
RR p2 de 7 aos 11M40S- muro entre vocês. Um muro mental entre vocês. RR: Havia a direção de programas, os técnicos… não havia barreiras praticamente. Porquê? Porque trabalhávamos em conjunto. Não digo barreiras, mas eram mundos à parte. Eram os jornalistas ou leitores dos noticiários. Para mim, também falei há bocadinho, mas o Armando Correia e o Fernando Correia, o Fernando Garcia,
RR p2 de 7 aos 12M20S- o Nuno Brás e, mais tarde, o Artur Agostinho… e então, eu lembro-me que tinha conhecido, num espetáculo antigo de teatro, em Viseu, da FNAT [Federação Nacional Para a Alegria no Trabalho], organizado pela Emissora Nacional. O meu pai teve direito a bilhetes como militar que era, e levou a família. E eu lembro-me perfeitamente de ver o Fernando Correia na apresentação do espetáculo de
RR p2 de 7 aos 12M51S- smoking. Quem eram os artistas famosos na altura? Na minha infância, portanto… Dez, doze anos. Perfeitamente… A Maria Clara… outros artistas. FSS: Simone e Madalena Iglesias são mais tarde. RR: A Madalena é muito mais tarde. Tive o prazer de a ter a trabalhar mais tarde no meu estúdio, em Campo de Ourique. FSS: Voltando atrás.
RR p2 de 7 aos 13M24S- Portanto, com os animadores havia uma certa relação. Com os leitores dos noticiários… RR: Só tínhamos o convívio… eles entravam por uma porta, fechavam a porta, ficavam lá dentro, ligavam o microfone… FSS: Cada um do seu lado do aquário. RR: Exato. Na parte da cabine técnica ficava o técnico. Na cabine de locução ficava o
RR p2 de 7 aos 13M48S- noticiarista. Muitos deles só liam as notícias feitas por outros. E havia a chamada voz de marca. Ler um noticiário, por exemplo, o Pedro Moutinho, o Fernando Correia, o Armando Correia, a Maria Leonor ou até o Galiano Pereiro, entre outros. O Carlos Proença. Todas aquelas vozes. O ritmo, a leitura, a pausa, o silêncio… FSS: Vozes de ouro da rádio.
RR p2 de 7 aos 14M24S- RR: Era assim. O tempo veio demonstrar que aquilo era demasiado senhoril. Aquilo era uma imagem de marca, mas as rádios todas… A BBC e lá em Espanha ou em França a RTF [Radiodiffusion-Télévision Française] … A maior parte dos técnicos aqui em Portugal foram estagiar em Paris ou em Londres ou, mais tarde, na Deutsche Welle, na Alemanha. Hoje, é uma das
RR p2 de 7 aos 14M52S- coisas que a mim me espanta e… As grandes estações de televisão inglesas, americanas, o cabelo branco não conta, não é a idade que retira as pessoas do ecrã. Quanto mais do microfone, onde não se vê a imagem. Portanto, a credibilidade dura anos e anos e anos. O Fernando Pessa durou até praticamente ao período… A Maria Leonor durou até ao seu final em que esteve doente. Portanto,
RR p2 de 7 aos 15M24S- a credibilidade é uma coisa que não tem idade. FSS: Como era a relação de pessoas como Maria Leonor com os operadores? RR: Cinco estrelas. Porquê? Porque a Maria Leonor era muito exigente. A todos, ela… comigo não o fez, mas avisaram-me. Eu chego ali, primeiro, sentava-me ao lado a estagiar, a ver o que era uma fita, um RM, o que tinha dentro, o que era uma folha de programas… E, depois, há um bicho grande à frente: as válvulas,
RR p2 de 7 aos 16M13S- que tinham uns potenciómetros que funcionavam de forma linear e outros por pontos. E, portanto, eu aprendo a medir as unidades de volume que nos dava a leitura. Aprendíamos a leitura das intensidades de volume do registo magnético ou de todas as fontes sonoras que chegavam à mesa de mistura. Fosse o microfone, fosse o gira-discos manuseado pelo locutor… era assim que se chamava, nesta altura não havia realizadores.
RR p2 de 7 aos 16M43S- FSS: O operador técnico é que levantava o cursor para abrir os microfones. Quem estava dentro do estúdio não mexia em nada. RR: Só abria o microfone. Mas quem controlava o volume com um cursor linear preto… consoante ativava, podia só abrir um bocadinho, abria a luz logo. Até acima, tinha de levar o cursor até ao topo. Mas o chamado efeito de proximidade
RR p2 de 7 aos 17M8S- do microfone tem a ver com aproximação ou afastamento. Mas, depois, o volume para ter o equilíbrio havia duas regras: a modulação da voz – o pico máximo médio vai aos 100{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} – e a música modula-se, em média, aos 80{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374}. Isto era regra básica, elementar, credível, porque vinha das chefias. Vinha dos chefes que nos ensinavam, dos colegas mais experientes. Assim se fazia.
RR p2 de 7 aos 17M40S- FSS: Quanto tempo foi o tempo de aprendizagem? RR: Ah, curto. Um mês aproximadamente. Porque depois era preciso… FSS: Nessa aprendizagem já mexias na mesa? FS: Quem foi o mestre? RR: Foram vários porque o apoio à emissão não tinha mais do que duas ou três horas. Havia rendição e mudava-se o apoio. O canal
RR p2 de 7 aos 18M5S- 1, a Emissora Nacional e a Antena 2. FSS: Na altura era RDP 1 e Emissora… RR: Não, não. Emissora Nacional. RDP é mais tarde, depois da nacionalização. Portanto, eu aprendi em pouco tempo, mas, como qualquer pessoa, tenho uma grande responsabilidade? Porquê: porque uma coisa é a emissão. Microfones, gira-discos… tem alguém que os manuseia, que os liga, que os desliga,
RR p2 de 7 aos 18M33S- que troca pratos e anuncia o que vai fazer. Mas depois anuncia, de um momento para o outro “Vamos agora ouvir serão para trabalhadores” ou uma peça para trabalhadores, um teatro de comédia, uma conferência de imprensa ou, por exemplo, um programa gravado ou a transmissão do Presidente do Conselho de Ministros. Na altura, Salazar arrancava com duas bobines em paralelo com atraso
RR p2 de 7 aos 19M1S- de dois segundos. Podia ser cinco, não me lembro com rigor. Para quê: no caso de haver uma falha, disparava a outra. Estavam ambas em andamento, mas, se houvesse uma falha, permitia a entrada na mesa do som com ligeiro atraso. Para compensar a pausa. O que é que aconteceu… FSS: Foste ao São Bento para gravar o então Presidente do Conselho?
RR p2 de 7 aos 19M28S- RR: Não, não. Só fui uma vez a São Bento porque integrei, logo a seguir ao 25 de abril, a primeira comissão pró-sindical e fomos recebidos pelo então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, em pleno Palácio de São Bento. Porque enquanto funcionários públicos da Emissora Nacional não podíamos ser sindicalizados. Mais tarde, viemos a lutar por isso. E não tive essa incumbência de
RR p2 de 7 aos 19M56S- registo em São Bento porque eu não trabalhava no exterior. Eu trabalhava na central, logo no princípio. Mais tarde, quando saio do Quelhas e vou para São Marçal, a meu pedido – ao fim de um ano, ano e meio. FSS: Vamos lá focar no Quelhas. Portanto, no Quelhas, quando passaste aquele mês de aprendizagem, passaste a fazer assistência a programas. RR: Tal e qual.
RR p2 de 7 aos 20M23S- FSS: O que é que fazias? O que era esse trabalho de assistência? RR: Era o responsável por tudo aquilo que ia para o ar. FSS: Tomar conta do programa. RR: Tal e qual. Como em qualquer situação, é caso para dizer que as pernas tremiam…
RR p2 de 7 aos 20M42S- FSS: Correu sempre tudo bem? RR: Tudo muito bem. FSS: A tua exigência é lendária. RR: Eu aprendi com os melhores funcionários da altura. A Emissora Nacional formou até os sonoplastas e os técnicos que, mais tarde, vêm a abrir a Rádio Televisão Portuguesa. Vêm a abrir e chefiaram as estações. FSS: Todas. RR: Todas. Mas só para te dizer o que eu fazia.
RR p2 de 7 aos 21M9S- O problema não era a emissão normal: era se por acaso calhasse um domingo com todos os campos de futebol a entrarem na central através do sistema chamado estrela. Ou seja, todas as entradas… FSS: As cavilhas. RR: Exato. Várias entradas, as comutações vindas do emissor nacional do Norte, do Porto, Açores, Madeira, Coimbra e Faro. … uma
RR p2 de 7 aos 21M35S- tarde de futebol era o topo dos topos. FSS: Era um jogo de mãos. RR: Era preciso saber. É quando eu venho a descobrir que havia colegas que usavam – para estabelecer circuitos, por exemplo, “Ó Remígio, faça aí uma ligação. Passe esse telefonema”. Tocava o telefone magnético. “Estou aqui a mandar uma crónica”. E eu perguntava só ao chefe “Para onde eu posso…?” e ele “Mande para a cabine 9, mas para o estúdio”. Várias
RR p2 de 7 aos 22M8S- designações dos locais onde se podia gravar. E depois era preciso dizer a alguém da gravação, era outro serviço independente, para ir gravar. Levava uma bobine debaixo do braço e dizia “Está, central? Estou pronto” e então dizia ao telefone “Fale lá um bocadinho para ensaiar”. Para ver se a linha por onde chegava o sinal tinha dinâmica suficiente,
RR p2 de 7 aos 22M32S- estava limpa para fora. Na altura, passávamos a chamada lá para cima, para a cabine onde o programa era gravado. E, às vezes, passávamos também o telefone porque era preciso combinar pormenores mais longos. Isto era simples. FSS: Essa é uma fase ainda muito técnica. O que te dá a ideia do “Mágico Rui Remígio” é quando começas a mexer na fita. A trabalhar o som. RR: Isso acontece mais tarde. O que é que me leva a manifestar vontade, desejo mesmo – e
RR p2 de 7 aos 23M14S- conseguido – de sair da Rua do Quelhas e ir para São Marçal onde se faziam os programas. Onde se gravava o teatro, os programas pré-gravados, onde se emitia por onde curta… para todo o mundo. FSS: Ali ao pé da Assembleia da República. RR: Tal e qual. FSS: Era a retaguarda da rádio. RR: Era o centro de apoio. Foi inaugurado
RR p2 de 7 aos 23M37S- em 1957 aquando da visita da Rainha Isabel a Portugal. Portanto, tudo aquilo foi preparado… FSS: Numa antiga garagem. Lembro-me de que havia um parque. RR: Tal e qual. E agora é uma zona de estacionamento automóvel porque o espaço assim o permitia. Portanto, havia o grande estúdio para teatro…
RR p2 de 7 aos 23M57S- FSS: Talvez o maior estúdio de rádio. RR: Era o maior. Depois do Estúdio A. FSS: O Quelhas 2. RR: Porque a Emissora Nacional chegou a ter clássica, ligeira e tinha o coro feminino da Emissora Nacional. Portanto, o Estúdio A levava, quando estava cheio… havia emissões constantemente. De facto,
RR p2 de 7 aos 24M26S- o Estúdio A era o grande estúdio que havia. FSS: Trabalhaste com tudo isso. RR: Não, porque nunca fui trabalhar para a música. Fui convidado para ir para a música por um chefe da altura… a ver se lembro o nome dele…, mas eu recebi dois convites. Primeiro, foi do Alberto Nunes, para ir trabalhar para o estúdio dele aqui em Campo de Ourique. Essa
RR p2 de 7 aos 24M53S- tal palmada que recebi nas costas “Menino, sei que tens jeito para isto, queres vir trabalhar comigo”. “Aonde?”. “Em Campo de Ourique”. “Eu vivo em Campo de Ourique”. E fui. FS: Isso quanto tempo depois de estar na Emissora Nacional? RR: Três anos e meio, mais ou menos. Em 1973. Porque quando acontece o 25
RR p2 de 7 aos 25M17S- de abril, eu estava em São Marçal, já, e trabalhava aqui em Campo de Ourique. FS: Acumulava as duas. RR: Sim, acumulava. Porquê: porque saía às duas horas e vinha entrar às três aqui no estúdio, em Campo de Ourique. Onde vim assistir, no primeiro dia, à gravação da música para o filme do Eusébio com o Vum Vum [ator angolano]. Começar a mexer na fita: porque quando eu vou para São Marçal, eu só fazia apoio à emissão.
RR p2 de 7 aos 25M47S- FSS: Abrias vias. RR: Abria vias que viessem da central, dos exteriores, da cabine de locução, por aí fora. FSS: Uma espécie de maestro. RR: Toda a operação que eu tinha era passiva. FSS: Não fazias gravação. RR: Exato. Quando vou fazer a primeira gravação, colocam-me a trabalhar ao lado do técnico
RR p2 de 7 aos 26M12S- e meu grande amigo António Silva Alves, que era um fulano austero, rigoroso. Na cabine 9, onde os jornalistas deixavam os papéis, ele chegava e dizia asneiras. Mas era uma joia de homem, que vive no Algarve, na zona de Santa Catarina. Foi a primeira pessoa que me pôs a gravar num Ampex 300, no estúdio 2, que era ao fundo do local onde estávamos. “Remígio, está ali o microfone de
RR p2 de 7 aos 26M56S- fita”. O locutor tinha uma manete que rodava quase 120º graus, acendia-se uma luz vermelha – ainda hoje, qualquer sistema de gravação tem o verde para o play e o vermelho para o record – e sabíamos que o microfone estava ligado. FSS: Esses gravadores Ampex eram uma mesa, na prática. RR: Eram gravador de chapa,
RR p2 de 7 aos 27M26S- grande, quadrangular, pesadíssimo. Quando era preciso mudá-lo de posição, eram precisas duas pessoas. Se tu fizesses sozinho ou eu sozinho, às vezes… era quase tão pesado como um piano. FSS: Normalmente instalado numa mesa específica. RR: Havia dois gravadores, normalmente. Mas havia Ampex mais modernos. O Ampex 300 era do formato de um frigorífico,… Ou seja, as bobines debitadora,
RR p2 de 7 aos 27M59S- a bobine recetora, e a passagem da fita, três cabeças – uma que apaga, outra que apaga, outra que reproduz -, as guias, os extensores, tudo aquilo. Para quê: para que a fita passe na zona de registo. Nesta altura, comecei a gravar em mono e o registo em mono é todo feito à largura da
RR p2 de 7 aos 28M20S- banda, ou seja, largura da fita. O sinal gravado nesta parte da fita é igual ao meio e ao fundo. Portanto, ainda não há separação de canais, não há estereofonia. Não havia em São Marçal, nesta altura. Só mais tarde, eu estava lá quando se criaram as cabines para estereofonia. Havia uma
RR p2 de 7 aos 28M37S- no Quelhas que só abria a partir das 21h. FSS: Os ouvintes da noite tinham direito à estereofonia. RR: Tal e qual. Porque havia a Antena 2, em onda média, não é? Mais tarde, passa a transmitir em FM. Portanto, a largura de banda, dizia eu. Ampex 300, mas havia leitores. O que são leitores: são reprodutores de fita
RR p2 de 7 aos 29M3S- que apenas têm uma cabeça para reproduzir aquilo que já está previamente gravado. E, portanto, não têm as três cabeças como o gravador. Portanto, a fita é reproduzida para as montagens. gravávamos por exemplo os programas semanais de atividade política que decorreu naquela semana. Havia uma
RR p2 de 7 aos 29M23S- abertura de cabeça previamente personalizada para esse programa. Depois, podia entrar um separador musical reproduzido a partir de gira-discos. Entre a tal parte que vais querer ouvir, que é a sonoplastia, a plástica do som e por aí fora… que tinha o senhor que foi, mais tarde, o grande Jorge Alves, foi ele que criou todo aquele serviço em São Marçal e que, mais tarde, vai fazer
RR p2 de 7 aos 29M52S- trabalho e apresentação na RTP. Durante anos e anos. Os programas sobre música eram do Jorge Alves. Portanto, o gira-discos eram outra fonte sonora, como os reprodutores de banda magnética que todas elas como fontes sonoras se juntavam no gravador. O gravador gravava tudo aquilo que para lá enviássemos, que era, entretanto, controlado a partir do equilíbrio das várias fontes
RR p2 de 7 aos 30M21S- sonoras. A partir de uma mesa chamada cossolete. E entravam os microfones, os exteriores, os gira-discos, os leitores… tudo isso misturado, saía em mono num potenciómetro geral final. FS: Quem é que coordenava essas operações? RR: O operador neste caso seria eu. Foi aí que eu aprendi. O locutor tinha de ter uma postura perante o microfone, que devia ser sempre a mesma. Portanto, cada vez que se aproximava, tínhamos de…
RR p2 de 7 aos 30M53S- FSS: Tu corrigias o locutor? RR: Não digo corrigir, eu ajudava. Porquê: a membrana do microfone é das coisas mais sensíveis, corresponde, digamos, ao tímpano no nosso ouvido. Quando somos agredidos por intensidade sonora, superior a 120 decibéis, protegemos os ouvidos. Nas placas dos aeroportos ou na fórmula 1, os protetores auriculares não são
RR p2 de 7 aos 31M28S- para ouvir nada, mas sim para proteger os ouvidos. Quero com isto dizer: primeiro gravei com o Melodium mas, depois, com AKG, Sennheiser… todos eles com a sua função, a sua dinâmica. Isto só para dizer que não corrigia, ajudava. FSS: Mais longe, mais perto…
RR p2 de 7 aos 32M0S- RR: Principalmente pessoas que eram convidadas e não tinham noção do que era uma cabine. De um lado, estava o locutor ou realizador em diálogo com o seu convidado. Por exemplo, alguns nunca tinham estado numa cabine. O locutor ou realizador dizia “Venha um bocadinho mais cá” e eu tinha de
RR p2 de 7 aos 32M17S- fazer sempre um ensaio prévio antes de gravar. E há uma sinalética, que ainda hoje se mantém, que é de afastamento e de proximidade. O ok, o mais ou menos… no teatro, e mesmo à parte do teatro, em que os atores e o técnico e o sonoplasta têm uma linguagem gestual, chamada sinalética, que permite afastar, aproximar, cortar, sei lá… Essa sinalética existia e estava nos estúdios para nós
RR p2 de 7 aos 32M49S- aprendermos e pormos em prática. Mais tarde, dá-se a relação com o sonoplasta. Quem era o sonoplasta: era alguém que aparecia com uns discos debaixo do braço, previamente selecionados. Tinha no seu local de trabalho gira-discos para ouvir porque era preciso ouvir as faixas, escolher uma música e todos os programas… não era só fazer fade-in e fade-out, subir ou baixar. A plástica de um programa tinha a ver com a escolha das músicas. FSS: Quando é que
RR p2 de 7 aos 33M27S- o conceito de sonoplasta é introduzido? RR: É introduzido muito cedo. Logo porque, a Emissora Nacional, é das primeiras estações a nível da Europa com melhor equipamento. Porquê: devido à duplicidade da política do governo. Não entrámos na guerra, estamos em 1945. Com os alemães e com os americanos, aparecem as MT, os primeiros gravadores em fita e microfones
RR p2 de 7 aos 34M2S- que vêm da Alemanha. Mas as Ampex vêm dos EUA. E a constatação pode ser feita hoje por quem visita o Museu da Rádio. As Ampex que lá estão, as 01 e 02, as primeiríssimas, e as 300. E ver os microfones também que lá estão. Portanto, em 1936, é quando abre a Emissora Nacional, oficialmente. Ou seja, nessa altura, como hoje em dia já se verifica, na disputa no final da guerra, os técnicos são disputados, tanto como pelos soviéticos como pelos americanos. Em todas as tecnologias,
RR p2 de 7 aos 34M44S- em qualquer situação, é assim. Mas também são as guerras que ajudam. Se na guerra de 1914-18, os franceses a partir de Paris, utilizam a Torre Eiffel para transporte de sinal, de divulgação
RR p2 de 7 aos 34M59S- do sinal, os alemães dominam uma tecnologia: mantêm-na secreta e, quando invadem, já vêm com auscultadores e comunicação em rádio frequência entre eles. Tudo aquilo que tinha servido entre
RR p2 de 7 aos 35M17S- 1914-18, em 1939-45 não serviu de nada. O efeito da surpresa, da força militar e das comunicações. Depois, mais tarde os ingleses conseguem entrar. Decifragem sobre isso, ainda há muitas coisas
RR p2 de 7 aos 35M31S- para descobrir sobre isso. Como se consegue decifrar a comunicação que eles fazem. Isto a propósito de como se descobre a sonoplastia: há um princípio, quando as rádios começam, na década de
RR p2 de 7 aos 35M47S- 30, tanto em privado como… o Grupo Renascença, a Emissora Nacional… não há suportes para garantir. Porque a Emissora Nacional fechava à meia-noite. FSS: Com o hino nacional.
RR p2 de 7 aos 36M5S- RR: Exato. Abria às seis da manhã com o hino nacional. E, portanto, como não há suportes para garantir tantas horas de emissão, o que é que acontece: é necessário
RR p2 de 7 aos 36M20S- gravar. Quais são os sistemas de gravação: fio de aço – porque as primeiras gravações, do Edison, em 1887 permitem gravações com uma duração muito pequena. Evoluem a partir do rolo de cera,
RR p2 de 7 aos 36M44S- já com uma cobertura a ouro, também não dá, também não tem muita duração. Em 1877, assim é que é, o primeiro registo foi do Mary Had a Little Lamb [primeira gravação da voz humana,
RR p2 de 7 aos 37M3S- por Thomas Edison, em 1877] – a Maria tem um cordeirinho branco e todos os animais necessitam da mãe presente. Dizia eu, quando em 1936 e nos anos imediatos,
RR p2 de 7 aos 37M20S- é preciso ter horas de emissão, foi criado inclusivamente… E eu digo isto porque, como fiz muita formação, e antes de começar a fazer formação eu precisava de ter a evolução
RR p2 de 7 aos 37M35S- das décadas de registos sonoros. Foi criada a chamada Orquestra Aldrabófona. Não era mais nem menos uma que aproveitava obras de Mozart, por exemplo, de Beethoven, e criava nomes humilhantes,
RR p2 de 7 aos 37M58S- parodiados depois com instrumentos como um humorados para se preencherem os programas como O Zequinha e Lélé [folhetim radiofónico
RR p2 de 7 aos 38M17S- integrado no programa Os Companheiros da Alegria, apresentado por Igrejas Caeiro e Irene Velez], com o João Villaret [era com Vasco Santana]?. FSS: O Zequinha era o João Villaret?
RR p2 de 7 aos 38M25S- RR: Pois.Os programas gravados, na altura, eram em fio de aço. Quando acontece a grande feira, em 1940, do império português [Exposição do Mundo Português].
RR p2 de 7 aos 38M45S- FSS: Lá em baixo, junto ao Tejo. RR: Zona de Belém. Um técnico, Armando Leça, que fez a grande recolha folclórica, e grava em fio de aço.
RR p2 de 7 aos 39M6S- Para essa época, essa altura. O fio de aço tem alguns problemas,. Mas, apesar de tudo, permite o registo que se mantém. Assim como as primeiras gravações, as primeiras fitas em óxido de ferro,
RR p2 de 7 aos 39M16S- têm aquela cor acastanhada do óxido… essas fitas duram décadas e décadas e décadas sem absorção de humidade, sem perda de qualidade, sem perda de percentagem de nada. Cinco anos, dez anos,
RR p2 de 7 aos 39M33S- vinte anos, trinta anos depois a qualidade estava lá. As fitas e os equipamentos evoluem de tal maneira que, na década de 80, a ganância e o lucro permitiu que alguém trocasse um I por um J
RR p2 de 7 aos 39M49S- e o código de barras trazia fitas falsificadas que gravavam bem, reproduziam bem, mas absorviam muito bem a humidade. E, ao fim de x tempo, o óxido soltava-se e ficava nas guias, nas cabeças e
RR p2 de 7 aos 40M5S- por aí fora. E o gravador parava. Eu digo isto porque fui fazer muita formação aos Açores e à Madeira e o grau de humidade…
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