António Luiz Rafael – Parte 4 de 15

Com António Luiz Rafael. Entrevistado por Júlia Leitão de Barros * Registado por Paulo Barbosa * Évora 27 de Março de 2017.

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Então, todos os, todos os lo, todos os locutores, diariamente, tinham um período de emissão de cabine.
0:00:09.010
— Sim.
0:00:09.010
— As emissões eram, o período que abriam era das 6 às 10 da manhã, das 10 ao meio-dia e meia, do meio-dia e meia às duas e meia, das duas e meia às 5, das 5 às sete e meia e a da desgraçada (??) da noite, das sete e meia à uma. Mas atenção: cada locutor só fazia por semana uma abertura e um fecho — Ah. — Assim como os Natais e o Ano-Novo eram um (??) — Eram rotativos.
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— Quem fazia esta (??) não fazia enquanto não corresse os outros todos. Quem fazia o Ano Novo também só fazia o Ano Novo, e xxx(??) isso. Nós éramos 14 locutores. Nós éramos 14 locutores, Entre os quais chegou a estar, durante um ano ou dois, já morreu, o Amadeu José de Freitas, que foi um homem que xxx(??) que foi locutor em xxx(??). Foi pra Moçambique, depois teve que resolver alguns problemas e aí foi-se embora.
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— E depois, a parte da informação, tava a me dizer, não é, portanto, já falou do entretenimento, na informação que, que também fazia às vezes, é isso?
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— A informação não. — Podia ser destacado ou não, pra isso? — Não. — Não. — A informação quem era?
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— A informação tinha um chefe de serviços redactoriais com os jornalistas, que fabricavam os, os, os jornais, os noticiários que nós líamos de dia. O noticiário principal era o das sete, os da 19:30, e era os da doze, era os das 12:30 e das 19:30. E depois tínhamos noticiários de hora a hora, curtos, 5 minutos, 4 minutos. Os principais chegavam a ter 20 minutos. Sempre lidos em directo. E sempre lidos pl’o, pl’o locutor que estava de serviço.
0:01:42.989
— Ah era o locutor que lia as notícias..
0:01:48.119
— Era o locutor de serviço.
0:01:48.119
— ok.
0:01:48.119
— Chegávamos ao pormenor, as folhas do noticiário, eram mandadas para os.. havia lá um, um…a gente chamava lá servente, era um contínuo. E o contínuo ia levar-nos o noticiário à redacção já emendado. Cada notícia estava numa folha. Imagine uma folha A4 rasgada ao meio.
0:02:09.510
— Sim.
0:02:09.510
— Um noticiário tinha uma molhada de folhas assim com este aspecto. Cada folha era uma notícia. Se a notícia era grande continuava na folha seguinte, mas com uma particularidade: as folhas do noticiário eram folhas de papel de jornal.
0:02:27.180
— Sim.
0:02:27.180
— Numa tipografia, cortavam-nos papel de jornal a esta medida. E porquê? Porque no mudar de folha não se podia ouvir o barulho no microfone.
0:02:34.890
— Ah.
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— E só isto no microfone fazer isto… A folha do jornal é bassa, escorrega uma na outra e não se ouve nada. Veja lá ao ponto a que a gente chegou.
0:02:34.890
— Pois, claro, claro.
0:02:45.930
— Havia um caderninho que saía todas as semanas, mandado pelos serviços de produção, a dizer aos locutores se apareciam nomes estrangeiros, como é que aquele nome se pronunciava. Porque ouve uma época em que uns diziam Kissinguer, outro Kissinger, outros diziam Kisinguer. E isso acabou. A produção quando aparecia… quando foi primeiro-ministro de França, um senhor Mesmer, havia quem dissesse Mesmé, e não sei o quê. Toda, toda a gente… Uns que diziam barragem de Cahorabassa, outros diziam de Caborabassa Tudo isso acabou. Houve um chefe de produção que disse: “não, isto aqui cada um não diz o que quer, isto é tudo igual.” E era assim que se trabalhava, e tínhamos uma regência de estúdios, onde estavam 3 funcionários, durante todo o tempo da emissão, a render-se, que acompanhavam as emissões todas. E tomavam notas dos gatos, dos erros, do disco que….
0:03:29.980
— Quem é que eram essas figuras? — Essas figuras eram funcionários, eram administrativos. — Hum, hum.
0:03:37.642
— Tomavam nota o disco entrou em mau estado, como os discos ainda eram os, eram os vinil, às vezes o disco tava picado, o disco encravou. O locutor enganou-se a ler e não sei o quê. Deixou o sinal, o sinal horário não saiu à hora correta.
0:03:52.750
— Controlavam a qualidade.
0:03:56.740
— Controlavam, mas não, não nos castigavam. Se a coisa era um bocado grave chamavam-nos a atenção, mas não, não havia essa…
0:04:04.390
— O ambiente era… — O ambiente era fraterno. Havia trabalhos para todos, éramos todos vedetas. Não havia estrelas, éramos todos bons. — E, e… olhe…
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— Que aliás era uma particularidade de África. Não havia problemas, não havia zangas nos empregos, havia emprego pra toda gente.
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— Pois. Um ambiente diferente. — Ah, olhe, há tempos um colega meu disse-me assim: Ó António, eu aqui em Portugal é que tive a noção de que nós em África éramos felizes. Porque nós lá não andávamos felizes. Foi preciso vir-se embora para chegar à conclusão de que éramos felizes. E foi quando tive a noção do que é que era a felicidade. Ia lhe perguntar também em relação, por exemplo, à censura…
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— Não tínhamos.
0:04:44.260
— Não havia ali interferência..
0:04:51.470
— A rádio era a única que não tinha censura.
0:04:51.470
— Ah era…
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— Mas depois…
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— …então como é que era temas.. passou pelo, pelo, sei lá, Humberto Delgado…
0:04:56.200
— Falava-se, falava-se.
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— Como é que era, como é que era… Não se podia, não se podia era exacerbar, mas também não se exacerbava a situação vigente. Éramos factuais.
0:05:01.910
— Sim.
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— Éramos factuais. Quando, quando a guerra colonial, entrou na fase mais acesa então passamos a ter censura.
0:05:18.559
— Ah, foi só nessa altura?
0:05:18.559
— Foi só nessa altura.
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— E ela entrou como?
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— Tínhamos um, tínhamos um.
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— Havia lá uma pessoa, não?
0:05:18.559
— Tínhamos um senhor que era professor que tal como aqui também era quase todos professores. Tínhamos um professor que, uma hora antes do noticiário ia lá e via o noticiário.
0:05:32.659
— Mas isso só veio com a guerra, foi?
0:05:32.659
— Mas os senhores tinham consideração por nós. Quer dizer, nós até a própria polícia política lá do.. [imperceptível]é pá a gente não se mete em nada queremos lá saber disso para alguma coisa. Quem quisesse meter-se no assunto que se metesse. Tínhamos uma vida tranquila nesse aspecto, tínhamos uma vida tranquila. Se bem que por vezes faziam certos ajustes, em vez de por esta palavra ponham esta, não sei quê. Nunca, nunca houve necessidade de cortar parágrafos ou… Nos jornais em Lourenço Marques sim, eles tinham, tinham alguns problemas, cortavam-lhes às vezes, este parágrafo não pode ir..este, este não sei quê
0:06:12.490
— Mas na rádio não?
0:06:12.490
— Na rádio não. Tinham confiança em nós.
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— Porque a rá.. porque era uma rádio que era um clube, não é, portanto, como é que era sustentado financeiramente?
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— Aquilo era assim, aquilo chamava-se Rádio Clube Moçambique porque era porque era uma estação que tinha sócios.
0:06:26.350
— Sócios, pois.
0:06:26.350
— Tinha, pois tinha, tinha, tinha direcção, assembleia geral e conselho fiscal. Mas, na prática… aquilo era uma estação do Estado, praticamente.
0:06:37.560
— Mas como é que …se era privado ou era…? Subsídios, era?
0:06:37.560
— Não, a estação vivia de um subsídio do Estado, mas sobretudo vivia dos lucros da publicidade. Sobretudo da publicidade que vinha da África do Sul, que era transmitida por o canal inglês.
0:06:49.600
— Era esse o grande suporte.
0:06:49.600
— É esse o grande suporte. Nós financeiramente funcionávamos muito bem.
0:06:54.700
— Pois.
0:06:54.700
— Mas tinha os sócios e os sócios tinham direito de ir lá. Tínhamos uma sala… o terceiro andar era uma sala portuguesa …
0:07:05.350
— E pagavam bem? Desculpe lá tar..mas é…
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— Pagavam bem, pagavam, pagavam.
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— Como é que era o seu salário…
0:07:09.550
— Os locutores eram divididos por locutores de, de terceira classe, segunda e primeira.
0:07:09.550
— Ah, e, e, esse, esse ascendente como é que era?
0:07:09.550
— Esse ascendente…
0:07:09.550
— Havia uma carreira, digamos assim?
0:07:09.550
— Esse, esse, esse ascendente, quanto a mim, ainda hoje, tomo-o mais como um prémio, do que propriamente como um, um, uma alteração na função. Os locutores de primeira classe eram efetivamente os que faziam os horários.
0:07:34.450
— Tinham mais controle…
0:07:34.450
— Os horários nunca eram iguais todas as semanas, como já lhe disse quem fazia essa semana…era assim.
0:07:39.130
— Sim. A entrada e a saída…
0:07:39.130
— Exactamente. A entrada e a saída era porque eram os mais complicados, porque era o que se saía mais tarde, mas o sair mais tarde nem era muito bom porque íamos para os copos.
0:07:50.789
— Continuavam.
0:07:50.789
— Continuávamos. Os da manhã é que de facto eram aborrecidos porque tinha-se que acordar muito cedo, tinha-se que acordar muito cedo. Mas os ordenados eram ordenados bons. Um, um locutor de primeira classe no… um locutor de primeira classe no… nos anos 70, enquanto aqui a Emissora Nacional pagava a um Artur Agostinho, ou , ou a um Pedro Moutinho, ou a uma Maria Leonor, pagava aí cinco contos, ou seis contos, que era um bom ordenado para a época aqui, era dinheiro, nós lá já ganhávamos cerca de vinte contos.
0:08:28.160
— Bem, então era uma grande diferença.
0:08:28.160
— Ganhávamos bem, ganhávamos bem.
0:08:28.160
— Isso era os de primeira classe. E os de terceira classe?
0:08:34.190
— Os de terceira classe andariam aí pelos dez contos, onze contos.
0:08:38.420
— E essa progressão era feita internamente…
0:08:38.420
— Essa progressão, essa progressão era feita pelos serviços de produção, que analisavam o comportamento dos locutores e propunham à direção a promoção. Porque, quer dizer, houve casos, em que chegamos a uma altura em que o subgerente da estação e o gerente da estação tinham sido antigos locutores.
0:08:55.430
— Pois.
0:08:55.430
— Eu poderia, perfeitamente, se lá continuasse, podia ter chegado a subgerente. Se, se eles entendessem. Os meus colegas também poderiam pensar o mesmo. Mas, quer dizer, era uma via aberta, que eu poderia ter ido lá, não era escândalo, não era escândalo.
0:09:17.313
— Sim.
0:09:18.760
— Portanto teve lá quanto tempo afinal?
0:09:18.760
— 26 anos.
0:09:18.760
— 26 anos, portanto.
0:09:18.760
— 26 de rádio e 25, 29 de televisão.
0:09:27.170
— Pois, já iremos à televisão. Agora ainda estamos na rádio. Mas nesse, nesse seu percurso da rádio, enfim, aquilo que… tem alguma coisa que, que queira assinalar como tendo de alguma maneira, sido para si, particularmente gratificante, em termos profissionais,
0:09:43.150
— Foi, foi.
0:09:43.150
— Tá a ver um momento ou uma situação,
0:09:50.300
— Uma das coisas, uma das coisas… eu tinha um programa que se chamava “A hora das vedetas”, que era transmitido às quintas-feiras, das 9 às 10 da noite, era gravado. Esse programa era composto praticamente por o que havia de novidades, porque a BBC mandava-me discos, eu consegui ter um, através de uns locutores da secção inglesa, consegui arranjar um amigo em Londres, que eu depois, mais tarde, tive com ele em Londres, que me mandava as gravações do que estava nos hits.
0:10:20.089
— Actualizado mesmo.
0:10:20.089
— Aqui em que Portugal só cheiravam aquilo não sei quantos… Em compensação tínhamos dificuldade com a música portuguesa.
0:10:28.313
— Ah, era?
0:10:29.420
— Porque as gravadoras aqui não nos ofereciam discos.
0:10:29.420
— Ah não?
0:10:29.420
— Se quer o disco tem que comprar. E eles não compravam. Maneira que chegavam lá muito tarde. Mas curiosamente não faziam isso com Angola.
0:10:36.880
— Ah era? Havia um tratamento diferenciado?
0:10:36.880
— Era, era, era. Mas também a música desse tempo também o que é que era, o Artur Garcia, o Artur Calvário
0:10:44.290
— O cançonetismo, o nacional cançonetismo …os fados
0:10:44.290
— Pois, e hoje é o nacional pirismo…
0:10:55.070
— Também , também não, não… bom, isso é outra história.
0:10:59.142
— Isso é outra história. — O que eu penso acerca, o que eu penso acerca da música portuguesa…
0:11:02.770
— Mas recebia então.. — Recebia, recebia e fazia esse programa. Mas fora disso, eu tinha contactos muito fortes na África do Sul, o que quer dizer que eu praticamente ia duas, três vezes por mês à África do Sul. E quando iam lá artistas, porque à África do Sul ia tudo, tudo… ah…e eu tinha lá bons contactos e eles diziam-me, olha pá daqui a 3 meses vem cá fulano tal, então trata já, combina já uma entrevista lá com o agente dele, e não sei o quê, depois mais tarde dizia: É no dia não sei quantos, no.. às tantas horas, no hotel não sei o quê, podes ir lá, porque já tem o nome. Assim eu entrevistei o Gilbert Bécaud assim eu entrevistei a Françoise Hardy, assim entrevistei o Paul McCartney, assim eu entrevistei… não esse foi em Lourenço Marques, entrevistei o Roberto Carlos em Lourenço Marques com o cabelo muito comprido, mas também foi uma grande complicação toda gente queria entrevistar o Roberto Carlos, tinha que se marcar, não sei quê. Entrevistei a Catarina Valente, ah, entrevistei o Rui [ imperceptível], o pianista, entrevistei o António [ inperceptível], que era maestro de música de concerto. Esse meu programa que ia às quintas-feiras era transmitido depois, porque mandava-se [imperceptível] era transmitido em Angola, pela emissora oficial de Angola, e era transmitido pla, pla rádio de São Tomé e Príncipe
0:12:22.330
— Ah é, portanto, era retransmitido.
0:12:22.330
— Mandava-se a gravação e eles transmitiam, transmitiam lá
0:12:28.710
— Vocês tinham ligações?
0:12:30.350
— Tínhamos, tínhamos, tinhamos. Dávamo-nos muito bem. A minha regente, chamemos-lhe assim, em Angola, era a Sara Chaves, por uma razão muito simples, nesse tempo havia muito problema com os cambiais, quer dizer, eles de Angola para me pagarem o que, o que eu tinha não, não podiam, porque o conselho de câmbios, e não sei quê… Era um problema. Vinha-se a Portugal tinha-se que ir ao conselho de câmbios explicar o que é que se vinha cá fazer, e não sei o quê, e lá por favor lá nos deixavam trazer cinco contos ou dez contos, ou coisa assim do género. Era muito complicado. Então a Sara Chaves, eu passei-lhe uma procuração, ela recebia-me o dinheiro em Angola, depositava-me no banco de Angola e eu quando me apetecia ia a Angola e tinha lá dinheiro.
0:13:07.087
— Quer dizer, fartava-se de viajar então.
0:13:07.087
— Viajava muito, muito, muito. Eu África conheço-a toda, da Tanzânia pra baixo, até à Cidade do Cabo, conheço tudo. Tudo, tudo, tudo. Tive em todo lado. Fiz a independência da…, fiz a independência do Niassalândia, que é hoje o Malawi, fiz a independência da Suazilândia, fartei.me ..fiz o [ imperceptível]
0:13:28.780
— Mas nesse caso se fez a independência aí era jornalista, ou não?
0:13:28.780
— Não, ia como locutor e
0:13:35.040
— Mas ia como locutor e…
0:13:35.040
— Como tinha o backgroud de ser…
0:13:35.040
— É isso que eu estava a tentar perceber, tá a ver?
0:13:42.130
— Vamos por as coisas deitando um bocado a vaidade para cima dos ombros, vamos ver uma coisa. Eu de facto era bom no improviso. Eu era capaz de estar a falar cinco horas…está um dia muito bonito, está não sei o quê, quer dizer, era evidentemente a pessoa em quem eles confiavam para serviços de certa responsabilidade. Não é porque os outros fossem uns ignorantes, mas de facto eu, eu salientava-me no meio daquilo tudo. O que é que eu hei-de fazer? O que é que eu hei-de fazer?
0:14:02.660
— Pronto, mas é isso que nós queremos saber. Portanto não era só locutor, é isso que estou a tentar…
0:14:11.000
— Não, quer dizer, a minha função era locutor, eu, eu era funcionário da casa na qualidade de locutor.
0:14:15.200
— Locutor.
0:14:15.200
— Mas se ia, se ia que cobrir… a independência…
0:14:20.450
— Sim, mas isso são coisas episódicas…Por exemplo, as idas à África do Sul era eu que pagava a viagem, de, de ida e volta, o Rádio Clube apenas beneficiava
0:14:23.630
— Das suas viagens…
0:14:23.630
— Deixava-me ir, não me punha problemas que eu dizia, eh pá, eu daqui a quinze dias tenho que ir a Joanesburgo. “quem é desta vez?”… então pronto ok…a gente vai marcar aqui. Pronto, eu dava-lhes o serviço e não lhes cobrava nada por aquilo. Tinha um gozo muito grande em fazer aquilo. Ia todos os anos fazer a entrega dos oscares, da música, em Joanesburgo, que era os saris[?]… Enfim, andava muito. Esses serviços de… quando iam os governadores gerais, não iam um governador geral todas as semanas, nem todos os meses, os ministros que iam lá ver… ministro do Ultramar…Eu, eu estive com Salazar aqui em Lisboa. Quando foi a, quando foi a…
0:14:55.820
— Veio cá a Lisboa para cobrir…
0:14:55.820
— Vim cá a Lisboa Vim cá a Lisboa. Foi assim: Eu estava a dormir repimpadamente em minha casa, porque acho que tinha feito a noite, tava a dormir, toca o telefone, e era a telefonista do rádio [ imperceptível], “ah Rafael, desculpa lá acordá-lo, mas o Sr. Presidente”, o presidente era o presidente da direção, “precisa falar consigo”, e a gente nesse tempo pensava logo o que que eu teria feito. O presidente quer falar comigo, que era uma pessoa que eu encontrava na rádio e “bom dia Sr.”, “bom dia Sr, tá bom”, “ah, Rafael”..
0:15:45.410
— Quase não se falavam. Era distante, não era?
0:15:45.410
— Sim, o homem estava lá, era presidente, xxx(??). Ah, ele disse para o Sr. vir pra cá com muita urgência. xxx(??) alguma coisa que a senhora saiba. “Ó Sr. Rafael, eu não sei, parece que houve uma coisa qualquer xx(??) com o Salazar xxx(??), não sei o que.”
0:16:04.889
— Ah, foi nessa altura?
0:16:04.889
— Não, não foi nessa altura, a coisa que ele ia contar era outra, mas esse era um exemplo.
0:16:09.360
— Sei.
0:16:13.199
— Então xx(??) você vai às 2 horas pra Lisboa. xxx(??) Quer dizer, você vai a Lisboa pra fazer o funeral. Tive que ir a Lisboa xx(??)
0:16:23.369
— Ele nunca mais morre…
0:16:23.369
— xx(??) Eu já entrevistei os ministros todos, já entrevistei o Cardeal xxx(??), já entrevistei o ministro do trabalho duas ou três vezes, ehh, já não posso ver o Dr. Vasconcelos Marques ao pé de mim só pra dizer que o Sr. presidente tá na mesma,
0:16:52.050
— Está estacionado.
0:16:52.050
— a pressão arterial é de não sei quantos e a febre é de não sei quantos. Eu não tenho mais nada pra mandar. Mas eu não tô a fazer cá nada, e aqui pra nós xx(??) não dá pra fazer. O Sr. está recuperado, vai ficar aí com sequelas, e não sei o que. Resolvi ir embora. E vim embora. E ele faleceu dois anos mais tarde. Mas aí já não fui eu que vim cá fazer, não vim cá fazer funeral nenhum. Transmitimos a emissão que a emissora municipal tava a fazer, que era uma emissão muito longa, tinha os Jerónimos, tinha comboios, mais não sei o que. Uma pessoa sozinha não vinha cá pra cidade pra fazer isso.
0:17:04.860
— Pois.
0:17:04.860
— Tinha que ser uma grande equipa. Mas essa que eu tava a falar foi a homenagem dos municípios portugueses a Salazar. Eu disse epa, e se Salazar me fizesse uma “mensagemzinha”…
0:17:39.689
— Mas isso foi em que ano, não se lembra?
0:17:39.689
— Isso deve ter sido em 71.
0:17:39.689
— Porque havia homenagens quase sempre, não é?
0:17:39.689
— Foi 70 ou 71, por aí, talvez, 70 ou 71. A guerra já tinha começado. E eu vim a Lisboa porque vieram os presidentes da câmara de todo o país, xxx(??), de Angola, Macau, Timor… E eu vim xx(??) também já morreu. Aquele que eu falei com o filho dele outro dia ao telefone.
0:18:15.920
— Que eu falei com ele.
0:18:15.920
— Esteve a falar com ele e ele perguntou por si. “Já foi aí?”. Não, é segunda-feira. Teve a falar com ele.
0:18:15.920
— Foi ele que me deu… Mas continua. Fui ali ao xx(??) para falar com o Dr. Caetano de Carvalho, que era o homem que estava abaixo do secretário de estado, que era Cesário Moura Baptista. “Então o que há desta vez?” Ó Dr. ele desta vez estava, assim, é pá, eu não tenho condições, nem me deixavam entrar, tava cá a fabricar, mas aí aquilo assim, aproveitando a ida ao palácio de Belém, ao Palácio São Bento, fazer lá a transmissão pro Rádio Clube Moçambique, e não sei o que, se o Salazar, no fim, diria umas palavrinhas pro Rádio Clube xx(??) Moçambique, uma coisa de um minuto. “Pá, eu vou ver”. xxx(??) xxx(??) dizia assim olha, eu falei com o doutor… era secretário, presidente do conselho, qualquer coisa, não lembro agora. O Dr. disse pra você ir e xx(??) chegar no fim pra ir ter com ele. Que o Dr. Salazar vai ver o que vai conseguir. Fui cheio de esperança. Quando acabou xx(??), um homem novo ainda. Então vamos ali ter. Esse Sr. Senhor, da Rádio Clube Moçambique, ah, muito prazer. Mas então o que era? Era não sei o que, não sei o que. Olhe, vamos esperar que o Dr. Rodrigues xxx(??) Depois nessa altura terá alguma coisa pra dizer. E muito boa tarde pro Sr. — Foi assim, foi só.
0:20:12.107
— Só, mas não gravou nada.
0:20:19.850
— Claro, xx(??), uma complicação toda.

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