Rui Remígio – Parte 5 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

RR p5de 7 aos 0M7S- FSS: Gravaste gente como o Peixinho, o Graça, o Emanuel Nunes.
RR p5de 7 aos 0M13S- RR: Emanuel Nunes, não. Fernando Lopes Graça, sim.
RR p5de 7 aos 0M17S- Mas Zeca Afonso, Fausto… FSS: Com eles, mesmo?
RR p5de 7 aos 0M20S- RR: Sim.
RR p5de 7 aos 0M21S- FSS: Como era gravar o Zeca?
RR p5de 7 aos 0M23S- RR: O Zeca é dos mais simples. Não gravei muito o Zeca, mas veio aqui por vezes. O Adriano também.
RR p5de 7 aos 0M31S- Mais solidário também, como o Fausto, o Samuel, Luís Cília – gravei dois álbuns dele – Manuel Freire, Fernando Tordo. Hoje de manhã, estava a tomar o pequeno-almoço… a última vez que estive com o Fernando, aqui
RR p5de 7 aos 0M48S- em Campo de Ourique, no funeral de um grande amigo, a voz, o Zé Ramos. A voz, The Voice.
RR p5de 7 aos 0M55S- E eu gravei Que se passa? Então isto não é uma ameaça? / Ali andou mãozinha de reaça.
RR p5de 7 aos 1M8S- Deixaram fugir mais oitenta e nove… FSS: Fado de Alcoentre.
RR p5de 7 aos 1M13S- RR: O Fernando Tordo fez uma letra logo ali de imediato para ser gravada. A letra apareceu, no dia seguinte estávamos a gravar. Todos esses – Maria de Lourdes Resende, por exemplo, mais idosa, mas era um prazer ela
RR p5de 7 aos 1M35S- vir aqui fazer. Quando ela vinha fazer cópias para os espetáculos dela, trazia todas as cassetes etiquetadas e que vinham com o lapinhos: ela acertava a cassete do princípio da música… Pois,
RR p5de 7 aos 1M50S- que era para chegar a música e dizer “Agora esta cassete começa nessa música”. Vinha na pausa anterior…. Dava-me prazer porque eu nunca gostei de fazer o mesmo trabalho duas vezes.
RR p5de 7 aos 2M3S- Assim como por exemplo, se o músico está distraído e não me diz “Passa-se isto e aqueloutro”.
RR p5de 7 aos 2M13S- Eu assisti a instantes de criatividade dentro do estúdio – com grandes e bons músicos e bons maestros – em que têm que ter, no técnico, seja ele ou outro qualquer, confiança plena.
RR p5de 7 aos 2M27S- Eu gravei muita publicidade. Sabe o que é entrar um personagem como o José Carlos Ary dos Santos. Trabalhava numa agência de publicidade.
RR p5de 7 aos 2M36S- E quando se sentava, e transmitia aos locutores a mensagem que ele queria e o que queria daquelas vozes, puxava de um lenço minhoto, punha-o ao pescoço e a sua personalidade transformava-se
RR p5de 7 aos 2M50S- completamente. Ali, toda a riqueza criativa saía.
RR p5de 7 aos 2M53S- FSS: Ele era difícil, o José Carlos Ary dos Santos?
RR p5de 7 aos 2M57S- RR: Não, era muito exigente. Não, não, eu nunca trabalhei com pessoas exigentes. Chatos, alguns, sim. Exigentes, porque… Eu dizia há bocadinho… FSS: O Ary não era, ao mesmo tempo, exigente e chato?
RR p5de 7 aos 3M14S- RR: Não, era só exigente. Não, porque o mundo dele era outro. Ele estava na arte porque ele dizia o que queria.
RR p5de 7 aos 3M24S- FSS: Meu Amor, Meu Amor.
RR p5de 7 aos 3M27S- RR: Por exemplo, tal e qual. Ele abria a porta e diz “Canta-me com esse entreperna, porra”. Ele era assim. “Não te sinto, não te oiço, onde é que estás?”. Era assim.
RR p5de 7 aos 3M48S- Não posso dizer que gravei muito, mas gravei. Ele vinha em representação da agência de publicidade. Era a agência de publicidade que convocava os locutores ou locutoras, que vinham fazer as leituras, e eu era o elo entre a leitura e a produção.
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RR p5de 7 aos 4M5S- E tinha a incumbência, depois, gravava as vozes primeiro e tratava da sonoplastia. Que só a posteriori é que metia o disco, ou as músicas, a abertura e o fecho e que aí o rigor é fundamental.
RR p5de 7 aos 4M18S- Um spot de 15 segundos não pode ter 16. Um spot de 30 segundos não pode ter 31. Nem pode ter 28.
RR p5de 7 aos 4M25S- Porque, senão é deitar fora dois segundos. Em publicidade, valem dinheiro. E, depois, é fazer cópias. Cópias para quê.
RR p5de 7 aos 4M33S- Em cassetes pequeninas. Em mono uns, em estéreo outros. Para as estações que tinham mono e tinham estéreo. E os que trabalham em onda média – porque havia estações com o programa em onda média, em FM. E, portanto, trabalhei em muita publicidade.
RR p5de 7 aos 4M54S- FSS: Um spot de 15 segundos, quanto tempo pode demorar a fazer?
RR p5de 7 aos 4M58S- RR: Pode demorar uma tarde inteira, até se ter… Porque, depois, grava-se várias vezes o texto, há que ver… Trabalhava-se muito com o cronómetro, dizia o responsável da agência, o account como chamavam na altura, “Quero isso em dez segundos que é para
RR p5de 7 aos 5M20S- ter dois segundos para a introdução”. Podia ter uma ligação, um fundo, uma base, um leito musical a fazer a ligação. Mas até se ter a criatividade, a expressão… A Isabel Wolmar, Maria Helena d’Eça Leal, Rui Branco, Zé Ramos, Fernanda Figueiredo… Todas passavam por aqui.
RR p5de 7 aos 5M57S- FSS: Quais foram as vozes que te deu mais prazer trabalhar?
RR p5de 7 aos 6M2S- RR: A maior e única, para mim, enquanto mulher, Maria Helena d’Eça Leal. Eu, em função da voz dela, grande amiga e autora. Gravou um texto para os netos. “Preciso de gravar outro”.
RR p5de 7 aos 6M21S- Tenho-os gravados. Vieram as filhas e os netos assistir e fizeram, por sugestão minha, em vez de ser só a descrição do jardinzinho, fizeram os personagens.
RR p5de 7 aos 6M31S- Maria Helena d’Eça Leal, única para mim. E Maria Leonor. Como voz, para mim, José Ramos, Rui Branco, António Revez – também já não está cá —, Isabel Wolmar, um colega nosso, mas do Rádio Clube Português, Jorge, que foi diretor em São Marçal.

RR p5de 7 aos 7M6S- Agora o nome… Jorge. José Manuel Nunes. Já conhecia o Zé Manuel Nunes da Página 1, antes do 25 de abril.
RR p5de 7 aos 7M17S- FSS: Rádio Renascença.
RR p5de 7 aos 7M18S- RR: Exato. Mas, para mim, as duas vozes de referência… FSS: Há pouco era o Jorge Gil?
RR p5de 7 aos 7M28S- RR: Não, não, Jorge Gil, não. Virá à memória certamente.
RR p5de 7 aos 7M32S- FSS: Jaime Fernandes.
RR p5de 7 aos 7M34S- RR: Também, muito. Porque o Jaime Fernandes era o homem que mais sabia de música da América. E, felizmente, fez para a televisão e estão gravados programas sobre a História do Rock em Portugal. Muitas boas vozes.
RR p5de 7 aos 7M53S- Então, o João David Nunes, por exemplo. Também os programas que ele tinha. Trabalhei com muitos e gostei. E caracterizava muito.
RR p5de 7 aos 8M3S- Mas, no desporto, para mim, era o Artur Agostinho, o Fernando Correia. Eram duas vozes. Eu lembro-me de uma experiência de uma colega, Ida Maria, a fazer desporto.
RR p5de 7 aos 8M21S- FS: A atriz?
RR p5de 7 aos 8M23S- RR: Ida Maria, não é Guida Maria. Guida Maria também trabalhei com ela e com o pai, Luís Cerqueira, trabalhava aqui em Campo de Ourique. E tinha uma boa mesa, que vendeu ao estúdio onde trabalhei, de sonoplastia, porque ele era um homem de fazer montagens de sonoplastia.
RR p5de 7 aos 8M39S- Eu fiz, com a Maria Germana Tânger, os primeiros programas em analógico – edição de fita, montagem linear – para a projeção de slides da Cozinha Real, em Sintra.
RR p5de 7 aos 8M59S- Que é a história da cozinha. Um e outro. A Torre de Belém. Aquilo que hoje se faz, programas em baixo no Terreiro do Paço, modo digital.
RR p5de 7 aos 9M13S- Mais tarde, fez o Carlos Fogaça, Lisbon Project [a denominação acertada é Lisboa Experience], lá em baixo no Padrão dos Descobrimentos, em 3D, exato. Um master e dois slides computorizados, com música do Luís Cília.
RR p5de 7 aos 9M32S- Ele pediu-me para depois coordenar a parte sonora final, e não sei quê, e foi com muito gosto.
RR p5de 7 aos 9M37S- FSS: O Fogaça esteve à frente do Centro de Formação da RDP.
RR p5de 7 aos 9M39S- RR: Ele esteve à frente do Centro de Formação da RDP, foi ele que me convidou para, depois, ficar… Saí do Quelhas porque há uma coisa que me deu muito prazer.
RR p5de 7 aos 9M48S- FS: Mas, antes disso, voltar um bocadinho atrás e… tivemos aqui a ver as questões relativas à evolução tecnológica e como é que isso mudou o exercício da atividade. Vamos pensar agora nos grandes episódios históricos, sociais e políticos. As grandes transformações como o 25 de abril e, depois, a integração europeia.
RR p5de 7 aos 10M8S- RR: Nem de propósito, era a parte que eu ia abordar.
RR p5de 7 aos 10M10S- FS: Claro. Como é que isso vai alterar… RR: Vai alterar, por exemplo…
RR p5de 7 aos 10M14S- FS: O modo de trabalhar.
RR p5de 7 aos 10M15S- RR: Eu tive o prazer de ser nomeado – primeiramente escolhido e, depois, nomeado – durante dez anos consecutivos e eu, o Raúl Feio – da parte de produção e da técnica -, e o tenente Leal Faria – primeiro militar ligado ao 25 de abril -, e o António Miguel – antigo Rádio Clube Português -, formávamos o grupo que era responsável pela coordenação e acompanhamento
RR p5de 7 aos 10M42S- e transmissão das campanhas eleitorais na RDP. Portanto, antes das eleições, nós saíamos por ordem de serviço, éramos requisitados…
RR p5de 7 aos 10M53S- FS: Quando se deu a transição da Emissora Nacional para RDP?
RR p5de 7 aos 10M58S- RR: Vou dizer, isto é, RDP, mas depois era preciso ter reuniões com os partidos políticos — nunca tinha havido partidos políticos -, depois era preciso controlar o tempo ao segundo – os tempos eram atribuídos pela Comissão Nacional de Eleições, sorteados pela CNE, e controlados pelo Secretariado Técnico de Apoio Eleitoral, STAE.
RR p5de 7 aos 11M21S- FSS: Era uma solenidade máxima.
RR p5de 7 aos 11M23S- RR: Era, mas, na altura, nunca tinha havido nada em Portugal. Acontecimentos históricos: eu trabalhava, como disse, em São Marçal. Quando foi a noite do 25 de abril, de 24 para 25, o Quelhas foi ocupado e São Marçal só foi ocupado uma semana depois.
RR p5de 7 aos 11M42S- FSS: Houve logo ali uma emissão alternativa.
RR p5de 7 aos 11M45S- RR: Emissão alternativa que logo se transmitiu para todo o mundo, para a Índia, para as Américas, para a Europa, para a África, todo o mundo.
RR p5de 7 aos 11M53S- FSS: Naquela madrugada de 25 de abril, a Emissora Nacional transmitiu até muito tarde. O Rádio Clube, a partir das 3h, a partir do Joaquim Furtado… entrou em emissão especial… a Emissora Nacional é como se não fosse nada.
RR p5de 7 aos 12M8S- RR: Pois, porque, entretanto, os militares chegaram ao Quelhas foi mais tarde. Porque a primeira rádio a ser ocupada foi o Rádio Clube Português para a leitura dos comunicados. É uma verdade. O Silva Pinto, que estava lá, na parte dos noticiários. O Luís Filipe Costa e, depois mais tarde, todos os outros que sucederam. O Luís Filipe Costa “Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas”.
RR p5de 7 aos 12M30S- FSS: Primeiro o Joaquim Furtado e, depois, o Luís Filipe Costa.
RR p5de 7 aos 12M33S- RR: Exato. E o disco da transmissão, do Grândola Vila Morena [foi o E Depois do Adeus] é propriedade, ainda hoje física, do nosso comum amigo Carlos Fernandes… que o disco lhe foi pedido e o João Paulo Dinis para o pôr não o tinha e pediu… O disco foi emprestado pelo Carlos
RR p5de 7 aos 12M59S- Fernandes, esse sim sonoplasta. É alguém que eu recomendava para vocês fazerem, porquê: muito ligado ao teatro, toda a vida sonoplasta – começou a trabalhar na rádio em Santarém, depois esteve no Programa das Forças Armadas na Guiné, no tempo do Spínola e foi requisitado…
RR p5de 7 aos 13M20S- FSS: E o Mário Feio, falaste dele há bocadinho.
RR p5de 7 aos 13M23S- RR: Exato. Foi requisitado aquando de uma visita – e creio que foi única – do Presidente da República, Américo Tomás, à Guiné.
RR p5de 7 aos 13M33S- FSS: Mas, então, o 25 de abril – o teu 25 de abril?
RR p5de 7 aos 13M37S- RR: Tem uma graça enorme.
RR p5de 7 aos 13M39S- FS: Estava ao serviço, não estava?
RR p5de 7 aos 13M41S- RR: Não estava, não. Falei-vos há bocadinho que aprendi Inglês com uma jovem que estava liceal em Angola. Na noite de 24 para 25, já essa jovem estava a estudar História aqui na universidade,
RR p5de 7 aos 13M57S- em Lisboa, e tínhamos entrado em contacto — nunca mais nos tínhamos visto -, três anos, fomos jantar.
RR p5de 7 aos 14M6S- Tinha e tem uma particularidade enorme porque nunca mais nos vimos desde essa noite. E é uma coisa curiosa: ela era da minha altura.
RR p5de 7 aos 14M15S- FSS: Grande.
RR p5de 7 aos 14M16S- RR: Sim, grande. A única mulher até hoje que me punha o braço por cima. Uma coisa maravilhosa. Fomos jantar e ela estava… FSS: Onde é que foram jantar?
RR p5de 7 aos 14M32S- RR: É simples, eu sei. Naquela zona por trás onde ficava uma Cervejaria Alga, por trás da Avenida de Roma.
RR p5de 7 aos 14M43S- RR: E havia uma discoteca onde…. Era o Beat Club. O Jorge… como é que ele se chamava, lançou discos… ainda hoje está à frente do Jornal do Benfica… FSS: José Nuno Martins.
RR p5de 7 aos 14M58S- RR: José Nuno Martins! Que integrou o primeiro grupo comigo e foi comigo e com ele – fui eu que fui buscar as fitas – quando escolheu À Pátria de Vianna da Motta para sonorizar os tempos dos partidos políticos na Emissora Nacional.
RR p5de 7 aos 15M12S- FSS: Tudo muito solene.
RR p5de 7 aos 15M14S- RR: É verdade. Dizia eu, lembram-se desse pormenor. Eu fui jantar com essa jovem e ela estava num lado, passava-se à esquerda, ficava a
RR p5de 7 aos 15M24S- Emissora Nacional, na Alameda das Linhas de Torres, 200 ou 300 metros num lar. Eu morava aqui, solteiro, em Campo de Ourique. Num táxi, fui levá-la, depois de jantar, depois de muita conversa, depois de termos
RR p5de 7 aos 15M38S- ido dançar um bocadinho nesse Beat Clube. 00h30, 1h, e no dia seguinte eu trabalhava e ela tinha aulas. E eu voltei de táxi para Campo de Ourique, no mesmo táxi.
RR p5de 7 aos 15M50S- E deitei-me, partilhava casa com um grande amigo, meu compadre, na Infantaria 16, em Campo de Ourique.
RR p5de 7 aos 15M56S- Deitei-me, levantei-me de manhã, acordei um bocadinho mais tarde e apanhei um táxi para ir para São Marçal. Pagava-se 7 escudos e 500.
RR p5de 7 aos 16M4S- Era um instantinho: Estrela, Jardim da Estrela, Rua de São Bento, São Marçal. Quando vou no táxi, diz o senhor “O senhor vai para a Emissora? Não sei se pode entrar.
RR p5de 7 aos 16M23S- Está a decorrer uma revolução. Quer ver? ‘Aqui posto de Comando das Forças Armadas’”. Eram 9h, 8h30, coisa assim parecida.
RR p5de 7 aos 16M31S- FSS: Já ia muito avançado.
RR p5de 7 aos 16M34S- RR: Já, muito avançado. “Mas eu não vou para o Quelhas, eu vou para São Marçal”. “Tenho impressão que é lá ao fundo”. “Exato”. Cheguei a São Marçal, como é hábito – com o meu jornalinho do Diário de Lisboa ou República, não sei, porque lia os dois, debaixo do braço e logo os meus colegas que lá estavam “O
RR p5de 7 aos 17M3S- Remígio sabe de certeza absoluta o que se está a passar” e eu disse “Sei tanto como vocês. Só agora, no táxi”. “Epá, anda para aí um colega nosso para trás e para a frente com medo que a fragata ali bombardeie a partir do Tejo e tal”.
RR p5de 7 aos 17M25S- O colega nosso depois foi viver para os EUA, não esperava que fosse um golpe da extrema-direita. Era de origem açoriana. Fomos lá ouvir. Não se ouvia mais nada senão marchas militares é um facto – e “Posto Comando do Movimento
RR p5de 7 aos 17M46S- das Forças Armadas” e “Os militares já ocuparam isto, o aeroporto, e no Porto mais não sei quê e está agora isto e isto”. E, depois, como todos nós, acompanho o desenvolvimento. Claro, à noite, ninguém podia andar na rua como vocês sabem.
RR p5de 7 aos 18M4S- E assisti, em casa da minha comadre, que era namorada de um jovem que partilhava o departamento comigo, ao comunicado da Junta de Salvação Nacional na…
RR p5de 7 aos 18M16S- FSS: Na madrugada de 26.
RR p5de 7 aos 18M18S- RR: Sim. Mas… E ele mora, tinha casa na António Stromp que é perpendicular à Alameda, mesmo ao pé da televisão.
RR p5de 7 aos 18M27S- “Epá, mas eu ontem passei aqui de táxi, fui levar a minha amiga Helena, ao lar onde ela estava a estudar, estivemos a jantar, fomos dançar, eu fui-me embora para casa, e não vi chaimites nem carros militares nenhuns”.
RR p5de 7 aos 18M44S- “Foi cedo, se fosse ainda às 2h da manhã de certeza que tinhas dado conta” e por aí fora. Não vi nada. Portanto, onde é que eu estava no 25 de abril: estava jantando bem, bem acompanhado, dançando e por aí fora. E bem-comportado.
RR p5de 7 aos 19M0S- FSS: A rádio mudou muito?
RR p5de 7 aos 19M3S- RR: A partir dessa altura, mudou. Mas, eu tive o privilégio de integrar a primeira Comissão Pró-Sindical. Mas, também, no Quelhas, cada vez que havia decisões… chamava-se Assembleias Gerais,
RR p5de 7 aos 19M20S- a gente chamava-lhes RGTs de outros lados — reunia-se a partir de escuta o Porto, Coimbra, Faro, Açores e Madeira. E nós reuníamos todos no Estúdio A. E, a partir da Central Técnica de Programas, punham-se eles – os emissores – a ouvirem-nos
RR p5de 7 aos 19M38S- e nós a ouvirmos a eles. E, portanto, havia propostas, havia uma mesa que tinha quase sempre os mesmos a presidir. Eu prezo ter sido um deles porque era preciso saber dirigir uma assembleia e a maior parte das pessoas não sabia o que era um requerimento, por exemplo.
RR p5de 7 aos 20M3S- Há a mesa, uma proposta, quem é que falava, quem é que se inscrevia, a pessoa mais importante é o Presidente da Mesa da Assembleia – portanto, era assim designado, – e, portanto, às vezes “Espera aí um bocadinho, também temos uma proposta”.
RR p5de 7 aos 20M16S- FS: Quais eram as reivindicações na altura?
RR p5de 7 aos 20M19S- RR: A nossa primeira reivindicação foi, como funcionários públicos, termos direito a sermos reconhecidos. Direito à sindicalização. Daí para a frente, depois, as funcionárias do refeitório das Amoreiras passaram… eu
RR p5de 7 aos 20M35S- tinha, nessa data, barba como um Cristo. Eu tinha o cabelo pelos ombros. Não foi no 25 de abril, aquando da data do 25 de abril, – desde o dia 1 de janeiro, dia de aniversário de um falecido sobrinho meu, todos os anos íamos a casa desse meu irmão
RR p5de 7 aos 20M50S- celebrar o dia em que ele fazia anos -, e esse dia de anos aconteceu a uma segunda-feira. E eu, nesse fim de semana, não fiz a barba, o cabelo já dava pelos ombros, e segunda-feira não fiz a barba.
RR p5de 7 aos 21M7S- “Então, não fizeste?”. Como nunca tinha andado de barba, tinha andado de bigode só, deixei crescer a barba a partir daí. Quando chegou a abril, tinha um barbão.
RR p5de 7 aos 21M16S- Acredite que é verdade. Isto a propósito de… Reivindicações. As colegas funcionárias do refeitório vieram ter comigo porque não pertenciam aos quadros, não ganhavam as férias, não ganhavam nada e por aí fora.
RR p5de 7 aos 21M31S- Consegui que elas fossem tratadas e beneficiados e, cada vez… eu não ia muitas vezes, porque ia sair da Emissora e vinha para aqui trabalhar para Campo de Ourique, não ia almoçar ao refeitório.
RR p5de 7 aos 21M45S- Mas, cada vez que eu ia ao refeitório, o meu prato era o maior de todos. Mudanças dentro da RDP, claro.
RR p5de 7 aos 21M52S- FS: As purgas, como foram?
RR p5de 7 aos 21M54S- FSS: Saneamentos.
RR p5de 7 aos 21M55S- RR: As purgas foram no 25 de novembro.
RR p5de 7 aos 21M58S- FSS: Mas logo no 25 de abril houve mudanças.
RR p5de 7 aos 22M1S- RR: Claro. O Carlos Albino, o homem que está a frente da sociedade portuguesa [Associação Portuguesa de Escritores] … O Letria, o José Jorge Letria. O Álvaro Guerra.
RR p5de 7 aos 22M11S- FSS: Houve mudança dos apresentadores dos noticiários. O José Nuno Martins entrou logo para o da tarde.
RR p5de 7 aos 22M21S- RR: Tal e qual. A discoteca e fonoteca passou a ser controlada. Ou seja, onde está toda a História e as fontes sonoras dos discos e das fitas, no fundo, o arquivo.
RR p5de 7 aos 22M34S- Mais tarde, vem a ser o arquivo. Passa a ser controlado pelos militares ou alguém da sua confiança. Os acessos aos microfones deixaram de ser como eram até então. Os noticiários passaram a ter o controlo do Movimento das Forças Armadas. Compreende-se perfeitamente.
RR p5de 7 aos 22M53S- FSS: Era o Jaime Gama, que foi chefe de redação.
RR p5de 7 aos 22M57S- RR: Que trabalhava no jornal República. E era o responsável pela última página do jornal República onde ele punha os discursos do Coordenador Civil de Lisboa. Todos nós nos ríamos, ao fim de semana, das asneiras que o homem dizia porque estava senil ou gágá, como quiseres.
RR p5de 7 aos 23M16S- FSS: Houve gente que foi para a rua mesmo. Foi para casa, foi para a rua?
RR p5de 7 aos 23M22S- RR: Nessa altura, foram só suspensos.
RR p5de 7 aos 23M24S- FSS: Suspensos.
RR p5de 7 aos 23M25S- RR: Como é que disse…?
RR p5de 7 aos 23M28S- FSS: Saneados.
RR p5de 7 aos 23M30S- RR: Saneados. Logo no imediato, não. Porque depois… FSS: Houve logo mudança de pessoas.
RR p5de 7 aos 23M37S- RR: Há purgas políticas. Eu não trabalhava no Quelhas, mas, quando havia reuniões eu ia ao Quelhas onde se dava as tais reuniões.
RR p5de 7 aos 23M50S- FSS: Sentiste um controlo partidário. O PCP, o PC, a procurar o controlo?
RR p5de 7 aos 23M55S- RR: Mas também sem ser o PCP.
RR p5de 7 aos 23M58S- FSS: O PS.
RR p5de 7 aos 24M0S- RR: O PS, sim. O MRPP.
RR p5de 7 aos 24M3S- FSS: De facto, também.
RR p5de 7 aos 24M5S- RR: O PRPBR. Eu ainda hoje tenho um estigma. Eu nunca estive filiado em nenhum partido político porque o estigma… marcadamente, de esquerda… pronto. Mas nunca estive filiação nenhuma.
RR p5de 7 aos 24M20S- Mas também só uma vez – e esta é uma pequena história que eu conto com um pequeno prazer —, lembras-te do Vasco Fernandes, um grande técnico, que tinha formação, tinha andado na Marinha e era um belíssimo técnico, um companheiro bem-disposto.
RR p5de 7 aos 24M38S- Eu sabia que ele militava no Partido Comunista e eu tinha tido uma colega, no Quelhas, que me tinha dado – ainda no tempo antes do 25 de abril – subscritos internos do Avante. Que era a Luísa… que canta… FSS: Luísa Basto.
RR p5de 7 aos 25M6S- RR: Sim, sim. “Canta, camarada, canta” [de Zeca Afonso].
RR p5de 7 aos 25M14S- Eu gravei no meu estúdio a versão moderna cantada pela Luísa. A Luísa Araújo, que era operadora como eu, e que conheci no Quelhas, que um dia me convida a ir almoçar com os estivadores.
RR p5de 7 aos 25M33S- Em Alcântara. “Anda lá conhecer os camaradas”. E o nosso almoço foi cachucho frito com arroz de tomate.
RR p5de 7 aos 25M39S- FSS: Luísa Araújo, creio que mulher do Rui Pedro depois.
RR p5de 7 aos 25M42S- RR: Não, não. Essa é a Ana Araújo.
RR p5de 7 aos 25M48S- FSS: Pois é, verdade.
RR p5de 7 aos 25M51S- RR: Então, a Luísa Araújo – antes do 25 de abril, porque era militante e aos fins de semana aparecia com as pernas picadas das silvas e dos coisos, porque era nuns penhascos
RR p5de 7 aos 26M0S- que faziam as reuniões clandestinas e por aí fora – e ela sai antes do 25 de abril. Saiu mesmo. Não sei se pertence atualmente ao Comité Central. Mas ficou minha amiga por toda a vida.
RR p5de 7 aos 26M16S- E eu digo ao Vasco “Um dia destes, quando for lá às reuniões, gostava de encontrar lá os amigos que eu tenho e uma delas é a Luísa Araújo”. “Fica combinado”. Era meu chefe em São Marçal.
RR p5de 7 aos 26M31S- Chega junto de mim, “Aquela tua ideia, aquele pedido… Mas a malta lá no partido entendeu isso como uma entrada para o partido” e eu disse “Tu e quem quer seja, entenderam mal porque eu só queria matar saudades da Luísa Araújo”. Pequenos pormenores, nunca mais a encontrei.
RR p5de 7 aos 26M51S- Ainda há dias, falei com uma amiga que trabalha aqui neste espaço, do Cinema Europa, vive no Barreiro e é amiga dela. Contei até este pequeno pormenor. Voltando atrás, às modificações, eu como trabalhava em São Marçal, as peças de teatro passaram os conteúdos, passaram a ser completamente diferentes.
RR p5de 7 aos 27M15S- As gravações de teatro, as comédias, os folhetins eram todos da autoria, selecionados, condizentes.
RR p5de 7 aos 27M23S- RR: Logo a seguir ao 25 de abril – o Brecht, o Shakespeare -, todas as peças de teatro que tivessem a ver com o Verão Quente ou com a situação de revolta em Portugal passaram… e é legítimo que assim fosse… a sonoplastia, os discos levados para ilustrar até então…
RR p5de 7 aos 27M50S- o teatro, os programas musicais, semanais, desportivos. Eu lembro-me perfeitamente que há uma canção do Sérgio Godinho “Aprende a nadar, companheiro
RR p5de 7 aos 28M1S- aprende a nadar, companheiro. Que a maré se vai levantar que a maré se vai levantar”. Assim ilustraram a abertura de um programa. Maravilha.
RR p5de 7 aos 28M11S- O Grândola Vila Morena, todos os programas que tivessem cariz sindical, político bem marcado…. É o Verão Quente. É bom não nos esquecermos que o Verão Quente foram ao microfone pessoas que nem categoria tinham para falar ao microfone. Mas o momento político dessa altura… foram e sentiram-se protegidas para.
RR p5de 7 aos 28M34S- FSS: E, já no ano seguinte, 1975, portanto.
RR p5de 7 aos 28M36S- RR: Exato, exato. Eu vinha do Algarve quando há a grande ida do verão quente a Belém, à Presidência da República. Quando o Presidente Costa Gomes tem o grande discurso e põe serenas todas as coisinhas
RR p5de 7 aos 28M56S- porque… Porque foi ele, de facto, que evitou — quer queiramos, quer não – a Guerra Civil. Presidente Costa Gomes, que me convidou a mim e à minha mulher, falecida mulher, para irmos jantar com ele e com a esposa.
RR p5de 7 aos 29M12S- Ele tinha uma esposa linda. Ele era matemático. Fez formação militar nos EUA. E, um dia, eu, passeando com a minha mulher, encontrámo-lo a ele e à esposa.
RR p5de 7 aos 29M23S- Cumprimentámo-lo, como mais tarde cumprimentei outros Presidentes da República e outros políticos, e gravei outros políticos. Na sequência de ter pertencido ao grupo ligado às eleições na Emissora Nacional e as campanhas
RR p5de 7 aos 29M40S- eleitorais que vinham todos aqui gravar.
RR p5de 7 aos 29M43S- Desde intersindical ao Avante, MRPP, o Partido Socialista, a Frente Socialista Popular. Vinham gravar aqui porque, a maior parte deles, não tinham estúdio. Só mais tarde é que criaram estúdio. Exceto o Partido Comunista. Teve autonomia. O Partido Socialista, mais tarde, também criou…
RR p5de 7 aos 30M8S- FSS: No [Largo do] Rato.
RR p5de 7 aos 30M9S- RR: Como é que se chamava aquele grupo que o [Ramalho] Eanes criou…
RR p5de 7 aos 30M12S- FSS: Os Reformadores?
RR p5de 7 aos 30M14S- RR: Não.
RR p5de 7 aos 30M15S- FSS: O PRD.
RR p5de 7 aos 30M16S- RR: Vieram aí. Era um colega nosso, Gustavo Rosa, coitado, que já lá vai, ia aí gravar. Eu conheci todos, mas, dessa vez, encontro — por mera casualidade -, eu e a minha mulher, o Presidente da altura, Costa Gomes. Eu e a minha esposa parámos ali, cumprimentámos e eu felicitei-o… Para lhe dizer o quê:
RR p5de 7 aos 30M40S- porque quando eu estava em Zala, tal zona militar horrível, onde passei uma noite de Natal, e onde o segundo comandante – que era o major, que depois se tornou meu amigo -, vem ter comigo “Ó professor, preciso que tu faças a ronda a partir da meia-noite.
RR p5de 7 aos 31M3S- Que o pessoal vai beber, beber e o álcool com armas na mão não é nada bom”. “Claro que faço”. Choveu torrencialmente e quem é que estava lá: o Chefe de Estado Maior, Costa Gomes.
RR p5de 7 aos 31M21S- Foi lá passar a noite connosco. Que era uma zona das piores. Era oficial, topo dos topos, e tal, não era um simples miliciano.
RR p5de 7 aos 31M32S- Mas ele fez uma carreira militar, tinha uma cotação enorme, tanto mais que ele depois substituiu o anterior, Spínola… FSS: Como Presidente da República.
RR p5de 7 aos 31M41S- RR: E por aí fora. E foi até designado “rolha” porque estava sempre à superfície, à tona da água. Mas fiz essa referência.
RR p5de 7 aos 31M51S- “O senhor Presidente, talvez não saiba, mas na noite de Natal eu estava lá”. “Choveu toda a noite, era lama por todo o lado”. Meti muitos na cama depois de os apanhar na lama, pus debaixo do chuveiro, isto é verdade.
zala zala 1
RR p5de 7 aos 32M13S- Nessa noite de Natal, em que praticamente ninguém festejou – eu, pelo menos, não podia festejar, estava de serviço. Jantei, normalmente, como todos os outros, no que era possível. Mas essa foi a minha experiência com um Presidente da República.
RR p5de 7 aos 32M30S- FSS: Os políticos iam gravar a São Marçal. Enquanto não havia estúdios próprios.
RR p5de 7 aos 32M36S- RR: Iam gravar a São Marçal. E, um dia, um senhor chamado Arnaldo Matos ameaçou. Ele não ameaçou, quem ameaçou eram os seguranças dele, os capangas, como se chamava na altura.
RR p5de 7 aos 32M48S- Por causa do controlo do tempo. Porque os gravadores tinham um condutor de tempo, mas é ao minuto, não tinham ao segundo. E havia um relógio que eu e o Mário Feio controlávamos à distância por causa dos tempos.
RR p5de 7 aos 33M3S- E, cada vez que se parava, era preciso parar os cronómetros dentro da sala – para eles verem o tempo que têm – e nós com cronómetros de mão. Começaram por chegar fora do tempo – tinham 15 minutos, tinham de chegar um ou dois minutos antes na porta, identificarem-se, mostrar o bilhete de identidade, quantos eram, por aí fora.
RR p5de 7 aos 33M23S- Mais tarde, isso facilitou-se e eles ao levarem as bobines já gravadas, foi ótimo – e eu e o Mário Feio, e colegas nossos do gabinete de relações públicas, fazíamos o acompanhamento. “Por favor, aqui tem” e isto e aqueloutro. Nós já tínhamos tido reuniões prévias, preparatórias, para eles dizerem quem vai em representação.
RR p5de 7 aos 33M52S- Então, quando eles mudavam tinham de trazer uma credencial autenticada e por aí fora. E nós também tínhamos o coisinho ao pescoço a dizer quem éramos e o que fazíamos. E eis, senão quando, o tempo que lá está… quem era o técnico: tínhamos um técnico na gravação, que não era eu.
cartão eleições
RR p5de 7 aos 34M10S- Eu era responsável por toda a técnica. E eu digo “O tempo é este e não outro. Está ali. O tempo de paragem é este”. Os dois cronómetros que eu e o Mário Feio temos dizem isto.
RR p5de 7 aos 34M26S- O mais que podemos é ir atrás um ou dois segundos. Quero dizer, se tivesse mais um segundo ou menos um segundo…. Dez segundos é que não podia ser.
RR p5de 7 aos 34M34S- FSS: Não podia ser.
RR p5de 7 aos 34M35S- RR: Os outros partidos políticos caíam-nos em cima. “Está a brincar connosco”. E o Mário Feio está ao meu lado. “Tivemos uma reunião prática, lembram-se?
RR p5de 7 aos 34M48S- Só estamos a pôr em prática aquilo que combinámos convosco e com todos os outros partidos”.
RR p5de 7 aos 34M55S- Uns olhos que me fulminaram de cima abaixo e por aí fora. Mas pronto, tudo bem.

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