José Pote Magriço – Parte 10 de 27

Entrevistado por Paulo Barbosa – Registado por Claúdia Figueiredo Lisboa 11 / Julho/ 2017.

Greve geral na RTP * diferencial engenheiros eletrónica / operadores * aparecimento da SIC e TVI * negociação direta no auditório * greve geral na RTP * SIC oferece o dobro do ordenado * a SIC impunha exclusividade.


0:00:02.820
P Barbosa— Anos 80. Há uma greve geral na RTP, em que o Sr. Magriço me tinha dito que foi das únicas ou das primeiras vezes em que pararam mesmo, no fundo, a emissão, vá lá, ou pelo menos pararam a empresa. Como é que isso aconteceu? Por quê?
0:00:15.839
JP Magriço— As greves, as greves são sempre partes de dois gumes, é como uma faca bem afiada. Mas na, naquele aspeto, correu bem, relativamente, porque não houve ninguém ferido, no meio desses gumes. Mas a RTP passou por uma fase reivindicativa, e eu posso declará-lo sem problema nenhum, que quando cheguei à RTP nos anos 80, no início dos anos 80, deparei-me com uma situação que tinha sido resultante de negociações de acordo de empresa em que os técnicos a que eu pertencia, ao grupo a que eu pertencia, é, tinham sido relegados para segundo plano, dado que havia um diferencial salarial da ordem de 25{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} entre o desempenho das minhas funções ou das funções dos meus colegas, na própria carreira, porque nós iniciávamos como, não é bem, como aprendiz de, mas era um período de integração profissional, depois havia o tempo em que indivíduo estava como técnico de eletrónica, e depois passaria à posição de supervisor, ou desempenho de coordenação de uma equipa, e a carreira tinha três ou quatro degraus, e tinha como responsável técnico, que era o topo da carreira. E não se podia passar dali a não ser que viesse a desempenhar qualquer função da ordem de chefia e isso  eram 3 graus básicos, ou quatro, no máximo. E o que acontece é que o acordo da empresa também não previa que na carreira este processo travava um determinado nível dentro da estrutura da empresa. Portanto, não havia possibilidade de progredir mais dentro da estrutura. E os operacionais tinham dois ou três graus só, nós tínhamos quatro, eles tinham dois ou três. Mal entravam, entravam num nível abaixo do nosso, quando eram contratados o técnico de eletrónica já era contratado a 25{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} acima, isto em termos salariais. Para o operador, para um desempenho de início de carreira. E esse acordo em 76, é, para os sindicatos, para tentarem negociar com a empresa, dado que a maioria dos operadores, eram a volta de 600, ou 500 e tal, e havia cento e poucos técnicos. Estão a ver? Portanto há aqui um quinto, sei lá, havia aqui um diferencial significativo de técnicos relativamente aos operacionais. Operacionais eram… tinham muito mais peso, em termos de estrutura em termos salariais. Mexer no salário deles era mais confuso, não é? Porque qualquer coisinha que fizesse era multiplicado por um valor superior. Nós fomos relegados, isto aqui, relegados é um termo um bocadinho forte, mas fomos cedendo nas negociações, de maneira que os sindicatos disseram assim: como vocês são cento e tal, isso depois corrige-se mais tarde. E então nivelaram no nível da carreira no princípio, ou seja, os operaci… os técnicos mantiveram o valor que tinham na negociação e os operacionais passaram a ganhar o mesmo. Estão a ver? Eles tiveram uma ascensão e nós ficamos, em vez de nos elevarmos, o diferencial, criaram um diferencial de mais 25{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374}. Então éramos cento e tantos, então, houve que ceder e o sindicato, os sindicatos não era só um sindicato, eram os vários sindicatos, acabaram por ceder maioritariamente era o sindicato STT, porque era o que estava mais onde estavam vinculados a maioria dos trabalhadores da área técnica e operacional. E quando cheguei à empresa, pronto, fui esclarecido sobre esse aspeto. Iniciamos de seguida uma tentativa de sensibilização dos quadros da empresa, as chefias etc., que nos estavam a gerir, que havia a necessidade de numa futura negociação vir a corrigir todo este processo. E quando a empresa começou a fazer sua renovação tecnológica, agravou-se a situação por uma questão também da ordem estrutural. O presidente da direção da empresa vem anunciar ao país que a empresa está em recuperação económica, e portanto, até ali o estado não estava a cumprir com as suas obrigações naquela participação para os trabalhos que eram efetuados pela RTP, nomeadamente para o ensino, telescola e outras coisas do género, e portanto havia ali um desfasamento, orçamental, por o estado não estar a participar. E a tentativa era: se vão corrigir isso, se vão dar mais dinheiro à empresa, se a empresa se vai renovar tecnologicamente, se o financiamento da tal 5 de outubro, estava em nascimento, tinha sido já anunciado, é claro que os trabalhadores e os sindicatos procuraram bem então agora é também a altura de vir, virmos a beneficiar ou compensar esses diferenciais. E essa luta, de certa maneira, durou quase dez anos. Foi iniciada nos anos 90 e tal e no, sei lá, 93, 94, deu-se tal greve maior porque havia um descontentamento e as pessoas sentiram que a empresa tinha capacidade para melhorar as condições. Também é preciso ter em atenção que os da RTP estavam em segundo ou terceiro lugar a nível do escalonamento das outras atividades semelhantes ou associáveis que eram… a Marconi era quem ganhava melhor, portanto, os técnicos de eletrónica ganhavam melhores, ganham mais do que nós, os técnicos operacionais também ganhavam mais, quer dizer, mas também era a entidade em Portugal que melhor pagava. A ANA também pagava melhor, portanto, a ANA não, a entidade anterior à ANA que fazia a gestão do tráfego aéreo. Portanto, todos os técnicos eletrónicos distribuídos ao longo de todas as carreiras e, sabíamos necessariamente também que os que pagavam menos era o Rádio Renascença. Portanto, tínhamos uma noção do enquadramento dos salários e dos desempenhos funcionais, dentro de determinados limites e tínhamos a noção de que a luta era difícil, mas os sindicatos eram quase comuns, mas aceitavam desigualdades de acordo com as circunstâncias negociais que conseguiam obter. Mas este processo iniciou-se e, portanto, e iniciou-se por espontaneidade, não foi por ação direta do sindicato, ou seja, o sindicato estava naquela posição, é, pá, estes indivíduos vão nos criar, estes vão nos criar dificuldades, não é? Portanto, a própria, a própria… mas também se juntavam quando necessário, não é? Era estratégico.
0:07:32.529
P Barbosa—Vamos lá ver o sindicato dos operadores e dos técnicos era o mesmo sindicato?
0:07:39.279
JP Magriço— Era comum, o sindicato era comum.
0:07:39.279
P Barbosa— Mas então vamos lá ver essa greve que foi feita…
0:07:43.449
JP Magriço— Mas depois criaram outros sindicatos para nos dividir, está a ver? Portanto, criaram pra ali um, uma situação, a CGTP, e a UGT, portanto havia ali a participação de dois sindicatos, ou 3, e depois o PSD também, os profissionais também queriam eles ter também a ação ativa dentro do, da divisão, naturalmente, não é? Portanto não éramos um bloco, estávamos ali um pouco… mas quando se criavam condições de melhoria de condições, quer de trabalho, estão a ver, que eram fundamentais, condições que também eram exigidas à empresa, também não cedia nem todos os, às reivindicações que eram na altura tentadas obter. Eram pretensões da época, estão a ver? Mas o salarial era, era nítido, portanto, e tão, era tão flagrante que nas reuniões o sindicato tinha a maioria das pessoas a votar eram operacionais, não eram os outros que os outros mesmo que quisessem contrariar também não tinham grande hipótese. Estão a ver? Então essa sensibilização às estruturas da empresa começou nesse processo e à medida que se iam obtendo negociações várias, uma delas deu origem a uma rutura. Portanto, essa foi a do período de greve, portanto, que a emissão transitou e que havia piquetes de greve, eu tive integrado no piquete também, portanto, para garantir, e garantir que os si… que a estrutura não era violada por ninguém. Violada neste aspeto, não se aproveitassem a situação de greve para provocar o… destruição dos meios e… porque ali estava o posto de trabalho em causa também, não é, portanto, os piquetes de greve também funcionam para tentar persuadir as pessoas à greve e ao mesmo tempo garantir que o… não se vai pôr em causa o seu posto, não é. Portanto, é nessa época havia essa mentalidade, acho que ainda hoje é comum, não é? E havia os serviços mínimos que também eram garantidos.
0:09:48.910
P Barbosa— Mas quem fez greve foram só os técnicos ou os técnicos e os operadores?
0:09:53.620
JP Magriço— Os operacionais fizeram todos, foi foi uma dimensão e envolveu também a parte administrativa, embora não tivesse tanta expressão. Estão a ver? Portanto, porque aí havia outras dificuldades de outra ordem, porque os administrativos ainda um maior número do que os, os operacionais e os técnicos. E portanto havia uma série de dificuldades, embora tivesse por solidariedade todos tivessem com com os movimentos. Mas portanto foi esse movimento foi assim e que decorreu desta forma, não…
0:10:26.010
P Barbosa— E conseguiram subir os salários?
0:10:26.010
JP Magriço— Vamos ver. Algumas melhorias houveram, mas decalagem maior significativa foi quando apareceu a instalação da SIC e da TVI. Portanto, aí, durante esse período de certa forma as coisas ficaram proteladas e só houve realmente uma mudança significativa dos enquadramentos nas carreiras profissionais e na melhoria salarial efetiva, não para todos, porque isso depois já é a empresa sabe dividir muito bem, portanto, isso é comum ao longo da história, é dá a uns porque os outros, para os outros se sentirem divididos e desintegrados do sistema. E não, não dá as mesmas facilidades, por exemplo, argumenta que este tem mais um mês, aquele tem menos um mês, este leva o outro já não leva, portanto. Ê pá, é é degradante este processo. E então, aconteceu foi que só com o aparecimento da SIC como projeto é que a RTP começou a ser pressionada a outro nível para melhorar as condições das pessoas que lá trabalhavam em termos de condições laborais e condições de salariais. Portanto, que eram os dois fatores que contribuíram mais para nomeadamente a formação e outras coisas do género que as pessoas pediam. E portanto, foi nessa fase é que foi possível negociar e foi a primeira vez que houve negociação direta. Não sei se sabem o que é, que é a administração e os seus representantes numa plateia, ou no palco, e os trabalhadores e os sindicatos do lado da plateia.
0:12:11.440
P Barbosa— Mas todos os trabalhadores ou só representantes?
0:12:16.540
JP Magriço— Todos os trabalhadores e para além dos que estão lá representativos das entidades sindicais, estes estavam garantidos, havia mais apoio, havia a sala, o auditório, tinha mais pessoas que se interessavam por saber o que se passa. Portanto, havia uma atitude diferenciada. E a primeira vez a RTP juntou o diretor de informação, diretor de produção, os vários diretores administrativos, e portanto, a parte financeira, parte representativa da administração estava perante negociação. E era propostas votação e decisões tomadas sobre essa..
0:13:03.070
P Barbosa— Estamos a falar no momento em que a SIC arranca, portanto..
0:13:03.070
JP Magriço— Antes da SIC arrancar já este movimento estava definido e, portanto, a partir daí, havia alguns trabalhadores, é evidente, e todo, e isto quando acontece houve aliciamento, aliciamento no bom sentido, entre aspas não é. Mas a própria SIC necessitou de vir a fazer recrutamento num único local. Já havia produtoras também. Mas o único local em que lhe dava garantias de qualidade era nalguns quadros, em alguns operadores que eram ou por motivos de descontentamento ou porque ganhavam menos, ou porque eram confrontados com salários que rondavam quase o dobro, portanto, e isto criou um descontentamento não só nas várias faixas etárias, no desempenho de cada um, portanto alguns foram, não direi que foram só os competentes e ficaram os incompetentes, houve um misto, uma vez que decidiram, eu fui dos que foi contactados para ir e que depois de uma determinada é um enquadramento que era permitido eu ia numa situação em que não me agradava muito, porque sujeitava-me a uma exclusividade, é e eu não queria garantir exclusividade a ninguém, portanto, queria ser autónomo e livre em termos de decisão, não ter que agora não posso trabalhar no outro lado ou não posso fazer mais nada na minha vida, não posso fazer nenhum trabalho extra, é o que está aqui programado e, portanto, eu não aceitei isso, não aceitei, portanto.
0:14:44.290
P Barbosa— Mas a nível de montantes de salários quando a SIC ia aliciar os tais operadores e técnicos eles ofereciam valores sempre superiores aos da RTP?
0:14:54.580
JP Magriço— Sim, sim. Valores superiores aos da RTP, para levar as pessoas a não terem dúvidas sobre a decisão. E, portanto, alguns conheço, eram meus amigos e foram e, portanto, e alguns portaram-se bem e outros menos bem, mas, portanto, o que acontece é que, pronto, criaram… havia… os níveis de descontentamento dentro das empresas refletiram-se ali, portanto, não é só porque eu vesti a camisola e queria estar na RTP, não era só por isso, era porque o ir era ceder a coisas que eu não queria. Portanto, a opção foi minha, mas davam-me o dobro do salário, e davam-me um Audi da época, portanto, não era por isso que eu não… mas isso não me afetou muito, está bem, porque eu considerei que a RTP tinha, tinha consideração por mim e eu também teria que ter consideração pela própria entidade que… já estava lá há uns anos, não é, neste caso há mais de dez anos que já trabalhava na RTP e, portanto, não era por só me aliciarem com dinheiro que eu iria.

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