António Luiz Rafael – Parte 5 de 15

Com António Luiz Rafael. Entrevistado por Júlia Leitão de Barros * Registado por Paulo Barbosa * Évora 27 de Março de 2017

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— Sim, quando passou pra Moçambique, isso teve implicações lá? Houve algum… já disse que começou a censura, não é? O aperto…
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— Não,, não, o que acontece é que… Eu não gostaria de entrar com a conversa por aí, porque não…. mas posso lhe dizer, posso lhe dizer uma coisa, talvez assim entenda melhor. Poderia dizer que, para as populações de, em Angola talvez não tanto, mas mesmo assim, para as populações de Luanda, assim como em Moçambique, as populações de Lourenço Marques e da Beira, e talvez até Quelimane, não sei. A , a guerra era uma coisa que se passava lá ,prá cima, não sei quê, e mal de nós se algum dia aí chegasse, não sei quê
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— Distante, não é?
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— As pessoas sabiam da guerra aquilo que se dizia, aquilo que ouviam, ou aquilo que liam
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— Mas os vossos ouvintes também eram essencialmente brancos, não é?
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— Ah sim. Mas também havia… sim,
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— Estou a perguntar…
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— Não, porque a certa altura a Rádio Clube Moçambique montou uma coisa chamada A Voz de Moçambique, que era as emissões em línguas, em…em línguas, em dialectos.
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— Então mas conte-nos lá isso.
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— Ah, foi?
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— Era.
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— Isso é uma coisa interessante, não é?
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— Era na cave do edifício. Era um estúdio onde, em cada duas horas se mudava de língua.
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— Ah, que giro.
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— Porque era Moçambique, Moçambique, como é que é o caso de Angola também, Moçambique tinha..
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— Tinha não sei quantos dialectos, não é? _ Tinha dialectos que era uma coisa doida
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— Aí que se notava perfeitamente, até no modo, não só no…
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— Então como é que foi … e, portanto, faziam emissoras em diferentes dialetos, é isso?
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— Fazia-se emissões.
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— Emissões, emissões, eu sei.
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— Fazia-se emissões em vários dialetos.
0:01:38.040
— Em vários dialetos.
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— Enquanto cá em baixo em Lourenço Marques era o ronga, aquilo ia por ali acima, até que às duas por três se estava numa linguagem quase que árabe, não era? Aliás, o traje das mulheres. Enquanto a mulher de…
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— Isso começa quando, esse tipo de emissões em dialecto?
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— Essas emissões em dialecto começou aí… começou aí … em 69, ou coisa que o valha. Por aí talvez. Tinha lá um grande amigo, que era o Samuel Dabula que me ensinava palavras em, em, em ronga. Que era o bom dia e passava Lichile.
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— E vocês tinham alguma popularidade, por, sei lá, como figura da rádio… Como é que era…
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— Sabe que nesse tempo…
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— … era estrela em Lourenço Marques?
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— Para quem sabia quem nós éramos.
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— Mas é isso que estou a perguntar!
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— Essa, essa..a rádio, e aqui..
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— Aqui havia as meninas da rádio, essas coisas.
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— Sim, mas aqui havia o mesmo fenómeno. Quer dizer, as pessoas em casa, fabricavam o locutor segundo o que estavam a ouvir. Deve ser um tipo alto, loiro… que não sei quê.Depois quando conheciam o tipo “ah, tem piada, julgava que o Sr. era mais alto, julgava que o Sr. era mais baixo”, não sei quê. Depois havia um grupo de amigos, famílias e não sei quê. E quer dizer, às duas por três aquilo constava… que, não há ninguém em Moçambique que não soubesse quem eu era.
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— Pois é isso que estou a dizer, era entrevistado…
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— Assim como se chegar aqui a Évora e perguntar onde é que mora o Sr. Rafael da televisão, toda gente lhe diz onde é que eu tô. Eu, eu entro num, por exemplo, num táxi e digo “Pra casa”. Pronto, está o casso arrumado Vem me deixar aqui.
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— Mas, de qualquer maneira, nessa altura, também havia com certeza revistas e a imprensa.
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— Tínhamos uma revista própria.
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— Então…
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— Tínhamos uma revista própria que era da Rádio Moçambique, que saía todos os meses.
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— E aí também aprecia a sua cara, não é? A sua e dos outros.
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— Na capa saí uma vez. Como saíam praticamente todos. No interior era consoante o que houvesse pois aparecíamos sim, claro que aparecíamos.
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— Pois.
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— Claro que aparecíamos.
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— Eu gostava também de saber, de alguma maneira, teve.. nunca sentiu constrangimentos em termos da liberdade de expressão?
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— Não, não.
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— Nunca foi, sei lá…
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— Não.
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— Em termos…já não estou só a falar de conteúdo, em termos da expressão… linguística… tá a ver o que estou a dizer?
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— Esse tipo..que tipo de orientações…
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— A expressão linguística…
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— Para além dos conteúdos, que tipo de orientações
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— Não, cultivávamos o português. Tínhamos uma certa vaidade em saber falar Português. E aqui em Portugal deve-se dizer que se falava o português. E a Emissora Nacional, pese lá embora…, a Emissora Nacional fazia, fazia bons programas e tinha excelentes locutores. Ah, sim! Hoje não! Pra já hoje não há locutores, há os chamados animadores. Chegam a estar 8 horas num estúdio, que é, que é perfeitamente errado. O estúdio, a partir de duas a três horas de trabalho, deve ser substituído quem está lá, porque está cansado, tá fatigado. E o locutor naquele tempo não inventava, não ia pro telefone, pro microfone contar histórias da carochinha. ou rir-se despudoradamente às gargalhadas, como é hoje esses programas com as meninas e os meninos, os Rui Marqueles e os Alvins isso são palhaços, não são locutores.
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— Mas fa..,já agora, fa..fa…ainda tenho a outra pergunta que lhe tinha feito antes. Que tipo de orien.. além do português…
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— Não [imperceptível] por exemplo, não se diria uma coisa que… se diz hoje muito vulgarmente na rádio e não sei quê… e, ficou num, num completo estado de nervos e não sei quê, quem é que conversa é essa!
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— Pois.
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— Hoje usam-se expressões aqui na rádio… e até os próprios jornais, não sei quem arrasa não sei quem, mas quem arrasa, qual arrasa o quê? O António Luís Rafael arrasou a Maria Júlia. O que é que é isso?
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— Olhe, e outra, outra coisa..
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— Nos cultivávamos o Português.
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— Mas, mas tá a falar, pronto, dos nossos, dos nossos locutores agora mas a questão, que eu lhe ia perguntar é, a preparação prévia de um programa o que é que implicava? Por exemplo, o que é que…se… se quiser qual era o seu procedimento, o seu quotidiano?
0:06:00.099
— O programa era assim…
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— O seu quotidiano na…
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— O programa era assim. Se o programa… eu não tinha programa todos os dias, eu todos os dias fazia a minha emissão e a emissão eram sistematicamente eram mandadas para a cabine folhas, às cores, a folha da manh.., o período da manhã eram folhas brancas, o período da tarde, o período a partir do meio-dia eram folhas verdes, o período da tarde até às sete e meia da noite eram folhas azuis e depois as folhas finais que iam até ao fim da emissão eram cor-de-rosa, que eram rubricadas pelo locutor, eram… tínhamos, tinhamos uma discoteca com um milhão de discos, e tínhamos programadores… a gente era obrigado a to… o..a…tínhamos umas caixas, à esquerda era o disco para tocar,depois de tocado ia pro, pra caixa prá direita,
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— Hum, hum.
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— Depois eram substituídas as caixas conforme iam acabando. Ha…música portuguesa, música não sei quê, depois entrava um programa gravado comercial ou não comercial ha.. depois continuava com a música não sei quantos e não sei quê. E a gente seguia aquilo, não, não púnhamos os discos cá da nossa cabeça. A programação vinha feita. Depois…nós locutores, nas horas em que não tínhamos cabine, a nossa vida não era fazer duas horas e meia de emissão e ir pra casa, ficávamos lá a fazer as sete a oito horas do regulamento. Nessas sete horas, fazíamos locução para outros programas, programas gravados. Ou, tínhamos à noite, o auditório pra fazer… pra apresentar as variedades, ou para apresentar a orquestra típica, ou não sei quantos. Se os nossos programas próprios, se era só texto, a gente fazia o texto, emendava-o, pf, passava-o à máquina, às vezes espaços e em letra grande que era para não haver… confusões. E íamos gravá-lo ou até fazíamos em directo. Se, se o programa tinha interferência musical, a gente ia fazendo os parágrafos, depois ia-se colocando efeito. O efeito que era um separador, musical. Quando era disco era memo, quando era disco para tocar na íntegra, escrevia-se disco. Então depois íamos à secção de… íamos à secção de… onde estavam os técnicos de som, os pro.. os homens especializados em música, e entregávamos o texto, e eles depois é que ilustravam o texto com a música.
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— Ah.
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— E depois vinham ter connosco e diziam o que é que tinham… eles é que escolhiam… Pronto, o programa não era um programa único, o programa era…tinha uma abertura e um fecho, tinha uma cabeça e um fecho, que era sempre igual, até para as pessoas referenciarem, olha.
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— Claro.
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— Mas depois, durante o conteúdo do programa, podia ser ilustrado: a música subia, a música baixava, ou a gente falava com a música em fundo, e depois a música ia desvanecendo e ficava assim, e era só a nossa voz, depois quando a música era para subir, começava-se a ouvir ao longe, quando chegava a altura subia, isso tudo era feito plos, plos homens que eram especializados em montagem musical.
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— Hum, hum.
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— Que depois discutiam connosco, aqui ficava bem isto, aqui ficava bem aquilo.
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— Isso era… portanto, um dia de trabalho seu, para além da sua emissão, depois ia, tinha esse trabalho…
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— Tinha esse trabalho de preparação..
0:09:13.629
— Eu tô a tentar entrar no seu quotidiano, está bem?
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— Podia, podia ter muita coisa para fazer e podia estar na minha secretária , porque todos nós tínhamos secretária, havia a sala de locutores, podia estar na minha secretária a conversar com quem estava lá ou ler o jornal ou qualquer coisa.
0:09:24.610
— Pronto, geria como entendia.
0:09:24.610
— Geria o tempo. Podia ter, podia ser um dia extremamente ocupado ou podia ser um dia em que até fazia emissão e não tinha mais nada pra fazer, ou qualquer coisa assim do género.
0:09:34.990
— Pois, era..
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— Ia beber um café ao bar que era no terceiro andar, ou ia à pastelaria que tínhamos no rés-do-chão.
0:09:34.990
— Sendo uma empresa com, com a dimensão que é, não é, deveria… enfim… ter…
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—Aquilo era um mundo
0:09:43.270
— Era um mundo.
0:09:43.270
— Era um mundo, era um pequeno mundo.
0:09:52.419
— Pois é, mas era, era, era sobre esse mundo que tava, que eu…tou aqui a tentar perceber, não só seu quotidiano, como… no fundo…quando eu há um bocado lhe perguntei como é que era, digamos… assim, simplificando, um, um, um dia rotineiro pra si, tá a ver o que tô a dizer?
0:10:11.949
— Um dia rotineiro era ir fazer a emissão.
0:10:11.949
— Era, sair de casa…
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— Fundamentalmente, podia ser assim: ha..eu podia estar inserido no, no tempo de estúdio das dez da manhã ao meio-dia e meio, podia entrar às 8 horas, faz de conta, e depois as horas de estúdio contavam como horas de trabalho e depois completava. Ou podia entrar na hora em que entrava no estúdio e quando acabava a emissão, completava as horas de trabalho e aí eu poderia ter qualquer coisa pra fazer. Um…sei lá, um magazine pra gravar, uma coisa a duas vozes com um, com colegas…ha
0:10:46.570
— E essa programação toda… era feita por quem?
0:10:56.200
— Era feita..
0:10:56.200
— O responsável…
0:10:56.200
— … o serviço de produção.
0:11:00.580
— o serviço de produção.
0:11:00.580
— Que tinha um director de produção que tinha vários assistentes e que, que definia o que é que se fazia e o que é que se não fazia.
0:11:03.880
— No fundo era quem, quem geria… era agenda, não é..
0:11:12.490
— Agenda, também havia a agenda da informação, a agenda….
0:11:12.490
— Pois é uma outra coisa, não é…
0:11:12.490
— A informação tinha um… dois ou três funcionários que cuidavam da agenda, que sabiam o que se ia passar, o que é que interessava, e não sei quê. Porque o Rádio Clube Moçambique depois, a partir dos anos 71 ou 72, criou emissores regionais em vários locais, que a maior parte do dia era a emissão nacional que estava no ar, mas eles próprios tinham uma emissão de x horas por dia para fazer. Assim criamos centros, centros, centros de emissão na cidade da Beira, em Quelimane, em Nampula, em Tete… e acho que mais nada. Acho que mais nada. [imperceptível] durante o dia transmi…o noticiário do meio-dia e meio e o noticiário das sete e meia da noite era transmitido pela rede toda, era nacional, mas eles tinham seu noticiáriozinho [imperceptível] lá e tinham a sua programação. Faziam, por exemplo, uma programação…não, não abriam às 6 da manhã, mas abriam, por exemplo, às 9 da manhã e faziam uma emissão local até às 11 horas ou ao meio-dia Depois o resto da tarde era a emissão nacional, depois à noite voltavam com coisas locais, e não sei quê, e era assim que funcionava. Na língua deles, na língua deles.
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— Pois, pois.
0:12:30.590
— Não usavam o Português. Pelo aquilo que eu percebi, a, a,…enfim, as relações com o regime foram… sem problemas, não é?
0:12:48.300
— Não, não eram conflituosas, não? Não eram conflituosas.
0:12:49.850
— E, não houve problemas com outros seus colegas, por exemplo, nem nada? Estou a perguntar que é para perceber…
0:12:54.350
— Ah quer dizer! Até os casais que se amam profundamente e que juraram amor para toda a vida têm os seus problemasitos. Ah, de vez em quando poderia haver umas quezílias, mas não era de…
0:13:03.770
— Mas não houve assim ninguém a, a, a ser despedido? Nem coisas dessas?
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— Não, não, não, não, não, não, não, nunca houve processos disciplinares, nunca houve nada disso.
0:13:12.620
— Quando havia qualquer coisa que eles consideravam que era justo chamar a atenção da pessoa, chamavam -na, chamavam, venha cá a baixo, eh pá olhe você, não sei quê, espalhou-se, não diga, e tal, não sei quê, não diga, não faça, pf, estava arrumado.
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— Nem… e aquilo nem sequer era usado no futuro, nem nada.
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— Já outro dia você, não sei quê, não, não, não havia, não havia nada disso.
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— Agora, nós entre os colegas, nós entre os colegas, tínhamos às vezes pequenas rivalidades, porque um tinha conseguido um disco, ou porque o outro tinha conseguido um disco, ou não sei quê, que tinha posto no programa dele, um programa qualquer que ele tivesse, não na emissão, que a emissão era proibido alterar os discos,
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— Eu, por exemplo, arranjei um problema, a…arranjei lá um problema…que não, não era um problema para processo disciplinar, levei um raspanetezito, mas eu achei piada na mema. O Carlos do Carmo tinha ido lá…tinha ido lá à feira comercial de Lourenço Marques que era a Facime Tinha ido ele, tinha ido o Arnaldo Timoteo do Brasil, tinha ido, a mãe do Carlos do Carmo, que ainda era viva, e… depois numa segunda semana, ou não sei quê, foi lá o Max e…mai não sei quê. Bom! O Carlos do Carmo disse-me a mim: sabes, agora quando chegar a Lisboa vou ter um lançamento de um disco, muito bom, que vai ter um, um trecho musical, que nós presumimos que vai ser um grande êxito em Portugall, e foi, era “As canoas do Tejo”. Disse, eh pá, vocês os, os cantores quando, quando vêm cá , a Moçambique, prometem sempre, que quando chegarem lá mandam a última gravação e não sei quê e nunca mandam nada, O Carlos do Carmo é um homem de palavra, é. Ele disse e se estou te a dizer que te mando o disco, vou te mandar o disco, até mais, vais tocar o disco primeiro cá do que eu lá. E então ele, ele… já não sei se me telefonou ou se mandou recado, bom… chegou ao foyer TAP…me telefonou…o disco nem veio pelo correio nem nada. O disco foi entregue, não sei se foi ele que o foi entregar, se alguém por ele, foi entregue a uma hospedeira, ou um comissário da TAP, com conhecimento do comandante que aquele disco ia para Moçambique, para me comunicar ao sr. Rafael que o disco ia lá. Então eu recebi uma chamada, a dizer que, no voo desta tarde, o avião chegava sempre três horas da tarde, três e meia: levamos uma coisa para si do Carlos do Carmo,
0:15:43.950
— o disco, calhou o disco chegar a um domingo, e calhou estar eu de serviço…na emissão das 5 às 7 e meia, ou coisa que o valha, que era uma hora em que andava
0:15:57.690
— muita gente a passear de carro na marginal de Lourenço Marques
0:15:58.190
— E a ouvir rádio
0:15:58.690
— E a ouvir rádio
0:15:59.190
— E eu… fui ao aeroporto buscar o, o disco, que era um LP…fui lá ver o tal [ imperceptível]. Eh pá isto é bestial! E não estou com meias medidas, quando entro na emissão, aí por volta das seis da tarde, não sei quê: Carlos do Carmo, que ainda há pouco tempo esteve em è…esteve em Lourenço Marques, não sei quê, não sei quê, fez chegar hoje às nossas mãos o disco que vai ser lançado na próxima segunda feira em Lisboa, amanhã, coisa que o valha, temos o privilégio de ser os primeiros a tocar, e vamos, escolhemos aqui três faixas, e tal, mas, como é, como é costume no mundo do disco, há sempre uma uma faixa que é a faixa, o disco pode ser muito bom mas a faixa não sei quantos é que é é que é aquela que faz carreira na rádio. As canoas do Tejo, toquei as canoas, e começou logo os telefones a tocar
0:16:53.750
— Eram os ouvintes a ligar queriam saber onde é que se comprava o disco. Não há disco nenhum, isto, isto são um disco que está aqui no rádio clube…
0:17:02.560
— A relação com os ouvintes era assim, dessa proximidade?
0:17:05.930
— Ah, era, telefonavam e… e passavam as chamadas à cabine. Mas não era para irem para o ar, as chamadas não iam para o ar!
0:17:08.280
— Não havia essas…não havia “telefones toca” , nem não sei quê…
0:17:13.340
— Não, não…não, não…não havia nada disso, porque a, a produção do rádio clube considerava que era um perigo, manter-se estilo de programa com conversas dessas, porque do outro lado podia aparecer uma pessoa inconveniente, que começasse a dizer palavrões, ou coisa assim. Não…não.
0:17:25.600
— Temia-se que…
0:17:27.729
— Queria falar com o senhor Rafael quem é que fala, fala fulano. Ligava o telefone para a cabine dizia: está aqui o sr. fulano passe a chamada Ou, tá aqui um ouvinte diz que é por causa…e eu, então passe lá. E eu dizia: boa tarde…É o sr. Rafael…olhe meu amigo diga muito rápido o que quer, porque eu non…não há tempo a perder pro telefone. Ah, é por causa disto…não, nada disto..não sei quê…pronto, acabava.
0:17:46.970
— Porque a gen..o telefone na cabine tocava com uma luz…não, não, não tinha campainha. Era uma luz que nós tinha…começava a piscar …e, e não sei quê…é que era o telefone. Bom, concluindo…— Mas vocês tinham aquele tipo de programas com, em que…com espectáculos, com… abertos aos ouvintes, não?
0:18:04.010
— Não… mas abertos como?
0:18:05.140
— Com, com, com…
0:18:12.790
— Discos pedidos? Não, não tou…não, agora estou, tou a dizer, nos vossos espectáculos… Vocês tinham salas com com orquestras, não é. Essas orquestras não tinham… não tinham público…nunca? Eh, não tinh…
0:18:23.390
— Não tinham…estava esgotado. Estava esgotado, estava esgotado porque o , a entra….aquilo era assim.
0:18:24.900
— A entrada como é que era?
0:18:27.919
— A entrada era gratuita. Os ouvintes tinham é que ir ao Rádio Clube buscar um bilhetinho para entrar porque a sala levava 200 e tal pessoas e não metia mais ninguém. — Ah, e as pessoas iam lá…
0:18:42.410
— E as pessoas iam buscar…muitas eram crónicas…a gente já os conhecia quase que os tratava por tu, outros não. Aquilo a…aquilo aí… o programa começava às nove horas e as pessoas tinham que estar sentadas até à um quarto para as nove, mas aí às 8 da noite já à frente do Rádio Clube aquilo era um …[ imperceptível] era uma confusão de gente.Não. Aquilo tinha, tinha assistência Eu toquei três, toquei três músicas do Carlos do Carmo, toquei duas vezes as canoas do Tejo e no outro dia fui chamado à produção. Porque me tinha permitido anular a programação do Radio Clube que estava, programação que era de discos, e eu [ imperceptível]
0:19:19.340
— eh pá, vamos lá ver uma coisa, eu concordo que de fato pisei o risco, mas até eu dei a possibilidade ao Rádio Clube de Moçambique, de transmitir em primeira mão, uma coisa de um artista português, que não é um nome qualquer, que mais ninguém tem, nem o Rádio Clube tem, o disco está na minha mão, é meu, eu até posso emprestá-lo ao Rádio Clube, se querem para porem nas edições, mas o disco é meu, E depois no outro dia começaram os colegas que tinham outros programas a pedirem-me o disco emprestado.
0:19:50.800
— Toquem eu já toquei ontem..pf, portanto, tá, tá feita, tá feita a saída do disco
0:19:57.240
— Eu assim. O meu chefe de produção disse: Você tem razão, eu tenho de lhe dar razão, mas não o devia ter feito. Mas está a conversa acabada, a conversa acabou aqui, até lhe dou os parabéns, foi um tiro dos antigos o rádio Clube nunca deve ter tido [ imperceptível] como esse bocado. Mas foi uma rabocada, quer dizer, foi uma rabocada.

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