José Manuel Inácio – Parte 3 de 15

José Manuel Inácio à conversa com Maria Margarida Colaço Mendes Gaspar e registada por Paulo Barbosa em 2-12-2017 no museu da Rádio voz de Alenquer no âmbito do projecto AMOPC.

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—Sentiu-se materialmente compensado pelo investimento e o esforço desenvolvidos na esfera do trabalho, isto já a nível geral de todas as profissões que teve?
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—Não porque eu fiz sempre, eu nunca recebi nada desta rádio. Trabalhei sempre gratuitamente para a rádio Por isso eu digo, tudo aquilo que eu dei à rádio, a rádio deu-me mais a mim e até porque não houve hipótese da rádio me poder pagar. Tudo aquilo que eu dei foi por amor à rádio. E porque é que eu comecei a gostar da rádio? Eu comecei a gostar da rádio nos anos 50, salvo erro.
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—Houve um senhor aqui em Alenquer que fez muito pela comunicação social em Alenquer que foi o senhor Renato Leitão Lourenço. Que foi ele que manteve o jornal Nova Verdade atual que é nossa propriedade neste momento. Ele nos anos 50, salvo erro, lembrou-se de montar uma rádio em Alenquer. Naquela altura era perigosíssimo montar uma rádio, mas ele montou aqui na Liga dos Amigos. E montou uma rádio, só que aquela rádio mais ninguém podia ouvir outras emissoras porque aquilo tinha um espalhamento tão grande que cobria todo o espectro radiofónico. Claro que passado uns dias apareceu cá o Instituto da Comunicação Social para fechar a rádio, e fechou.
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—Eu era pequenote mas comecei aí a gostar de rádio, comecei a estar, a ir para junto dele ali para o jornal também ajudar, a levar os jornais ao correio, e comecei a gostar da comunicação social. Depois mais tarde nos anos 80 talvez assim em princípio dos anos 70 e 80 havia em portugal os radiosamadores, que ainda hoje há e havia também os rádios CB’s. Os CB’s eram uns rádios que funcionavam a baixo da frequência dos 89 mas que tiveram uma importância muito grande no país, porque, e estou convencido se ainda hoje houvesse se calhar a tragédia que existiu agora nos incêndios se calhar teríamos conseguido fazer alguma coisa que não foi feita. Porque, qual era a nossa missão? Para além de nós falarmos uns com os outros e acompanhar os nossos motoristas que iam para a Europa tínhamos um canal que era o canal nove que era um canal de emergência.
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—Quando havia qualquer coisa havia uma chamada geral e nós tentávamos ajudar por exemplo nas cheia do Ribatejo, populações que estavam isoladas mas que havia lá um CB nós conseguíamos alertar os bombeiros, portanto daí é que nasce mais o meu gosto pela rádio e quando no ano de 85 quando na Feira da Ascensão resolvemos montar um lá stand que era o Núcleo CB e Rádioamador de Alenquer que realmente foi um êxito.
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—Para além das comunicações que fizemos para todo o Mundo, na altura era primeira ministra em Inglaterra a Margareth, ela, havia uma greve dos mineiros e nós através do morse conseguimos mandar uma mensagem para ela a dizer estávamos quem eramos o que estávamos a fazer e que lhe pediamos para que a greve não fosse, fosse levantada e que chegasse um consenso e não há nenhuma que ela respondeu, ou ela ou alguém da parte dela respondeu-nos. Isso para nós foi um incentivo muito grande, porque chegamos à conclusão que a gente podia fazer mais do que não só aquilo. E daí começou-se a fazer em determinados canais, deixar de fazer, mandar mensagens mas a transmitir música. Claro que o Instituto de Comunicação Social veio logo atrás de nós para apreender os emissores, etc. Mas em Abrantes, um indivíduo chamado Casimiro que infelizmente já morreu, ele e um grupo de Abrantes começaram por montar uma rádio mesmo. Foi a primeira rádio pirata em Portugal, foi a Rádio Clube de Abrantes.
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—Em que ano?
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—No ano 85, no princípio de 85. Ele montou a rádio, claro que teve que andar a fugir à frente dos fiscais do Instituto de comunicação social. Montavam antenas nas rádios com o emissor dentro dos carros e e tal é uma história realmente engraçada na medida em que eles esforçaram-se para que as rádios piratas começassem. A partir dali quase o pessoal todo que estava no CB começou a imitá-los.
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—E daí nós termos aqui, em Alenquer, no ano de 85 naquela Feira da Ascensão, quando chegámos ao fim da feira temos já uma comissão para fundar a Rádio Voz de Alenquer. E quando acabámos nomeou-se uma Comissão, na qual eu estava integrado e pedimos a admissibilidade do nome, nessa altura era a Associação Rádio Voz de Alenquer e começámos a emitir no dia 6 de janeiro de 1986. Foi a nossa primeira emissão e começámos a emitir pelas quatro horas e foi engraçado porque em nós sabia o que era fazer rádio. H—avia realmente um indivíduo que tinha noção e que era um técnico de rádio muito bom que era o Engenheiro Duarte João que era o homem que fez o estudo para a TVI a nível nacional do estudo de espectro. Portanto, foi ele que fez. Era o único que tinha alguns conhecimentos nos iam dizendo. No que é que nós nos baseámos para fazer a primeira emissão? Foi no filme da Menina da Rádio. Foi aí que nós fomos beber alguma coisa portanto, tu já ouviste a nossa primeira emissão e realmente hoje dá-nos vontade de rir quando olhamos para aquilo, a nossa primeira emissão. Mas foi como muita alegria e tivemos muitas chamadas logo. Nessa altura fazíamos, prendíamos a chamada com este aparelho que está aqui.
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—Isto era um aparelho que nós tínhamos, púnhamos aqui o telefone ligávamos aqui assim à mesa e depois aqui tínhamos um botão para cortar a chamada quando queríamos. E foi com este aparelho que nós atendíamos as chamadas telefónicas. Mesmo aquilo que nós fazíamos de exterior era sempre este o aparelho que servia para receber as chamadas que vinham de fora, para por os ouvintes depois no ar através das mesas. Como é que foram conseguidos todos esses materiais nos primeiros tempos? Nos primeiros tempos, em princípio nós fizemos uma quotização entre o grupo, e depois foi população do concelho de Alenquer que foi realmente formidável porque aderiu logo de princípio a ajudar a Rádio. Nós tínhamos alguns elementos que fizeram um género de peditório aqui na vila, entretanto as pessoas do concelho começaram também a mandar donativos porque, antes da rádio existir, Alenquer era a vila. O concelho estava afastado da vila e nós através da rádio conseguimos que o concelho, a população do concelho se agregasse à vila.
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—Antigamente eles vinham a Alenquer só para pagar as contribuições, e em Alenquer os para eles era “epah agente vai lá deixar o nosso dinheiro”. Através da rádio não, a rádio teve um papel preponderante para que as pessoas se unissem à sede do concelho e assim nós conseguimos fazer muita coisa, comprar muito material comprarmos uma torre que é a maior torre que está na serra de monejunto e equiparmos a rádio muito cedo com material profissional porque em determinada altura chegámos à conclusão que a rádio tinha que evoluir e tínhamos de caminhar Chegámos à conclusão que a rádio tinha que evoluir e temos que caminhar para um profissionalismo daí nós termos a preocupação que os nossos funcionários começassem por ter cursos de formação.
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—A APR, era a Associação Portuguesa de Rádiodifusão, fazia cursos de formação, o CENJOR fazia cursos de formação e nós mandávamos o nosso pessoal. A ARIC que é Associalção de Rádios de Inspiração Cristã, que hoje a Rádio Voz de Alenquer tem também a presidência também, também fazia cursos de vendas. Portanto mandávamos os nossos vendedores fazer os cursos porque entendemos que a carolice tinha e tinha de começar na profissionalização apesar que nós fossemos uma rádio pirosa e eu não tinha problema nenhum em que dissessem que a nossa rádio era pirosa, e porquê? Porque nós passávamos música portuguesa. 99,9 era música portuguesa mas nós tínhamos uma vantagem. É que para já quando precisavam de fazer um espetáculo para arranjar dinheiro tínhamos os artistas cá de borla e eles sabiam que nós passávamos a música deles. Por outro lado tínhamos a população connosco- O concelho de Alenquer, nessa altura ainda tinha um, as pessoas ainda tinham na ordem dos 40, 60 por cento das pessoas do concelho de Alenquer não sabiam ler nem escrever. Era muito. Não foi graças a nós, mas as pessoas também evoluíram por elas próprias. mas nós também contribuímos um bocadinho para isso. E as pessoas começaram a entender a rádio como se sejam deles e era engraçado como nós tínhamos que, às vezes um funcionário que se ia embora ou que nós queríamos mandar embora porque tinha havido qualquer problema, tínhamos dificuldade.
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—Porque as pessoas vinham aqui para a porta reclamar porque é que mandámos o funcionário embora? E eu lá tentava explicar às pessoas “olha, for por isto, por aquilo e por aqueloutro”. Uns entendiam, outros não, mas a verdade é que agente também tinha que às vezes melhorar. Isto quer dizer que, a Rádio em Alenquer foi feita praticamente, criado por seis pessoas, mas a população cedo aderiu para que rádio fosse uma realidade. Quem são essas seis pessoas? Essas seis pessoas, fui eu, portanto, foi o senhor Augusto Gonçalves, que infelizmente já faleceu. Foi o Duarte João, foi o Henrique Selerino, foi o José Paulo Garcez e o Mário Catarino. Fomos nós que formámos a rádio. O senhor Augusto Gonçalves era radioamador e o Duarte João também era radioamador e nós os outros eramos todos CB’s. Portanto foi daí que nasceu a Rádio Voz de Alenquer.
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—Pode clarificar o que quer dizer com CB? O que é que são os CB’s?
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—Os CB’s eram rádios que nós podíamos ter, nessa altura, não era preciso licença, nem era preciso registar, qualquer pessoa poderia ter. Nós comprávamos no mercado. E que depois ela trabalhava abaixo da freqüência dos 87, que mais tarde depois foi reduzida por causa das comunicações aéreas, e que nós aproveitávamos para fazer aquele trabalho que eu à um bocadinho referi. Portanto, para ajudar os camionistas. Serviu para nós na altura das cheias do Ribatejo estarmos em contacto com as pessoas isoladas e ajudá-las a resolver os problemas, quando havia acidentes, e contactávamos uns com os outros. Fazíamos contextos internacionais quer era, o contexto era conseguirmos que vários países do mundo aderissem a falar connosco, era isso que era o CB. Qual é que foi a papel do senhor que dá nome a este Museu, o senhor Manuel Severino dos Reis? O Manuel Severino foi um homem que cedo também, ele não tinha conhecimento nenhum de rádio, cedo aderiu à rádio. E quando ele aderiu à rádio, aos poucos, primeiro na direção depois começou a fazer… O Engenheiro Duarte João ensinou-lhe a trabalhar com a mesa de mistura porque naquela altura a mesa mistura de mistura é agora no sítio onde está a transmissão para a Internet. Estava ali, tínhamos o técnico cá fora, ele é que, praticamente era ele que mandava tudo aquilo que se passava lá dentro que ele quando queria cortava e há coisas engraçadas que se passaram com ele e foi um homem que deu muito esta casa. Porque, porque nós em determinada altura tínhamos aqui perto de 50 miúdos, e foi uma altura em Alenquer, apesar que nós tivéssemos um bocadinho afastados de Lisboa, mas já existia uma rede de droga muito grande.
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—E nós tivemos a preocupação de os trazer para aqui e hoje orgulhamo-nos de olhar para alguns deles e ver que eles são homens que nós conseguimos tirá-los e chegámos a ser perseguidos pelos vendedores que vinham aí, tanto eu como a doutora Ludovina Simões e os outros diretores mais nós que estávamos mais em contacto com eles, e foi muito bom porque alguns deles hoje tratam-se quase tanto a mim como à doutora Ludovina Simões como pais. Aliás já tivemos a honra de um deles num espetáculo da rádio, dizer que o pai dele que os pais dele era eu e a doutora Ludovina. Porque o pai não lhe dava, não lhe deu o apoio que nós damos.
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—Isso deve-se à rádio. E foi um momento muito bom, porque eles passaram aqui, eu cheguei a levá-los comigo para discoteca, ia com eles, porque era um papel que era preciso dar apoio e ao mesmo tempo eles também colaboravam aqui também trabalhavam e a rádio tem esta coisa é, quando consegue, a rádio consegue entusiasmar as pessoas num projeto quando as pessoas aderem. E foi muito bom nós termos aqui aqueles miúdos todos, alguns deles ainda cá estão neste momento temos aí dois na direcção, que foram miúdos que passaram cá, outros ainda estão aí a fazer programa, que realmente foi muito bom e isso, é isso nos paga, é isso que nos paga o trabalho que nós tivemos, porque quando nós olhamos para trás dizemos assim “mereceu a pena todo o esforço.
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—Eu tenho uma passagem com a minha mulher que ela dizia “pah, mas afinal como é que é, tu chegas a casa às duas três da manhã como é que é? Não pode ser, isto e mais não sei quê”. E um dia ela estava mesmo zangada comigo. E eu disse lhe a ela, não lhe disse nada, ela começou a mandar vir comigo e eu voltei-me para o lado, adormeci e comecei a ressonar. E ela ficou pior que barata comigo porque eu não lhe passei cartão nenhum àquilo que ela me estava a dizer. No outro dia, ela trabalhava na segurança social foi dizer às colegas, as colegas ainda mais a gozaram. Porque “ah deixa lá estar o homem, que ele está bem, deixa lá estar, ele está a fazer um bom trabalho. Deixa-o estar lá. Mas pronto, os meus filhos sofreram com isso porque eu também não lhes dei o apoio que devia de dar apesar que o Nuno hoje é o presidente da rádio, sempre teve o gosto pela rádio, desde o primeiro dia foi o locutor mais jovem na altura.
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—Só para clarificar, fala do seu filho.
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—Sim, o Nuno, que é hoje o presidente da ARIC também. Esteve aqui no primeiro dia, esse também foi um dos prejudicados porque eu não lhes dei apoio. Dava mais apoio aqui dentro do que dava em casa. Porque em casa era impossível mas tudo isso mereceu a pena porque quando nós olhamos para traz e que sabemos de várias história, aliás, nós temos aí vários estudos feitos. por pessoas que apresentaram a uma psicóloga salvo erro, parece-me que era psicóloga fez um estudo para o mestrado dela também,temos aí mais vários estudos de mestrado. Quando nós vamos ler aquilo realmente ficamos contentes, porque dizemos mereceu eu a pena fazermos uma rádio pirata. Mas hoje ainda nos orgulhamos mais. É que nós quando olhamos para as televisões, elas hoje fazem aquilo que nós fazíamos elas hoje fazem aquilo que nós fazemos em 1987/88 ,fazem precisamente igual eu Eles diziam que nós éramos uma rádio pirosa, púnhamos as pessoas no ar ,fazíamos concursos. As televisões fazem isso. Não sei se copiaram por nós. Sim isso é uma paródia porque antes das televisões tem lá aqueles números fixos já eles nos tinham oferecido aqui também só que nós não quisemos.
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—Nós preferimos por exemplo ter aqui um programa de discos pedidos em que as pessoas, na altura davam, 10€, salvo erro, para passar um disco. Equando chegávamos ao fim do programa tínhamos umas massas que ajudam ao fim do do mês apagar um ordenado a uma funcionária. E hoje em dia ainda é assim? Hoje em dia há muita gente ainda a ajudar a rádio, em especial os emigrantes quando cá vêm no verão vêm visitar a rádio. e normalmente deixam. E quando é preciso alguma coisa, eu tenho a certeza se nós abrirmos ali o microfone e dissermos que precisamos de dinheiro para isto ou para aquilo, que o dinheiro aparece. Porque a rádio, fazer rádio é fácil, mas nós não temos de fazer rádio para nós, nós temos que fazer rádio para aqueles que estão do outro lado. para o gosto deles. Eu para fazer rádio para mim faço em casa, passo a música que eu quero. Eu posso passar aqui música que não gosto. Ainda há dias, eu estava nas termas e houve um artista um cantor da nossa praça muito conhecido telefonou-me Oh Zé Manel a tua o rádio está a passar isto” e “isto”…. isto não é digno de passar na tua rádio. Epah não acredito. Telefonei logo ao o meu filho: “epah o que é que se passa? Estás a passar na rádio? Opah isso não pode ser, mas eu amanhã já vou saber. Entretanto ele lá foi saber o que era e pronto não é censura mas há coisas que nós não podemos passar porque a nossa rádio manteve sempre um nível de, portanto, não passar palavras obscenas seja a que título for. e aquilo era uma introdução de uma música de um disco que havia aí ou de um CD que tinha uma série de palavras obscenas. E ele por acaso fez muito bem em telefonar-me, porque a partir daí o CD não vai passar. Não é fazer censura mas é manter-mos uma linguagem de forma a que toda gente porque se calhar eu até gosto de ouvir a verdade, pois a verdade é que aquilo por muito muita gente é uma ofensa e não devemos de passar. Portanto, temos que fazer rádio para aqueles que estão do outro lado e assim nós temos as pessoas connosco.

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