José Manuel Inácio à conversa com Maria Margarida Colaço Mendes Gaspar e registada por Paulo Barbosa em 2-12-2017 no museu da Rádio voz de Alenquer no âmbito do projecto AMOPC.
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—Ainda voltando um pouco atrás falávamos da lei da rádio, houve algum objetivo inicial que não fosse concretizado no projeto final de lei? Ou que pouco tempo depois tivesse caído por não ter vingado ou as rádios não terem querido? E se olhando hoje para o cenário atual, o que é que acha que poderia estar contemplado na lei da rádio e não está ou o contrário, ou está e não deveria.
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—Aquilo que eu acho que caiu e que devia de estar contemplado é realmente a aglomeração de rádios no mesmo proprietário. Acho que hoje parte das rádios são meros retransmissores e não estão a servir as populações locais. Foi uma das coisas que nós nos batemos, eu tive uma luta muito grande com o Governo por causa da compra das rádios pelas igrejas evangélicas, porque achava que as igrejas evangélicas não deviam, não era, a igreja católica tinha mas pronto já existiam, mas não deviam ter, ser titulares de, das rádios locais porque não, elas não estavam a prestar um serviço às rádios locais, à população local. Tive uma luta muito grande, aliás até beneficiei de uma ida ao Brasil por causa dessa luta porque a Legião da Boa Vontade é é uma organização não governamental que estava sediada na Póvoa de Varzim e que, que eu pensei também que era uma das mais igrejas que existia aí. Os homens pediram-me uma reunião na APR eu recebi os homens mas recebi-os assim um pouco de pé atrás. Os homens perceberam e convidaram-me para ir ao Brasil visitar as obras, a obra que eles tinham. E não há dúvida nenhuma de que a obra que eles tinham foi fundada por um jornalista, José Paiva Neto, um homem com um nome muito grande, um jornalista que nós devemos respeitar porque ele fez uma obra gigantesca. Ele, portanto, ele começou, conseguiu angariar apoios das pessoas, ia buscar os miúdos abandonados, levava os miúdos, lá para a organização, recém nascidos e os miúdos saiam de lá com profissões, com cursos, com doutoramentos, tudo dentro da organização deles, e tinha uma coisa engraçada é que os miúdos eram eles próprios, conforme iam crescendo eram eles que produziam a alimentação deles, eram eles que tinham hospital dos bonecos e que arranjavam os bonecos para eles brincarem, depois conforme iam crescendo iam tendo as suas obrigações dentro da organização. Eles tinham, estavam sediados, tinham um, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Porto Alegre, era aí que eles tinham a universidade e tinham a quinta onde produziam todos os alimentos para, eles davam só 3 mil refeições por dia a miúdos… Tudo com a de um jornalista que a gente deve, que eu passeia ter muito respeito e aliás a Rádio Voz de Alenquer a partir daí abriu as portas à organização e durante muito grande muitos anos nós colaborámos com eles em tudo aquilo que eles queriam. Foi uma coisa muito grande que, que me ensinou muito e ensinou que agente, o jornalismo pode fazer muita coisa, desde que as pessoas queiram, voltamos como eu há um bocadinho dizia desde quando a gente quer a rádio faz tudo Mas tinhas-me perguntado… Da fase inicial da lei da rádio, objetivos iniciais que foram definidos e depois o projeto final que acabou por ser aprovado se existia alguma diferença e algum dos objetivos não tinha sido contemplado ou viria a cair pouco tempo depois. Foi a concentração de rádios foi aquilo que foi pior, foi pior porque hoje há muita rádio não é mais que retransmissor. Aliás, a nossa não é porque nós não queremos. Ainda há bem pouco tempo tivemos um grupo Angolano a querer comprar, e se nós abrirmos a boca a dizer nós queremos vender, eles compram. Só que eu penso, pelo menos enquanto for vivo, agente não vende. Nem que eu tenha que vir para cá fazer 24 horas de programa sozinho.
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—Mas esses interesses, são interesses comerciais para fazer cadeias de rádios, com rádios que já existem? Querem fazer coisas cá?
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—Eu penso que que eles querem fazer cadeias de rádio porque não estou a ver por exemplo os chineses virem comprar aqui uma rádio para fazer, servir o interesse da população de Alenquer, nem estou a ver os angolanos virem aqui comprar uma rádio para servir os interesses da pessoa da, o que eles querem é comprar uma série de rádios para depois fazerem uma cadeia, nós sabemos por exemplo a nível da imprensa, os angolanos são detentores de uma série de títulos de jornais não é? E se calhar é isso que eles quem também fazer também com as rádios. Apanhando as rádios em dificuldade e comprando. E possivelmente rádios estratégicas que têm antenas também em sítios estratégicos. Pois, que é o nosso caso, nós a nossa antena do Montejunto vale muito porque, por exemplo a TSF quando lhe interessa que nós estivéssemos ali, já não comprova a rádio em Santarém, que comprou porque ali nós fazíamos a cobertura… eu cheguei a estar no Porto e a ouvir a Rádio Voz de Alenquer porque a gente estava numa zona alta, em dias em que o sinal saia com facilidade e tenho uma história muito engraçada. Em Angola, por exemplo a Rádio Voz de Alenquer ser ouvida. Mas isso como? Não é em FM. As ondas hertzianas têm uma coisa gira. Se o FM cair cima de uma onda curta, ela vai, chama-se vai a cavalo. Então, houve um indivíduo em Angola que ouviu a Rádio Voz de Alenquer. Escreveu para cá e eu quando li a carta, eu os outros elementos da direção todos disseram, epah esse indivíduo está a brincar connosco. Então nós demos resposta ao homem e dissemos então mas oiça lá, o senhor ouve o programa, qual é o programa que o senhor ouviu? Qual é a publicidade que o senhor ouviu? E o homenzinho descreveu aquilo tudo. E depois voltou a dizer olhe e hoje ouvi isto, aquilo e aqueloutro E então o que é que ele queria? Ele queria que nós lhe mandássemos qualquer coisa da Rádio Voz de Alenquer para ele ter lá, para provar como tinha ouvido. Pronto, lá depois lhe mandamos, nessa altura nós tínhamos uns troféuzitos que dávamos nos jantares, nos jantares que fazíamos de aniversário e há pouco quando falou da publicidade eu esqueci-me de dizer que a melhor arma que nós tínhamos a captar a publicidade era no jantar de aniversário da rádio e porquê? Porque nós, no jantar aniversário da rádio, atribuíamos um prémio aos nossos clientes que tivessem feito mais rádio, mais publicidade. E aquilo criava neles, era um lenitivo, era um rebuçado que nós lhes dávamos. Então nesses jantares nós tínhamos a certeza que quando saíamos de lá já trazíamos mais publicidade. Até as vendedoras eram logo contactadas, elas estavam lá não, eles vinham ah e tal. Porque criávamos o 1º, o 2º e o 3º prémio para os nossos clientes que investissem mais na Rádio Voz de Alenquer durante aquele ano e aquilo, para nós, nós fizíamos um jantar eu às vezes dizia, interrogava-me a mim próprio epah eu estou a esbanjar dinheiro da rádio a oferecer um jantar esta gente toda. E depois tínhamos vários convidados, tínhamos o pessoal e tal, Mas por outro lado eu também dizia não, mas é que assim eu estou cativar as pessoas que investem em nós e as pessoas sentem-se quase na obrigação de investir mais, e isso acontecia. E as vendedoras, quando chegava ao fim do jantar diziam-me olhe, fulano já renovou o contrato, já renovou o contrato. Era aquilo que nós queríamos. Não acabou a história que estava a contar do troféu que iria mandar… Ah, mandámos-lhe um troféu, nós tínhamos aí vários troféus que todos os anos pelo aniversário fazíamos e que lhe mandámos-lhe um troféu e o homenzinho ficou todo contente que, recebeu lá o troféu e pronto. Mas como é que nós lá chegámos? Chegámos porque fomos pendurados na outra onda, é como em Lisboa a gente ouvir os táxis de Nova York, mais do que uma vez, isso já tem acontecido. Eles estão numa onda baixa mas agarram numa outra onde que é ouvida ali. É os fenómenos da, da propagação.