Maria Emília Brederode Rodrigues dos Santos entrevistada por Ricardo Nogueira e Maria Inácia Rezola – Registado por Claúdia Figueiredo em Lisboa 17 de Junho de 2017
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— E aí eu encontrei o Ricardo.
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— É assim, então é assim que chega à Rua Sésamo.
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— Exatamente.
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— Exatamente. Com um percurso grande, não é, é muito interessante justificar esse convite.
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— Eu acho que havia, houve dois fatores fundamentais: um era eu saber bem inglês e outro era era era das poucas pessoas da educação que tinha trabalhado com televisão, portanto, embora eu não soubesse muito de televisão como o Ricardo sabe. Mas apesar de tudo tinha essa preocupação, digamos, saber que o que aparece na imagem que é importante, que não é o som… e talvez também a experiência da publicidade, não tinha pensado nisso, mas quando me falou nisso achei que se calhar também teria contado para o Fernando Lopes sim. Porque justamente a rua Sésamo quando apareceu nos Estados Unidos foi muito inspirada pela publicidade, não é, Joan Ganz Cooney conta isso. Começou a reparar que os meninos pequeninos, de 3 a 5 anos, foi a população que ela tinha em mente, que aprendiam imenso com os anúncios, decoravam aquilo tudo com a melhor, com uma enorme facilidade, não é. E portanto ela disse mas se isto é assim, por que que não vamos utilizar para um fim mais útil.E foi assim que ela começou a elaborar o projeto do Sesame Street.
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— Todo o projeto, este projeto da Rua Sésamo, apesar de ter a sua origem, de ser um formato que já existia, não é, foi completamente inovador em Portugal. E completamente adaptado às realidades portuguesas. Pode nos falar um bocadinho dessa experiência?
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— Sim. Ele foi inovador em vários sentidos e um deles muito importante é que foi financeiramente inovador, quer dizer, tanto nos Estados Unidos como cá foi, é um projeto muito caro, mas foi muito essa ideia de que valia a pena investir num num projeto muito caro para chegar a uma população que estava um pouco educativamente abandonada. Nos Estados Unidos na altura não havia prá… pronto, havia muito pouco pré-escolar. E em Portugal também. Quer dizer, antes do 25 de abril nem nem nem 1{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} tenho a impressão. Havia alguns colégios particulares, claro está, e creches e tal, mas não havia jardins-de-infância propriamente ditos. Ou muito poucos, claro que havia alguns, mas havia muito poucos. E sobretudo não havia públicos. Portanto era uma popul… e correspondeu a uma época em que a psicologia mostrava a importância das aprendizagens, agora já se fala dos zero de dois anos, não é, mas naquela altura os 3 aos 5 anos era considerada uma uma fase extremamente importante para as aprendizagens antes das aprendizagens escolares propriamente ditas. Tinha havido um grande desenvolvimento da psicologia e do trabalho com as crianças dessas idades. E portanto pareceu que era um projeto em que valia a pena investir, que que embora fosse muito caro, que teria compensações educativas e sociais importantes. Depois era, foi inovador na maneira, no formato, não é, porque justamente como era inspirado na publicidade, era era constituído por segmentos muito curtos, na altura considerados muito rápidos, hoje se…, eu quando cheguei aos Estados Unidos pedi para ver os primeiros Sesame Street e eram lentíssimos, não eram Ricardo? Parecia-nos lentíssimos. Naquela altura em que apareceram lá eram rapidíssimos. Os nossos também cá pareceram um bocadinho rápidos. Depois era o facto de haver form… de de utilizarem meios diferentes, não é, de era constituído por quatro tipos de, quatro tipos de formatos, era o o, em geral chamamos formato magazine, mas depois dentro do formato magazine havia a animação, havia live action, que o Ricardo foi o maravilhoso realizador, havia o estúdio e havia… o que é que me falta? Eram quatro. Live action, estúdio, animação… Ricardo? Esta agora é para parar. O que é que me falta?
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— Pois é…
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— Ah, os muppets. Os muppets.
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— Eram os muppets. O mais óbvio.
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— Exatamente. Exatamente. Porque não eram feitos cá, não é. Os muppets eram portanto, eram maravilhosos, que eram do Jim Henson, esses eram traduzidos, não eram feitos cá, o estúdio era todo feito cá, o a animação metade cá metade lá, e os live actions, que é os “documentariozinhos”, metade cá metade lá. Mas a Maria Inácia estava a me perguntar sobre como é que foi a adaptação e a adequação à população portuguesa, e a verdade é que o… pra já pensou-se que não seria só para a população portuguesa, que seria para a população portuguesa e para a população imigrante, que na altura, como se sabe, havia muita gente que vinha da África, e também pensou-se que se podia utilizar em África nos países lusófonos, não só em África, nos países de língua oficial portuguesa. Portanto eram três destinatários. Depois fez-se vários seminários prévios, com pessoas da educação ou afins, não é, tanto de cá como da África, não sei se vieram também de Macau, isso já não me lembro. Sim, pelo menos da segunda série sim, claramente, mas na primeira não me lembro se vieram, não, foi só da África. E nesses seminários o que se tentou identificar foi o quê que eles precisavam, o que que as crianças, e através das crianças também os pais, o quê que precisavam mais de saber, não é, pronto. A priori decidimos que a língua portuguesa seria uma grande aposta, não é, que seria… e e pedimos até a Raquel Delgado Martins uma uma consulta e assim e um apoio. Mas depois foi a identificação dessas problemáticas, isso, é engraçado ver nos vários países como é que era, desde a parte da higiene, não é, dos dentes e não sei o quê, lavar os dentes, até a da alimentação, até as relações, às questões de género, os países africanos levantavam muito essas… mulheres, porque eram mulheres que vinham quase sempre, levantavam muito essa questão de que os maridos e os pais das crianças ajudavam muito pouco e que era preciso educar os miúdos desde pequenos a a fazerem alguma coisa em casa. Havia assim muita… foi interessante fazer isso, de fazer as várias, as necessidades conforme os vários países, e os vários grupos sociais. Mas o grande investimento de facto foi da questão da língua, que era também a mais complicada porque, claro, que não se podia adaptar do inglês, não é, houve lá algumas animações só do da escrita das letras, por exemplo, que se podia, mas de resto não, não é. E confesso que fiquei muito contente porque anos mais tarde soube que a Helena Cidade Moura, falava no método de aprendizagem da leitura da Rua Sésamo e que tinha sido o primeiro método audiovisual português. E isso eu senti muito consolada. Para mim foi um grande investimento de facto, pronto, trabalhei muito nisso e e também com a pedir muita ajuda à Raquel, estava sempre a tirar dúvidas com ela e com outras pessoas que trabalhavam na aprendizagem da leitura, foi muito interessante, da leitura e da escrita. O Sérgio Niza também participou nos seminários, lembra-se? E outras pessoas do MEM, Movimento da Escola Moderna. Mais coisas? Não sei se respondi à pergunta? Já? E depois o método de trabalho seguia de facto um bocadinho o da publicidade, não é, quais eram os destinatários, o quê que a gente queria ensinar, que meios é que ia utilizar, aqui os meios já estavam definidos a priori, que era a televisão, mas apesar de tudo também houve a revista, não é, o quê que era mais adequado a uma coisa, o quê que era mais adequado a outra, depois as personagens, o quê que cada personagem representava, o quê que… em relação com os objetivos pedagógicos, não é, toda essa reflexão de uma ponta à outra, de procurar uma certa coerência que existiu na Rua Sésamo e existiu porque o modelo era esse, mas também porque as pessoas envolvidas estavam… eu pessoalmente, eu era pela experiência que tinha tido na publicidade. Eu achei graça porque quando a Maria Inácia me disse que o Ricardo ia falar na questão da Rua Sésamo, eu disse mas o quê que tem uma coisa a ver com a , e depois pus-me a pensar e acho que realmente obviamente que tinha muito a ver, claro.
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— Quer falar-nos sobre a definição desses desses objetivos, como é que se chega a esses esses objetivos pedagógicos?
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— Era de várias maneiras. Primeiro, em Portugal já havia gente, não me lembro se na altura, acho que ainda não havia as orientações curriculares própria para escolar, mas havia gente que já pensava nisso e que já estava a trabalhar sobre isso, portanto, lembro-me por exemplo da Teresa Vasconcelos, de ter conversado com ela, que depois veio a ser diretora-geral do básico, de ter conversado muito com ela sobre isso. Depois havia os próprios objetivos americanos, não é, que tinham muito, que também já estavam, portanto, era uma questão também de ler e pensar o quê que já é, o quê que é adequado o quê que não é, o quê que se pode aproveitar o quê que não se pode. E depois desses seminários que foram feitos com as pessoas nos vários países e também quanto ao quê que eram as necessidades, da do, as prioridades que aquelas pessoas davam mais atenção. Acho que… são assim as três vias principais. Depois fomos fazendo também inquéritos, num num, tava prevista sempre avaliação, não é, e portanto também a avaliação era uma avaliação contínua, formativa, à medida que o programa ia sendo feito nós íamos testando, essa é uma parte interessante também, que foi muito inovadora. Por exemplo, se tínhamos dúvidas se os miúdos iam perceber qualquer coisa, íamos a um, eu tinha uma equipa de psicólogas e íamos a um jardim-de-infância, pedíamos para passar, e depois conversávamos com os miúdos para perceber o quê que eles tinham percebido o quê que não tinham, dávamos esse feedback ao realizador, aos realizadores e ao, e ao ao e aos escritores, e depois no final, percebe, esta é a parte que eu acho mais interessante da avaliação, mas no final também havia uma uma avaliação pra ver o que é que os miúdos de facto tinham aprendido. E daí também no fundo se tiravam informações para os objetivos do ano seguinte, não é. Portanto, havia assim também um constante alimentar…
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— processo de alimentação, não é?
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— Exatamente.
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— Dos feedbacks que iam recolhendo.
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— A Rua Sésamo, depois o Jardim da Celeste, Alhos e Bugalhos, Poemas Pintados, foram entre que anos é que nós estamos a falar? Estamos a falar…
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— Eu fui para a RTP em 1987 e saí em 97, portanto são dez anos, não é. A Rua Sésamo foi no primei… no princípio de 87 a.. não sei, 92, 93…
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— Foram quatro séries.
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— Foram quatro séries. 92 a 93, penso eu. E depois fizemos outra, como aliás era habitual nestas coproduções com a CTW, era depois o país coprodutor fazer a sua própria produção. E fiz, e então fiz… esse aí até me senti mais autora porque a ideia foi minha, foi o Jardim da Celeste, que era em três meios diferentes, meio urbano, meio rural meio piscatório, e era só com bonecos, e tinha um cão que a gente queria que fosse um cão d’água e em homenagem à Teresa Paixão que se chamasse Seneca, mas não sei qual e quem foi que não quis porque achou que ninguém sabia o que era Seneca, e chamou-lhe Sócrates [risos]. E de cão d’água tinha pouco, e depois, pronto. É, e depois, também há outra história muito engraçada com o Jardim da Celeste, nós a certa altura estávamos a fazer as características das persona…, inventar as personagens, não é, e eu a certa altura olhei para aquilo e disse isto está completamente estereotipados, os meninos são todos vivos, dinâmicos e não sei o quê, as meninas são todas sossegadas, isto não pode ser. E então como é que a gente vai dar cabo do estereótipo, bom, começamos por pensar vamos trocar, as meninas é que ficam com as características dos rapazes e os rapazes… pois era horrível, claro. E então o que fizemos foi tirar a sorte, pusemos as características em papelinhos, pusemos os nomes deles em papelinhos, depois fomos juntando assim. Há muitas histórias destas que eu acho interessantes, como o estereótipo que está na cabeça influencia, nos influencia sem nos darmos conta. Outra que eu acho um exemplo fantástico foi quando pedi ao cenógrafo para ir conosco visitar jardins-de-infância que me pareciam estarem organizados fisicamente, de uma maneira interessante, antes dele fazer o cenário. E ele foi, foi muito colaborante e depois quando nos trouxe o cenário era uma sala de aula. Fantástico não é? E depois, pronto, depois lá conversamos, não era a nada disto. Então o quê que a gente viu, eram os cantinhos, era não sei o quê, era a casinha, pronto, e aí ele deu-se conta, mas é preciso desconstruir para realmente dar cabo do do estereótipo que se tem na cabeça. É o quê que era mais? Ah, Jardim da Celeste. Outra coisa que eu achei engraçado no Jardim da Celeste foi o Mário Castrin, que escreveu uma crítica em que disse… gostou muito, ele gostou muito do Jardim da Celeste, ele disse que ali que me via mais do que na Rua Sésamo, ele achava que na Rua Sésamo eu tinha seguido aquele molde que era um bocadinho compartimentado, enquanto no Jardim da Celeste que era uma coisa mais fluida, mais… com menos fronteiras, não é, entre as coisas. E eu percebo muito bem o que ele quer dizer, mas a verdade é que depois a gente tão fluido, tão fluido, às vezes acaba por perder o foco, enquanto na Rua Sésamo não há dúvida nenhuma que aquilo tinha um foco e cada coisa cumpria os objetivos e enquanto que no Jardim da Celeste também acontecia, mas era uma aprendizagem mais redonda e mais…. a preocupação era mais pôr os miúdos a pensar do que propriamente vão aprender isto e isto e isto. Os Alhos e Bugalhos era uma coisa com a língua, era uma brincadeira com a língua, era para aprender expressões idiomáticas. Não era só, era para aprender o português. Cada cada programa correspondia a uma… havia tinha saído um curso de português com o apoio europeu, eu agora não consigo me lembrar quem era o autor, que era numa abordagem comunicativa e funcionalista, que era cada… e portanto tentei adaptar cada programa correspondia a uma função da língua, não é, como agradecer, ou pedir desculpa, ou cumprimentar, ou não sei o quê. E por outro lado tinha essa parte engraçada que era das expressões idiomáticas e a ideia, aquilo depois não não resultou muito, era que houvesse expressões idiomática e por cada expressão idiomática aparecia um balão a mostrar o sentido literal, que tornava as coisas cómicas, não é. Sei lá, estás aí no meio da sala porquê? E aí parecia uma coisa no meio da sala, um traço a mostrar o que era o meio da sala, ou, pronto. E e os textos eram da Luísa Ducla Soares, e eram muito engraçados, mas depois havia uma abundância, a Luísa é muito expansiva, havia uma abundância de de de expressões idiomáticas que depois o realizador não não conseguia acompanhar e pôr aquilo tudo aí em balão, não é. Portanto, sendo um programa que eu acho que era muito engraçado e com o qual se aprendia bastante, era preciso ver muitas vezes para conseguir de facto aprender. Os Poemas Pintados foi um que eu adorei fazer, também foi uma experiência foi escolher alguns poemas para crianças, mas de adultos, não é, e depois em colaboração com a Adriana Arial Calvet, que é uma professora muito extraordinária de de educação visual, por miúd… e que tinha uma escola, chamada Árvore, em que se dava muita importância às artes, e sobretudo às artes visuais e então ela pôs os miúdos a fazerem as ilustrações, quer dizer, eles aprenderam como é que se fazia um desenho animado, fizeram as ilustrações e depois a Teresa Paixão dizia ah, mas eu quero isto uma coisa, a Teresa já era na altura a diretora dos infantis, ah, mas isto tem que ser uma coisa profissional, então o ju… a agência, agência de animação, uma empresa, pegou nos desenhos das crianças e fez animação profissional. Portanto eu acho que ficaram muito bonitas e que ainda hoje são são… é um programa, era pequenino, 3, 5 minutos cada, ainda hoje sou muito, ainda hoje se podem ver, são muito muito bonitos e muito bem feitos. Infelizmente parece que a associação portuguesa de autores leva pouco dinheiro para os repetir, que acaba por não os passar outra vez.
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— Tava só a pensar que o modelo Rua Sésamo sobretudo, não é, depende e sobrevive e é exportável em função de uma de uma certa ideia de universalidade do do de valor, não é, mas nem sempre corresponde, ou pode corresponder à verdade. Sentiu esse constrangimento? Como é que lidou com essa ideia da universalidade de coisas que não são talvez universais e ao mesmo tempo de modelos de representação de um, do que é uma criança, do que é, não é, do que é uma criança portuguesa. Como é que lidou com esse…
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— Eu acho que tivemos sempre um bocado essa preocupação, não é, por causa sobretudo por causa dos miúdos, da colaboração com os países africanos de língua oficial portuguesa. Mas de facto, por outro lado, a minha formação é muito “piageciana”, não é, de Genebra. E a tendência para encarar, sobretudo quando se é mais pequenino, quer dizer, quanto mais pequena a criança, mais universal suas características, não é. E portanto apesar de tudo acho que era possível e não muito difícil encontrar pontos de de desenvolvimento, de necessidades, de problemas, de maneiras de ver, relativamente universais. Eu eu achei que sim. E fomos sempre também testando isso e… claro que era muito diferente ver o, até a maneira de de o contexto de televisionamento, lembro-me de uma cena linda em casa nós vemos a televisão, pronto, tá aqui, e a gente está a ver, e o miúdo está a ver com a família ou não, nós insistíamos muito que se visse com a família, porque estava provado, foi muitos estudos internacionais que a criança que via com o adulto que aprendia muito mais e melhor e percebia melhor e tal. Mas lembro-me de ver num contexto maravilhoso, que foi assim, o o acho que foi na segunda série, quando apareceu a gata Tita, não foi, quando fizemos a avaliação final começamos a ver que a gata Tita era, não era muito apreciada, não era em geral, era numa determinada, havia um determinado grupo onde a gata Tita não era nada apreciada. E nós fomos ver o que era aquilo e descobrimos que era de um bairro de africanos aqui ao pé de Alvalade, por trás… não lembro como é que se chamava já não deve existir não é. Mas era um bairro que… então nós fomos lá. E então? Entramos era mesmo como se entrasse, não sei se aquilo teria sido uma quinta, não sei, era como se se entrasse, começou, começava-se a ouvir música, uma espécie de um batuque. E íamos atrás da música, estava uma mesa posta para o lanche, e depois chegamos mais perto e era tudo de barro, não era verdadeiro. E depois andávamos à procura dos miúdos e tal e às 6 horas parece-me que era, começa a música da Rua Sésamo dentro de uma casinha pequenina, um televisor mínimo lá em cima, em cima de um armário, e começa a música o genérico da Rua Sésamo e zip, eram miúdos de todo o lado a chegar e a enfiarem-se lá para dentro. Sentaram-se todos uns em cima dos outros, eram mais 30 ou assim, e depois lembro-me dos miúdos, uma miúda pequenina em cima do, ao colo de uma pra aí dez anos, portanto era visto por idades muito mais… e a miúda repetia palavras e a miúda de dez anos corrigia-lhe a pronúncia . Portanto realmente era um vision… um contexto visionamento, aí já nem era as características dos miúdos, mas um contexto de visionamento, era tão diferente do que seria numa numa numa casa, enfim, da classe média ou assim. Isso achei extraordinário, foi aí que percebi que realmente para a aprendizagem do português, para as pessoas que estavam cá, que era muito muito importante para a escolarização quando elas chegassem. Tenho pena de nunca se ter feito também um estudo sobre os adultos, o quê é que os adultos aprenderam, não é. Lembro-me de uma crítica na altura, uma crítica de um crítico que dizia que tinha ouvido uma conversa na rua que eram os pais com ar muito … assim … e tal com uma criança e que diziam, não sei o quê, já comeste, não sei o quê, ia e a criança dizia mas tenho que lavar os dentes, e eles, ah, ele tem que lavar os dentes. Felizmente foi na Rua Sésamo, felizmente que a Rua Sésamo poe essa gente a aprender que tem que lavar os dentes. Mas isso tenho pena que não se tenha visto nos adultos, causas e efeitos e nessa, na questão da relação com os miúdos. Eu acho que pelo menos as pessoas perceberam, de uma maneira geral, que os miúdos nessa idade aprendem imenso, não é. E que é uma idade muito muito importante.
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— Pois, e por conta pronto a isso, não é, que mesmo quando supostamente a programação não tem uma agenda certa, ela não deixa de o ter não é. E que é possível que o tenha de forma… não é, de forma assertiva.
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— Pois, pois, pois.
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— Do que as animações toda a programação televisiva propõe um conjunto de representações apenas não são expressas em objetivos, não é,
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— Exatamente. O Ricardo estava a levantar a questão dos valores de facto, nós tínhamos um bocadinho essa essa preocupação, porque a Rua Sésamo era assim, há um objetivo e e o prosseguimento tem que seguir esse objetivo, não é. Mas depois através de, através das personagens há outros valores que são passados, não é, e portanto nós tínhamos que estar com muita atenção pra ver se as outras características do segmento não contrariavam os nossos objetivos explícitos e implícitos às vezes também.
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— O esterótipo está sempre pronto a aparecer, quando menos se espera, não é, lá está.
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— Exatamente, xx(??)
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— Ninguém pôs aquilo ali de propósito, pois não, mas está lá.
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— Pois, exatamente. Eu não sei se se podemos fechar esta esta fase Rua Sésamo, desse desempenho na Rua Sésamo do que que gostava menos de de fazer?
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— Ah, eu acho que gostava de tudo.
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— Tudo?
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— Sim. Nunca tive a parte maçadora não é, de ser a parte mais burocrática, assim, isso não era comigo, o pobre do Manuel Petrônio que era o produtor é que tinha que tratar dessas coisas, não é. Eu não, não… Ah, sim, houve imensos conflitos, claro, Ricardo [risos], com escritores houve assim um bocado de conflitos e tal. Mas pronto, também se resolveu, mal ou bem acabou por se resolver. Não não não sei o que é que poderia dizer sobre isso, quer dizer, era que era um programa declaradamente, explicitamente, expressamente educativo, Tinha, seguia aqueles objetivos, aqueles objetivos tinham sido apesar de tudo definidos com bastante cuidado e tal, e depois os escritores eram muito criativos e portanto queriam fazer como eles queriam e às vezes eu tinha que ser muito maçadora, pronto, tinha que dizer não, não, não pode ser e tal. Então eles tentaram de todas as maneiras possíveis e imaginárias para que não fosse assim, mas foi.