António Luiz Rafael – Parte 6 de 15

Com António Luiz Rafael. Entrevistado por Júlia Leitão de Barros * Registado por Paulo Barbosa * Évora 27 de Março de 2017.

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— Nessa altura havia estudos da audiência? Como é que vocês sabiam as pessoas que estavam a ouvir?
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— Não, não havia estudos de audiência. Não. E é uma coisa que eu ainda hoje tenho dúvida é nos estudos, nos estudos da audiência. E nas, nos, no, nas, nas, nas sondagens para as eleições.
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— Mas então como é que, quando vocês passavam publicidade, como é que era contabilizado o custo da publicidade se eles não sabiam a vossa audiência? Não o, a, o Rádio Clube de Moçambique era, era, era único, não havia mais estação nenhuma a fazer-nos concorrência.
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— Não havia sequer clandestinas nem nada?
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— Não, não, não. Havia uma estação de rádio na Beira que era propriedade do aeroclube da Beira, que essa estava sim, essa estava [ imperceptível]. E havia, na Beira, uma rádio religiosa, que era a Rádio Pax, se a memória não me falha, que tinha os estúdios na sacristia da igreja, mas que trabalhava uma hora por dia, duas horas, e aquilo era só igreja, mais nada. A gente em Moçambique só havia a Rádio Clube Moçambique, mais nada. Assim como em Portugal, quando cheguei cá só havia a RTP, não havia mais nada.
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— Portanto tinham…
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— De maneira quer dizer os anunciantes, quando faziam contratos com a Rádio Clube Moçambique, isso não me passava pelas mãos, faziam contratos de, para tantos anúncios. Depois antigamente os anúncios eram lidos pelo locutor que tava na cabine. Mas depois começou a moda de . fazer os jingles. Começaram os anúncios a ter músicas, a ter efeitos…
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— E também deviam ter…
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— Tavam gravadas em cassetes, aquelas cassetes que haviam antigamente
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— Os concursos, não é, não tinham concursos, cá em Portugal, muitas vezes aqueles concursos que se abriam nas rádios também serviam para ver a popularidade. Não havia concursos assim… tá a ver, concursos radiofónicos.
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— Nós tivemos uma vez, um concurso que era… tocava-se num programa uma música, e não sei o quê, mas havia um disco que as pessoas tinham que descobrir quem é que cantava o disco ou quem é que cantava no disco, como é que se chamava a música, ou como era o autor da música, ou autor da letra, qualquer coisa assim do género. Mas é quisso foi episódico não, não resultou grande coisa… Não resultou. Uma coisa que resultou em [imperceptível] foi um contrato que a gente fez, que fizeram connosco, salvo erro a Colgate, que era o… os..o..os coisos , como é que se chama?, as novelas. Aquelas novelas que … transmitia aqui em Lisboa, da Maria, da cochinha
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— Ah sim, sim, sim.
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— Aquilo era transmitido em Moçambique, pelo Rádio Clube Moçambique, de segunda a sexta, entre, aquilo era um quarto de hora, era um quarto… das 18:45 às 19., mandavam-nos aqui de Lisboa as bobines, as bobines de arrasto com… duas semanas de programa ou coisa assim do género. Por duas ou três vezes, sucedeu o facto, sucedeu o facto, do avião da TAP por qualquer motivo ter falhado. Resultado: as bobines não chegaram nesse dia [imperceptível]… ui… as donas balbinas, como a gente lhes chamava, as donas balbinas, insultavam o Rádio Clube por o telefone. Mas isto não é nosso! Isto é uma coisa que nós recebemos da metrópole. O avião que traz isto traz x episódios, mas o avião hoje não veio, ficou encravado não sei onde. Ainda eram os [ imperceptível] ainda não eram os boeings. Ficavam normalmente no cano, encravados no cano. Aquilo era um drama desgraçado. E aí é que gente via como o Rádio Clube Moçambique era ouvido. Éramos muito ouvidos. Toda gente ouvia o Rádio Clube Moçambique. Ia-se pela rua fora só se ouvia radio…em todas as casas, nas lojas e não sei quê. Depois da independência sim, agora há não sei quantas rádios em Lourenço Marques. … 25 de abril, como é que foi essa fase? Pra si, [ imperceptível].
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— O 25 de abril foi assim:
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— Não estavam à espera.
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— …eu fazia a emissão das 10 da manhã ao meio-dia e meio, saí de casa era 9 e um quarto, quando saí de casa encontrei à porta da rua o meu amigo Francisco Lira, que era instrutor dos automóveis, de condução, mas era fadista no Rádio Clube, tinha boa voz. E diz-me o tipo assim: “Ó Rafael, o que é que se passou em Lisboa?”. Sei lá. Mas por quê? Eh pá, o Rádio Clube desde de manhã que está a tocar uma música, sem ser cantadas, orquestra Mantovani, orquestra não sei quê. Sem explicações, dizem de vez em quando que é o Rádio Clube e não sei quê, depois agora o fulano não sei quê disse-me ali na pastelaria que não sei quê que houve para lá uma revolução….Foi assim que eu soube do 25 de abril é isto mais ou menos que…cheguei ao Rádio Clube tava tudo com cara de caso, claro, tava tudo.. oh, pá, mas afinal o que é que se passou? eh, pá, houve lá uma coisa, os militares ….contaram-me… o que se sabia na altura, não é? Bom, estamos proibidos de dar a notícia.
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— O governador [ imperceptível]
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— O governador que estava.. que deve ter recebido ordens de Lisboa desse género O próprio, o próprio Jornal de Notícias, que era o principal jornal, havia, havia dois jornais em Lourenço Marques, era o Notícias e era o Diário. Só que o Notícias tinha edição da manhã e tinha o vespertino, tinha o Diário da Tarde, o Notícias da tarde. O Notícias tentou atirar pra rua uma emissão extra, uma, uma edição extra, não o autorizaram. E o próprio Notícias da Tarde nesse dia só saiu cerca das oito da noite, foi quando a notícia foi desbloqueada. Mas mesmo assim foi desbloqueada com certo cuidado, até porque não se sabia exactamente bem onde é que estava a verdade e onde é que estava a fantasia. Sabia-se que tinha havido uns militares e não sei quê. Já andavam uns nomes no ar, que a gente não sabia quem eram. Ah depois, depois…com [imperceptível] quando o jornal da manhã do dia seguinte já trouxe, dizia rebelião militar e coisa assim do género. Já não me lembro. Aquilo foi dado, foi sendo dado em doses, consoante a gente ia recebendo a notícia. Pronto, depois veio aquela história do governo português ter logo destituído no dia seguinte todos os governadores gerais das províncias…Não é verdade? Que sim senhor que a independência lhes é dada… Foi uma rapidez, maléfica, não é verdade?… Porque aí a independência a Swazilandia e a independência da [ imperceptível] desses países, levou uns anitos. Aquilo foi tudo muito discutido, muito trabalhado, muito reunido, muito consensual… como é que vai ser, como é que não vai ser… Não é a senhora estar aqui em minha casa e ir-se embora daqui a bocado. Não é assim. As coisas tem os seus tempos. A senhora veio aqui, fez o seu serviço, falou comigo e não sei o quê. É por isso que efectivamente nunca ninguém aceitou a descolonização tal como ela foi feita. Se bem que toda gente tinha a noção que aquilo não ia durar. Isso um dia há de mudar por qualquer razão, esperemos que mude com… tranquilamente.
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— Mas antes do 25 de abril notava-se alguma coisa?
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— Não, não se notava nada. Não se notava nada. Até lhe digo mais, tínhamos a noção que, que os, o movimento militar em Moçambique tava ganho. Mais um “anito” e ele tava ganho. Porque eles estavam a perder muita força, estavam a perder muitos apoios que tinham, segundo se dizia [imperceptível]. Pronto. O Rádio Clube passou a ter… bom, depois começaram a vir . .. começou a vir o pessoal, começou a vir o pessoal pesado [imperceptível]começou a chegar o pessoal que vinha do mato, guerrilheiros chefes, o próprio Samora.
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— Foram na rádio, não?
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— Foram, quer dizer, nomearam um director pro Rádio. Não, no rádio…
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— Mas tomaram conta do Rádio, não?
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— O Rádio foi tomado, foi tomado em conta pelo governo, que ficou instalado. Ficou com um director que era deles, o rádio… depois entretanto houve uma balbúrdia no 11, no sete de setembro, houve um assalto ao rádio, era o dia, era dia em que ia ser assinado o Acordo Lusaka, com o Samora e o Mário Soares, um grupo de 300 a 400 pessoas invadiu o Rádio Clube. Partiu aquilo tudo lá por dentro, isto é nosso, enfim. Depois foram expulsos, mas mesmo assim ainda tiveram lá dois dias. Haa.. o Rádio Clube passou a ter foi à porta… os militares da Frelimo para guardar.. o edifício e não sei quê. Começou a ser um bocado complicado porque eles vinham do mato, não estavam habituados a estar numa grande cidade, houve exageros, como há em tudo, não é?
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— Foi-se embora de lá quando?
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“— Eu vim-me embora… ainda passei lá o… É assim, o raciocínio que eu fiz foi: nunca fiz mal a ninguém, nunca tive problemas com ninguém, dei-me sempre bem com toda gente… por que é que eu vou…porque entretanto, Ah, entretanto começou gente a vir-se embora. E eu perguntava pelo jaquim, ê pá, já não vejo o jaquim há.. ah, o jaquim já tá a Lisboa, já se foi embora…outros foram para África do Sul Comecei-me a sentir foi um bocado sozinho, eh pá os meus amigos estão-se todos a ir embora. Mas a verdade é que eu dizia mas eu nunca fiz mal a ninguém porque razão é que eu vou fugir. se eu não… E tinha o exemplo do que eu tinha assistido nas, nas independências, que tinha feito o relato, em que estava, em que fui lá depois fazer serviços e não sei quê, aquilo tava normalíssimo…. fui à rádio do Malawi fiz lá um serviço, Fui lá à rádio de Malawi com a credencial para me transmitirem aqui pra, pra Lourenço Marques. Até me atendeu-me o director, que é um homem da raça negra, a quem eu entreguei a credencial, ah, sim, senhor, garantiu que dava para Moçambique e tal, vou chamar o chefe dos serviços técnicos pra combinar com ele, como é, carregou lá nos botões, oh mister não sei quantos chame o engenheiro não sei quantos, o engenheiro que apareceu era branco… tenho aqui o Sr. Rafael, mister Rafel, eles nunca conseguiam dizer Rafael, mister Rafel, tem isto, não sei quê, como é que acha? Ah, senhor director, olhe, acho que isto talvez pra chegar em condições, que isto daqui directamente pra Lourenço Marques, é capaz de não chegar bem, talvez a gente possa mandar isto via não sei quantos e não sei quê. O que é que o Sr. director acha? E dizia o director, “”ah não, o Sr. é que sabe, o sr. é que é o director técnico””.Eh pá, isto é porreiro [imperceptível].O que é que interessa lá o homem ser preto, ou azul, ou amarelo? É educado, isto continua. Que era essa a sensação que eu tinha que ia acontecer, não aconteceu. Não aconteceu. Mas quando eu mandei com um mês de antecedência a minha carta de demissão…eu fui chamado a, ao director. Por que é que o Sr. se vai embora? A gente quer que o Sr. fique cá. Fazer o quê? Ensinar os novos locutores. Mas a locução é uma coisa que não se ensina. Ou nós temos um mínimo de habilidade pra fazer isso e depois com o tempo vamos melhorando, ou então não se agarra numa pessoa e se diz você vai ser locutor e vai fazer. Não, não. Além do mais deixe-lhe que lhe diga… que eu habituei-me durante 26 anos a ver uma bandeira portuguesa hasteada e hoje vejo uma bandeira que é a vossa. Mas isso também não é problema. O que eu vejo é que, o Sr. estão aqui a fazer reuniões no Rádio Clube, políticas, convidam o pessoal todo a vir, que é um convite obrigação, não é? E só porque eu falhei, duas vezes, porque tava até com uma gripalhada de ambas as vezes, houve um colega que me disse o Sr. veja lá se arranja uma maneira de

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curar as constipações porque está a ter
constipações a mais. Isto é um aviso. E eu nunca fui sujeito a avisos. E os senhores estão a dizer que a gente tem que ir aos domingos ver como é que se cultiva um terreno, as idas à [ imperceptível] eu sou locutor da rádio, não sou, não sou agricultor. E as minhas colegas que andam a varrer os corredores, porque é a unidade de trabalho, não sei quê, todos têm que lutar pra que isto fique bom. As minhas colegas não são criadas, são, mas são dactilografas. De maneira que, ele chamava-se Mahuni [ imperceptível] o Sr.prefere que eu fique cá e ande aqui a representar um papel como os outros, a fingir que não sei quê. Na verdade a Frelimo não me diz nada. Ou o Sr. prefere que eu me vá embora sem criar problemas nenhuns, tranquilamente. Ah, se pensa assim então o melhor é ir-se embora. Tá bem. Estive lá mais um mês, e vim embora. Cheguei aqui em Lisboa em dezembro de 75. Mas já tinha tratado das minhas coisas, já tinha tratado das minhas coisas para me apresentar na televisão.”
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— Ah foi? Já tinha o trabalho na televisão?
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— Tinha promessa, mas a… era.
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— Mas concretizou-se.
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— Concretizou-se logo. O meu primeiro chefe, o primeiro chefe da reda.. da informação, foi o Dr. Veiga Pereira, não sei se conhece, ainda é vivo. Até me disse assim, é, pá, você está aqui coiso, isso deve ser uma baralhada pra sua , cabeça, hoje é dia 13, vá gozar mais a família, o Natal e o Ano Novo, depois..
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— E depois vem no princípio do ano.
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— Depois vem, em janeiro vem. Mas começaram-me logo a pagar a partir de dia 14 ou 15 de dezembro de 75. Quando eu recebi o primeiro ordenado pagaram-me aqueles dias. Depois pronto, depois fiquei lá. Fiquei, fiquei colocado na informação nacional, a trabalhar com o Cesário Borba, a trabalhar com o Balsinha, com Adriano Cerqueira. Olha [ imperceptível] com saudades.
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— Tá com saudades?
0:14:51.240
— Muitas, muitas saudades, das pessoas, muita saudades do Raul Durão, foi com essa gente toda que eu trabalhei… e… depois comecei a apresentar o telejornal, da noite com… Tínhamos 3 telejornais por dia. Porque a estação só abria…abria à uma hora da tarde, dava o noticiário e fechava. E depois abria às seis e meia. Então eu comecei por apresentar o telejornal da uma hora da tarde, juntamente com a Maria Elisa…com o Balsinha e com o Fialho Gouveia, olhe outro.
0:15:34.800
— Mas agora na televisão, quando chegou lá à televisão…correu tudo bem, as pessoas… trataram-no como um profissional já…
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— De vez em quando mandavam-me umas piadas.
0:15:42.969
— Porque na verdade tava a vir da rádio pra televisão, como é que é era, como é que foi a sua formação.. como é que foi isso?
0:15:50.389
— Não, não, isso foi benéfico, foi benéfico. Eu devo-lhe dizer qualquer pessoa que vá trabalhar pra televisão se tiver uma experiência da rádio. Tem…
0:15:54.280
— É vantagem.
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— Tem muito mais sucesso do que se, do que entrar directamente pra televisão. Não tenha dúvidas.
0:15:59.980
— Pois..
0:15:59.980
— [imperceptível uma escola em cima..[ imperceprtível].
0:15:59.980
— …sabe colocar a voz…
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— Sabe-se falar, sabe-se ler.
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— Pois. Portanto não teve formação nenhuma… não, não, o que é que lhe disseram?
0:16:06.960
— O saber ler não é agarrar neste papel e começar a lê-lo.
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— Claro, claro.
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— É interpretá-lo. Eu sou capaz de passar por cima deste ponto parágrafo e ir pra aqui e faço, faço uma respiração e continuo como se não houvesse um ponto final. Tanto que eu hoje pra fazer os livros, quando faço a revisão [imperceptível] mexem mais na revisão é na pontuação. Que não há maneira de acertar com a pontuação. Porque na rádio não havia pontuação. Ia tudo por aqui abaixo, lá vinha uma vírgula de vez em quando.
0:16:32.920
— Mas não teve formação, portanto, o que é que lhe disseram?
0:16:32.920
— Tive, tive formação, tive formação.
0:16:39.610
— Pois é isso, como é que entrou?
0:16:39.610
— Tive formação durante um mês e qualquer coisa, na Rua Francisco… porque antigamente a televisão estava disseminada por toda a cidade.
0:16:44.140
— Sim, sim, sim.
0:16:49.540
— Então o sector de formação era na rua Francisco Baía. Quem foi meu formador foi o Joaquim Furtado.
0:16:54.220
— Ah. E que tipo de formação é que era?
0:16:57.815
— Pois… era, era o Joaquim Furtado e o assistente da parte técnica era o Faria de Almeida…Não, deram-nos uns catrapázios onde estavam os fundamentos da televisão, a história da televisão, o que é que era a RTP, como é que se dividia, como é que se fazia, como é que era e não sei quê. E depois fizemos umas provas práticas e não sei quê. No meu caso disseram pronto você …só tem é que se adaptar a que a sua cara vai aparecer ou não sei quê, porque de resto..
0:17:23.410
— Portanto ficou com a locução outra vez, mas neste caso…
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— Não, eu não comecei logo a fazer os telejornais. Eu comecei a fazer os telejornais
0:17:32.290
— Mais tarde.
0:17:32.290
— Mais tarde, durante… o ano de 76, creio eu, lá pra meados do ano, não sei quê. Porque entretanto fazia voz off para o telejornal e acho que foi o Balsinha [imperceptível]… “eh, pá, este tipo tem uma boa voz, este tipo pode talvez apresentar”.. fiz um telejornal, fiquei. Depois, quando as emissões começaram a ficar um bocadinho maiorzinhas, o nosso grande telejornal, em determinada época, era o último, começava à meia-noite, meia-noite e meia hora. E porquê? Porque como a imagem era toda filmada e o filme tinha… e por exemplo, um assunto que acabava às 7 horas, não ia no telejornal das 8.
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— Não havia tempo, não é?
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— Pois se o filme tinha de ir para o laboratório, tinham que fazer os negativos, depois dos negativos tinham que fazer o positivo, depois tínhamos que ir pra montagem aquilo era metido nas mesas de montagem, para cortar e fazer as coisas e meter-lhe texto e não sei quê. Aquilo só ficava pronto lá para as 9 horas da noite. Concluindo: o telejornal começava à meia-noite, era um telejornal com 40 minutos, com uma actualidade que nunca mais acabava.
0:18:36.150
— Era o melhor.
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— Era tudo o que havia, tudo o que havia para dar. Tudo o que tinha acontecido durante… eh, alguma coisa que acontecesse às duas tarde ou às três da tarde, vamos lá, até às cinco da tarde, ainda era capaz de caber no telejornal das 8, mas qualquer coisa que fosse aí às seis e mais ou não sei quê, nem pensar, nem pensar nisso.
0:18:54.240
— Mas aí também…
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— Aí comecei a apresentar o telejornal da noite. Passei a ser conhecido por o careca da meia-noite.
0:18:54.240
— ah… E olhe, diga-me lá uma coisa: he… nessa…de qualquer maneira, estamos em 76, não é, 76, é um pe..enfim…é um período complicado em Portugal, porque estamos ali a sair da, do período revolucionário,
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— Não mas…
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— … as lutas na televisão são mais que muitas… como é que é isso?
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— Já não eram muitas. Quando eu cheguei quando eu entrei na televisão,
0:19:20.459
— A política no momento….
0:19:20.459
— Quando eu entrei na televisão…
0:19:20.459
— o Joaquim Furtado…
0:19:22.459
— Quando eu entrei na televisão já tinham feito os saneamentos que deviam fazer, já estava tudo saneado quem tinha que ser saneado. Que alguns voltaram depois. O grande choque que eu tive, cheguei à televisão e soube dos saneamentos, foi saber que o meu amigo Luís Andrade tinha sido saneado. Que era um rapaz que eu conhecia de miúdo de Lisboa… Mas que depois voltou. Quem fez o saneamento foi o irmão do, do engenheiro Sousa Veloso, não o Sousa Veloso da, das coisas
0:19:47.310
— Da agricultura.
0:19:47.310
— Da agricultura, o irmão dele. Fez uma lista, um porque não sei o quê, outro porque não sei quantos, andava pra lá um papel. O Expresso chegou a publicar isso. Os motivos que ele alegava para [imperceptível]. Depois voltaram.
0:20:02.430
— Portanto não, não apanhou com essa história…
0:20:10.139
— Não, quando cheguei isso já estava [imperceptível]. Não, mas ainda apanhei umas [ imperceptível]. Cá vai o colonialista… tás vestido à preto, porque ia com uma gravata às cores ou não sei quê. Ainda tive que aguentar umas coisas dessas.
0:20:22.560
— Ah, porque ter chegado de África levou com…
0:20:22.560
— O Jornal Diário, que era dirigido por Urbano Tavares Rodrigues. Era ministro da… ligado aos assuntos da Comunicação Social, o… Manuel Alegre. O Diário tinha, na primeira página, ao fundo do lado esquerdo, em rodapé, uma coisa diária que se chamava o Registo, uma coisinha assim com 15 linhas…que não era assinado. Mas presumo que era escrito pelo Urbano Tavares Rodrigues… Pronto aquele jornal era o que era. Mas vinha lá um comentário que… há muita gente pra, pra trabalhar em Lisboa, que não tem emprego… ha… pessoas qualificadas…e mais não sei quê, mais não sei, uma coisa assim do género, que eu já nem me lembro. Acho que ainda anda pra isso, não sei onde. Ha… entretanto estão a chegar os retornados, que foi sempre uma palavra com que eu embirrei quando me falam de retornados eu… até o cabelo que resta se põe em pé.
0:21:16.560
— É daqueles que defende que é refugiados..
0:21:16.560
— Não é refugiados. Eu sou de Lisboa, por que é que eu sou retornado?A questão é que houve uns que voltaram, os regressados.
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— Os regressados…Não é que há pessoas que defendem “refugiados”..
0:21:56.889
— Olhe…o pagador, o caixa da televisão, houve um colega meu que me disse olha que hoje podes ir lá, que aquilo era pago noutro sítio, era pago cá na Alameda das Linhas de Torres, noutro prédio, no 95, eh, pá, vai receber o ordenado, que hoje é dia de pagamento. A televisão pagava a 25, salvo erro. E vou lá e aparece-me lá um senhor que eu peço licença pra não dizer o nome, senhor baixinho, também calvo, cheguei eram cinco horas, mas aquilo estava aberto, eu disse olhe, eu sou novo na casa, chamo-me fulano, diz que tem cá o meu ordenado… “Pois, o Sr. é retornado, é dos retornados, está convencido que nós somos aqui os criados”, uma conversa assim deste género, eu vou fechar que são 5 horas e não sei quê. Eu digo assim: olhe, o sr., o sr. talvez vá ser a causa, de eu só estar um mês na televisão, mas olhe que antes de me ir embora, de me despedir, dou-lhe um murro na sua cara, que o sr. há de ser lembrar pra mim toda vida. O sr. vai chamar…vai chamar retornado a não sei quê. Desembestei, vim-me embora… No dia seguinte fui lá receber. O tipo não abriu a boca. Pagou-me. Ainda pagavam em dinheiro. Assinei lá o recibo, pronto. Eu vivia em São João do Estoril. Passado aí um mês a dois, passei a ir receber o ordenado todos os dias 25, dentro das horas de expediente, pra não… Não podia ver o homem. Mas ele… tinha lá um ajudante que… Bom, concluindo, estava eu na estação um dia, aí passado uns meses largos, estava eu na estação São João do Estoril à espera do comboio pra vir pra Lisboa, oiço uma voz, uma voz atrás de mim a dizer assim: olhó sr. Rafael, então o sr. é meu vizinho e não me dizia nada. Eu disse, pá, eu conheço esta voz. Viro-me e era o pagador. Era o tal homem a quem eu tinha…
0:23:45.990
— E então?
0:23:45.990
— Olhe, quer a doutora acreditar… que daí para o futuro eu tive que depois dizer que não me faça mais isso. Telefonava-me lá pra cima a dizer: sr. Rafeal [ imperceptível] é para dizer que já cá tem o seu ordenado.
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— Ah é, ficou… amigo.
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— Eu lembrava-me de uma coisa que o meu pai, meu pai me dizia: se queres criar um amigo, se ele arranjar algum conflito contigo, diz que lhe dás dois murros na cabeça que ele no dia seguinte é teu amigo. Palavras proféticas, com aquele resultou. Bom, concluindo, passei a fazer o jornal da… meia-noite, juntamente com um rapaz que já não sei como é que se chamava… Que era dirigido por um rapaz que também já morreu, que era o homem que organizava as touradas da RTP, que era o João, João, João… olhe, era um homem que ia atravessar a ponte no carro…foi o homem que até hoje foi mais, foi atendido mais rapidamente num acidente. O tipo ia a guiar o carro, perante, sentiu-se mal, o carro guinou, bateu numa das guardas da ponte e ficou estacionado. Atrás dele, mas imediatamente atrás dele, veio uma ambulância dos bombeiros voluntários de Cacilhas, que saíram da ambulância, abriram a porta de carta, do carro e meteram o meu amigo lá dentro. Levaram-no para o Garcia Horta, onde chegou morto, foi uma coisa no… um aneurisma. [imperceptível]todo preto. É.. esse é que era meu chefe de redacção da noite. Que chegava aí às 10 da noite e dizia: Bora careca. Tá aqui o jornal, tá tudo escritinho, tá tudo pronto. Vê lá se lês isso bem, que eu tenho mais o que fazer …
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— Mas quem é que era esse?
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— Eu não posso dizer o nome.
0:25:31.670
— Não pode dizer o nome…
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— Mas, eu vou para o meu emprego. O que é que era o emprego dele? Era ir para casa o Casino do Estoril. Era um jogador impenitente. Mas isto é o teu emprego? Não, isto aqui é um biscate que eu tenho. Ha… esse morreu com um aneurisma. Mas pronto e depois eu ficava sozinho na redacção.
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— Ah ficava lá sozinho?
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— Ficava lá sozinho com o contínuo. Até chegar a meia-noite, às vezes meia-noite e dez. Às vezes ia lá o Fialho Gouveia, ia o Eládio Clímaco, estavam também chateados do estúdio que não tinham nada pra dizer na altura, iam conversar comigo. O Fialho de Almeida, o Corte,Corte Real, que já morreu, que eram os locutores de continuidade. As mulheres apareciam pouco, a Elisa aparecia pouco, a Fernanda aparecia pouco, a Margarida aparecia pouco. Depois veio aquela rajada das Manuela Moura Guedes
0:26:13.360
— Mais tarde.
0:26:13.360
— Mais tarde. A Moura Guedes e a Fátima Medina que era sobrinha do Cunhal e mais a, a Margarida Mercês de Melo, de quem eu sou muito amigo, e sei lá, e…veio aquela malta toda, pronto.
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— Isso já é anos 80 não é?
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— Sim, estávamos na mudança para a 5 de Outubro
0:26:50.430
— Deixe-me só fazer uma pergunta em relação à apresentação do telejornal: quem escrevia? Eram jornalistas que escreviam os textos ou eram vocês próprios que faziam os textos?
0:27:00.960
— Até o 25 de abril, os jornalistas escreviam o texto e havia locutores para ler, que não conheciam o texto, que era o caso do Henrique Mendes, o Henrique Mendes não escrevia uma linha.
0:27:13.380
— Mas e, mas, mas aquilo que ele está a perguntar é que..de acordo com o que disse..
0:27:13.380
— De acordo com o que disse, nós escrevíamos as notícias.
0:27:13.380
— Ah, escreviam as notícias.
0:27:18.539
— Nós escrevíamos as notícias. Não porque fôssemos ler, memo que fosse outro colega a ler, escrevíamos as notícias.
0:27:22.950
— Sim mas… pois.
0:27:22.950
— As que eram para ser lidas que eram poucas. O fundamental de um telejornal é formado por reportagens. As notícias lidas pelo locutor que está a apresentar, há duas, ou três ou quatro, que são chamados off dois, que são lidas durante o noticiário. Mas essas podem ser escritas por outra pessoa qualquer que não o que está a apresentar. Também pode se dar a coincidência do que o que está a apresentar ter escrito essas notícias. Agora fundamentalmente os telejornais eram [imperceptível], eram formados por blocos noticiosos que eram feitos por nós todos, que depois eram alinhados consoante a importância.
0:27:57.720
— E portanto qual era o seu… agora vou fazer a mema pergunta que fiz há bocado…
0:28:02.159
— Eu fazia só nacional, porque havia o sector internacional, que se ocupava da actualidade internacional havia o sector desportivo, que só fazia desporto. Eu só fazia, só fazia assuntos que aconteciam em Lisboa.
0:28:11.700
— E, portanto, a…era jornalista e locutor.
0:28:11.700
— Era jornalista e locutor.
0:28:11.700
— Pois.
0:28:11.700
— Mas a categoria era jornalista, nunca houve a categoria de locutor. Havia sim os locutores de continuidade, que até depois acabaram.
0:28:22.740
— Pois, eram…
0:28:22.740
— Portanto, eu recebia de véspera que amanhã tenho que ir fazer não sei o quê à assembleia da república, tenho que ir ao ministério não sei quantos, às vezes havia dias que até só tinha uma reportagem pra fazer. Pronto, eu ia, voltava, mandava, mandava… mandava eu não, mandava o operador de imagem, mandava os rolos de filme, que eram rolos da Kodak de 120 ou 250 metros, pró laboratório, quando o laboratório tinha aquilo revelado he… mandava-nos uma cópia, cópia de trabalho, ficava lá, ficava lá como o negativo e mandava uma cópia com as imagens todas em bruto, a gente ia ver essas imagens escolhíamos a que queríamos, estávamos a trabalhar com uma montadora, já tínhamos escrito o texto, e depois a montadora inserdia, inseria os, as imagens que a gente dizia, olha essa não, corte aqui comece ali, não sei quê. Ela ia deitando para o lixo. Quando filme tava todo pronto, ela que já tinha com ela o negativo, ia ao negativo e ficava no negativo aquilo que eu tinha mandado montar. E então, essa é que era a peça que depois tinha que ir para o laboratório outra vez, para juntar a imagem ao som, porque o som era som óptico.
0:29:37.300
— Hum hum. Pois.
0:29:37.300
— O som era óptico, não era o locutor no, no estúdio que lia. Levava a voz dos colegas.
0:29:37.300
— Paulo, não queres aqui tu fazer nenhuma pergunta?
0:29:37.300
— De técnica não me pergunte muito que eu não sou, que eu não…
0:29:52.810
— Não, mas ele é, mas é, que ele é..
0:29:52.810
— Na organização da equipa, quantas pessoas eram necessárias para fazer uma reportagem?
0:29:59.640
— Três, três. Não, para fazer uma reportagem? Para fazer a reportagem ia o jornalista, ia o operador de imagem, e o assistente de operador de imagem, e o operador de som. Mais o motorista. No carro íamos 5.
0:30:14.670
— Porque o operador de som só filmava, o assistente limpava-lhe a máquina, que metia-lhes os magazans com os filmes, limpava-lhe as lentes, preparava, preparava-lhe tudo, punha a máquina no tripé, se era questão de tripé, depois o operador era que tratava do som. O operador de som, operador de som, nesse tempo ainda não havia microfones de lapela, montava microfones, tinha uma nagrata, trabalhavam todos com nagrata, e gravava o som. E ainda se fazia a claquete. Claquete. Palma. Porquê? Porque depois, quando íamos montar, ao bater dessa palma é que tinha que coincidir a primeira imagem e a, o primeiro som gravado. Porque depois tinha que haver sincronismo no movimento da boca que as pessoas falavam. Não podiam estar tipo a falar com a boca fechada. Maneira que o guia que a montadora de imagem tinha, era o jornalista fazer claquete, eh pá, o barulho da pancada da mão, era o princípio. E as mãos eram mostradas na máquina, que era….
0:31:10.180
— Mas quando chegava à sala de montagem, para fazer a, o corte da cópia de trabalho, já tinha o som magnético na, na sala?
0:31:19.940
— Já, já tinha o som magnético gravado.
0:31:24.130
— Pronto.
0:31:24.130
— Que era na outra sala.
0:31:24.130
— Bem, então e lá na, na…
0:31:24.130
— Mas também tínhamos som de outra maneira, sem ser o som óptico, se a peça chegava muito em cima da hora, numa máquina corria o filme, e noutra máquina corria o som. E como é que isso era feito? A operadora, de montagem, fazia, antes da imagem começar, tinha um bocado de filme onde ela com lápis termo-estático, como é que isso se chamava, fazia um sinal cruz e na, na, na banda de som fazia um sinal cruz, quando aquilo era metido na máquina, o operador tinha que juntar os dois sinais. O sinal da cruz que estava na imagem e a cruz que estava no som. Quando arrancava as duas ao mesmo tempo tava síncrono. Às vezes havia una falhançozitos. Era uma época heróica.
0:32:17.480
— Já que estamos nesta fase da, da tecnologia…
0:32:17.480
— Não me pergunte muito que eu não sou, já não sou..
0:32:17.480
— Não, não, mas ia-lhe perguntar se sentiu particularmente em alguma fase da sua vida a importância do avanço tecnológico, isto é, a questão do computador ou outras, ou outras que tais.
0:32:29.990
— Ah sim.
0:32:34.789
— Isto é, em que momentos é que… é que, está a ver o que eu… pergunta no sentido da sua profissão…
0:32:39.099
— Sim. Não, quer dizer…
0:32:39.099
— Já tivemos …viemos, estamos a vir desde os anos 40, não é, em que momentos…
0:32:43.820
— Tínhamos sempre que fazer uma reciclagem.
0:32:48.500
— Tinha formação?
0:32:48.500
— Tínhamos formação… por exemplo, a certa altura deixa-se de se escrever à máquina e cada um passou a ter um computador.
0:32:55.129
— Como foi essa formação, por exemplo?
0:32:55.129
— Fomos ao centro de formação.
0:32:55.129
— Lá da televisão?
0:32:55.129
— Mas aí eram aulas conjuntas. Os que estavam de folga iam…
0:33:01.100
— Quando é que isso foi, não se lembra? Portanto, foram chamados…
0:33:01.100
— Olhe, nós começamos com os computadores na 5 de outubro, ora nós fomos pra 5 de outubro, nos anos 80, na década de 80…82, 83, 84, sei lá, por aí, não, não lhe posso precisar. Mas sei que fomos pra pra, sei que fomos pra 5 de outubro, na década de 80. E sei que foi no 5 de outubro que começaram os computadores.
0:33:22.520
— E tiveram formação… e como é que foi a atitude..face à, face à..
0:33:27.920
— Falta de maleabilidade. Escrevíamos mais rápido à máquina do que se escrevia no computador. Depois é que começarmos a descobrir as vantagens do computador. Enquanto na máquina nos enganávamos e fazíamos x x ou tínhamos o, o papelinho branco pra coiso,na coisa andava-se para trás, tirava-se a letra e punha-se outra. Como hoje se faz não é?
0:33:48.680
— Pois.
0:33:48.680
— Mas, quer dizer, nunca tive simpatia pelas novas tecnologias.
0:33:52.880
— Pois eu ia lhe perguntar como era a sua relação com…
0:33:52.880
— Não gosto. Tenho ali um computador, não gosto de escrever, não sei fazer mais nada. Sei escrever, sei enviar, sei, sei ir ao Google, sei ir ao Facebook, sei copiar imagens e não sei quê. Agora, meter coloridos, pintar as imagens, fazer desenhos e não sei quê, não percebo nada, nem quero saber.
0:34:04.250
— Sim, mas de qualquer maneira foi se, foi-se, foi-se…actualizando, não é?
0:34:13.970
— Faço aquilo… Faço aquilo que tenho… Os meus livros são escritos em pen mas tenho, tenho uma cópia, tenho uma cópia à parte, para no caso de perder a pen, ou no caso de haver avaria, para não acontecer como aconteceu com Miguel Mouza, Moura… Mouza…Sousa Tavares, a quem roubaram um computador, onde ele tinha gravado só, quase um livro inteiro.
0:34:35.920
— Pois, claro.
0:34:35.920
— Mas não, não tenho simpatia pelas novas tecnologias. Não tenho.

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