Célia Gutierrez Metrass

Célia Maria da Silva Gutierrez Metrass nasceu, em Lisboa, em 1950. Fez parte do segundo grupo de alunos a estudar no Curso Superior de Relações Públicas e Publicidade, no Instituto de Novas Profissões, ainda na década de 60 do século XX. Completou mais tarde a sua formação académica com uma Pós graduação em Teoria da Comunicação, pela Universidade Complutense de Madrid.

Iniciou a sua carreira profissional na área das Relações Públicas em 1969 na PROFABRIL. A partir dos finais da década de 70 trabalhou preferencialmente no sector das telecomunicações. Participou, desde muito cedo, e de forma ativa, nos movimentos feministas. Foi co-autora, com Maria Teresa Horta e Helena de Sá Medeiros, da monografia ‘Aborto, direito ao nosso corpo em 1975.

Célia Metrass à conversa com Mafalda Eiró-Gomes. Registado por Cláudia Figueiredo a 06 de Julho de 2017 no estúdio da Escola Superior de Comunicação Social.

Parte 1 de 6

Síntese:

– Percurso escolar
– Ida para a Profabril
– O curso do INP
– Conceito de Relações Públicas
– Relações Públicas na Profabril
– O problema da comunicação interna
– Primeira mulher a ir de calças para a Profabril
– Saída da Profabril
– Ida para os TLP

Arquivo Memória Oral das Profissões de Comunicação, Lisboa, 6 de julho de 2017, conversa com Célia Metrass. Operadora de câmera é a Carla Figueiredo e, também, do lado de cá da câmera está Mafalda Eiró Gomes.
— Dra. Célia Metrass, conheço a sua vida desde 69. Até 69?
— Bom, até 69 fiz aquilo que as pessoas normais fazem, que é nascem, crescem e vão para a escola. Eu sou de Lisboa, toda a vida vivi em Lisboa, estudei em Lisboa, no Liceu Filipa de Lencastre, e fiz todo o liceu a achar que ia para Medicina. Portanto, fiz a chamada antiga alínea F de Ciências. E quando tinha 19 anos eu resolvi que queria trabalhar porque não queria continuar a viver das semanadas que o meu pai me dava, que eu tinha que lhe pedir, e portanto resolvi que ia começar a responder a anúncios depois de acabar o 7º ano para ir trabalhar, coisa que não era muito bem vista na família. Mas concorri através de um anúncio, e fui contratada para ir trabalhar para a Profabril, para o departamento de Relações Públicas da Profabril. Entretanto, tinha feito uns testes psicotécnicos e uma das coisas que dava era que profissões ligadas à Comunicação, enfim, para além da parte científica, profissões ligadas à Comunicação poderia ser uma uma boa alternativa. E coincidentemente comecei a trabalhar na Profabril e inscrevi-me no INP onde na altura era quase novidade, não era completamente novidade porque já não era o primeiro curso, mas tinham começado a aparecer naquela altura os cursos ligados às Relações Públicas e também ao Turismo, de alguma maneira. E portanto fui para o INP em 1969, e por lá continuei, enfim, depois entretanto acabei por ter que fazer outra vez o 7º ano numa linha de Letras para poder continuar a estudar, mas eu fiz parte do segundo curso de Relações Públicas do INP. Depois, o curso passou a três anos e foi possível as pessoas que tinham feito o curso anteriormente fazer umas cadeiras que faltavam e ficar com o diploma do curso Superior de Relações Públicas e Publicidade, porque o inicial não tinha Publicidade na designação, apesar de nas cadeiras nós termos cadeiras de Publicidade. Portanto o curso tinha, eu diria daquilo que me lembro, qualquer coisa parecida com 20 e tal alunos, era um curso pós-laboral, em que as pessoas trabalhavam praticamente todas. Eu era muito invejada porque era a única que trabalhava na profissão e havia naturalmente um grande entusiasmo em relação à profissão de Relações Públicas e uma grande curiosidade. E julgo que o grupo era um grupo relativamente pequeno mas também porque era pós-laboral, muitas vezes atividades familiares, porque havia gente casada e com filhos e e com empregos mais complicados, e portanto, é, os nossos contactos acabavam por ser circunscritos um bocadinho àquelas horas das aulas, porque fora isso as pessoas tinham outras coisas para fazer. No curso não me lembro de muitos nomes de professores. fui aluna do Américo Ramalho, fui aluna do professor Laginha Serafim, na Estatística, que era uma das nossas dores de cabeça. Tenho ideia que também tivemos aulas com o professor Carlos Amado. E era interessante porque muitas das matérias que nós tínhamos eram já numa perspetiva, diria, evoluída do conceito de Relações Públicas. Portanto, naquela altura havia muita discussão da tradução de Public Relations para Relações Públicas. Havia uma grande contestação, por parte dos alunos e por parte de alguns professores, mas nós tínhamos cadeiras já que iam desde a organização de empresas, da organização nas empresas, até a a parte da escrita, na na produção de comunicados e na produção de de folhas informativas e na na parte da comunicação interna. Aquilo que ia aprendendo tinha algumas oportunidades de aplicar na prática, não muitas. Eu quando entrei para a Profabril entrei como secretária do departamento, tinha 19 anos, não é, portanto de facto também não era previsível fosse, que fosse ter outras grandes responsabilidades. E as Relações Públicas… A empresa era a Profabril, a Profabril era uma grande empresa de engenharia, é, do grupo CUF, portanto fazia projetos de engenharia. Era uma empresa que tinha 300 engenheiros e 40 arquitetos e muito poucas mulheres. Enfim, de facto era uma empresa tradicional para a altura, apesar de que havia um ambiente, digamos, evoluído do ponto de vista do negócio, até porque uma grande parte dos clientes da Profabril faziam projetos em muitos países do mundo. No departamento de Relações Públicas, fundamentalmente havia duas preocupações, que eu julgo que eram habituais para a época nas empresas ou nas instituições onde havia departamento de Relações Públicas, que eram muito poucas. E as duas preocupações eram as relações com a imprensa, não é, portanto os comunicados de imprensa, os press releases, a produção de notícias. No caso da Profabril como havia, ganhavam com muita frequência concursos internacionais, portanto, isso era objeto de notícia para os jornais, era uma coisa que que era prestigiante para a empresa, portanto, que a empresa acarinhava. E a outra que era um chamado, julgo que se chamava boletim informativo, não tenho a certeza, que tinha como… tinha um assessor externo, que era um jornalista. Portanto a a redação final das notícias estava entregue a uma pessoa de fora, portanto, o que nós fazíamos no departamento era uma coisa estranhíssima que era a produção propriamente dita do objeto. E a produção do objeto estamos a falar de uma máquina de escrever que tinha… na altura a máquina que se chamava Radex, que era uma coisa que pintava de branco a letra mal escrita e que a transformava noutra letra. Podia-se escrever por cima. E e isto era muito penoso. Isso lembro-me que era muito penoso porque, é, provavelmente quem era secretária de profissão e tinha aprendido a escrever à máquina como deve ser… eu também tinha aprendido mas não, não era assim tão boa… aquilo ao fim de dois enganos, ou de três enganos ia para o lixo e era preciso começar tudo de novo. Estamos a falar de uma coisa que era escrita já dentro de uma paginação. Portanto, a própria paginação da folha, que tinha umas colunas e uns sítios para as notícias, era toda feita em e era feita desta maneira. Escusado será dizer que esta folha informativa… esta folha informativa eu julgo que tinha, que era mais posterior do que para, do que… não era claramente uma uma folha informativa interna. Aliás, a questão da comunicação interna julgo que… é permanente este problema da comunicação interna é permanente até os nossos dias. Eu aquilo que reconheço como sendo uma linha comum, estamos a falar qualquer coisa como quase 40 anos, estamos a falar de uma vontade de tratar a questão da comunicação interna, mas de uma forma perfeitamente dirigista e de cima para baixo, portanto, quer nessa altura quer ao longo de toda a minha vida, os profissionais das Relações Públicas bem têm pregado diferentemente, mas não conheço nenhum exemplo… a ver se não estou a cometer aqui nenhuma injustiça, mas não conheço nenhum exemplo de comunicação que seja feita nos dois sentidos. Isto é, pode haver um outro meio de comunicação que promova as sugestões, as reclamações internas, com todos os problemas que se sabe que existem e com muitos receios por parte dos trabalhadores de uma determinada instituição em abrirem o coração a aquilo que são as suas reivindicações, aos seus problemas, mas sempre numa… Portanto a necessidade é reconhecida como não há comunicação, nem transversal entre departamentos, nem de cima para baixo, nem de baixo pra cima, e portanto faz-se sempre uma peça, um meio de comunicação que é de cima para baixo. É este, voltando à Profabril, eu julgo que tinha uma componente externa bastante, bastante maior do que… a preocupação era mais de imagem exterior. Estamos a falar de uma situação e de uma prática antes do 25 de abril. Do ponto de vista das mulheres era realmente muito complicado, posso contar uma coisa que tem alguma graça… que é eu fui a primeira mulher na Profabril a ir de calças para o trabalho. Toda gente disse que eu era maluca de ir de calças, nunca ninguém, nenhuma mulher ia de calças, e portanto eu durante os primeiros dias, eu morava muito longe, durante os primeiros dias fui de calças e levei uma saia dentro de um saquinho para o caso de alguém me mandar tirar as calças e ter que voltar a pôr umas saias. Porque isto era possível em uma empresa. Realmente não aconteceu, depois a partir daí as pessoas começaram a andar…
— E a Profabril era onde?
— Era na Avenida Infante Santo, a Profabril era na Avenida Infante Santo. E eu morava perto da Avenida da República, portanto, não podia voltar a casa a hora do almoço para mudar de roupa. Depois saí da Profabril numa situação de conflito com um diretor, em que o administrador, o presidente do conselho de administração teve a preocupação e a deferência de me chamar e me explicou que até achava que eu tinha razão, mas que era completamente impossível pôr em causa a figura de um diretor daquele nível e que, portanto, entre os dois, depois daquilo que se tinha passado, um dos dois teria que sair e, portanto, naturalmente que iria ser eu. E a seguir fui trabalhar para um gabinete de Relações Públicas. Mais uma vez cheia de sorte, porque entretanto os meus seis colegas, porque entretanto já tinha acabado o curso, continuavam a fazer as coisas mais variadas ansiando por trabalhar nessas áreas. Esse gabinete de Relações Públicas era uma coisa muito pequenina, eu tinha formação, as outras pessoas que lá estavam tinham, faziam mais a parte de contactos e de angariação de clientes e, portanto, o trabalho mais técnico acabava por ser meu. Trabalhámos para a Câmara Municipal de Lisboa, era um grande cliente, os serviços… na altura a componente de informação ao público nasceu, nessa altura. Julgo que foi o primeiro centro de atendimento de… como é que se chama… das pessoas que vivem na cidade de Lisboa.
— Cidadão, munícipe?
— Ao munícipe, exatamente, era ali ao pé dos Restauradores. Portanto montamos, fizemos a formação das pessoas que iam passar a atender o público, e depois comecei a trabalhar nos TLP. Primeiro como consultora e depois fui convidada… fui convidada, aliás, creio que, já não me lembro bem, mas comecei por trabalhar porque pediram ao gabinete uma pessoa part time, ou… e depois me convidaram para ficar em full time e fui trabalhar para os TLP. Apanhei o 25 de abril a trabalhar nos TLP.

Parte 2 de 6

Síntese:

– A censura
– Relação com os meios de comunicação social
– Jornalistas contratados por empresas
– Pós-25 de Abril
– Ida para os Serviços Centrais
– Dependência directa da administração
– Dificuldades da profissão nessa altura
– A junção dos CTT com os TLP

— Esses cinco ou seis anos que trabalhou antes do 25 de abril… como é que era Lisboa, como é que era as relações com a Comunicação Social, como é que era a censura, como é que se sentia numa empresa…
—Numa empresa a censura não se sentia. Não era, pelo menos da minha experiência não era… os temas não eram temas políticos e, portanto, a primeira empresa, a Profabril, era do grupo CUF, portanto se alguém se dava bem com o regime era a CUF, portanto, essas questões não se punham. A própria Câmara Municipal de Lisboa, pode ser que daqui a um bocadinho me lembre do nome do presidente da Câmara que não me lembro, e portanto essas questões não se punham muito.
— Aquilo que existia já nessa altura, que depois piorou, foi o relacionamento completamente subserviente das empresas em relação à Comunicação Social. Portanto a Comunicação Social era o papão que tudo podia, que tudo poderia dizer… omitindo, mentindo, adulterando aquilo que se comunicasse e… todos os desmentidos como se sabe não têm qualquer impacto e portanto isso foi uma coisa desde sempre. Nessa altura muitas coisas eram mediadas. Havia a figura do… havia a figura, e eu julgo que na altura era permitido haver jornalistas contratados pelas empresas como consultores de imprensa. Não eram eles que assinavam as notícias, as notícias saíam do departamento de Relações Públicas, mas havia uma intermediação e uma boa vontade, digamos assim. Porque julgo que elas encaminhariam as a colocação das notícias nisto, hoje em dia é completamente impensável, não é? Agora um jornalista contratado por uma empresa, mas na altura era uma prática comum e que ninguém se incomodava muito. Com… a seguir ao 25 de abril, eu julgo que ficou tudo um bocadinho em pânico, não é, as administrações das empresas ficaram todas um bocadinho em pânico, porque o chão que conheciam foi completamente modificado e, portanto, o poder da da da Comunicação Social passou a ser praticamente um poder absoluto. Portanto uma notícia que saísse poderia ser dramática para para uma empresa. E e não havia sequer grande forma de de contornar isso, na medida em que qualquer tentativa de, especialmente depois do 25 de abril, qualquer tentativa de explicação, ou de clarificação de uma determinada… de um press release ou de uma notícia, corria sérios riscos de ser considerada uma pressão por parte da empresa, portanto ainda era pior, ainda era pior. Eu estive muito pouco tempo nos TLP na Rua Andrade Corvo porque tinha acabado de entrar, tinha passado um mês.
— Eu entrei no dia 1 de abril de 1974 e, portanto, para aí no dia 1 de maio de 1974 os senhores com quem eu trabalhava saíram todos dentro de um chaimite e eu nunca mais os vi. E na altura, portanto, juntaram os CTT e os TLP e eu fui trabalhar para os serviços centrais, que se chamava Serviço de Informação e Comunicação, e que se passava na rua de São José. E que tinha, não sei se fruto do acaso, se fruto do medo da época, uma coisa que não era frequente e que nós aprendemos que era o ideal que era depender diretamente do Conselho de Administração e do presidente do Conselho de Administração. Portanto, na.. enquanto na Profabril não, dependíamos do diretor de Marketing, nos CTT/TLP, nesse órgão de informação e comunicação conjunto, centralizava em toda a comunicação da empresa, das duas empresas… no fundo estamos a falar de duas empresas, e dependia diretamente do presidente do Conselho de Administração. Portanto, nós vivíamos por cima do do piso onde onde funcionava a Administração, portanto havia realmente uma ligação, uma ligação muito grande. A Comunicação Interna nessa altura desapareceu completamente, ninguém se atrevia, ninguém se atrevia. Portanto, havia a Comunicação Externa na perspetiva das relações com a imprensa, e havia a parte do atendimento ao público.
— Nessa altura, durante os anos, aqueles primeiros anos, as dificuldades maiores foram fazer passar um conceito, é, mais profissional e de quem vinha e de quem tinha formação na área. Porque havia pessoas a trabalhar soi-disant nas Relações Públicas, que organizavam festas, não é… portanto eram chamadas Relações Públicas do croquete, era um bocadinho isso, era um bocadinho isso. Até produziam algumas publicações, sei lá, quando inauguravam estações dos Correios, as informações ao público eram feitas nas folhas, mas das quais estavam completamente ausentes tudo aquilo que eram os conceitos que nós tínhamos aprendido, não é, no INP, e que defendíamos ferozmente, não é.
— E portanto não era fácil, porque ainda por cima estamos a falar de serviços centrais que mandavam, e portanto, mandavam teoricamente, pelo menos, todo… e aí começaram a por-se problemas de identidade visual, muito sérios, digamos assim, porque estamos a falar de uma empresa que tinha 40 mil trabalhadores, que estava espalhada pelo país todo, que tinha a componente de Correios e a componente de telecomunicações, com dois mundos e dois e dois ambientes de… até de mentalidade completamente diferentes. Portanto, a parte dos Correios com muito mais soft skills e menos formação académica, digamos assim, a parte das telecomunicações, engenheiros, fundamentalmente engenheiros, e com… um bocadinho com a perspetiva de que o futuro era deles. Realmente o que acontecia é que… por um lado a fusão de duas empresas, portanto as questões de identidade visual punham-se de uma forma muito impactante. E por outro lado a existência também de duas realidades socioeconómicas, digamos assim, e de duas culturas empresariais, mais uma terceira cultura, não esqueci-me, que era que, ainda por cima, tínhamos as telecomunicações da CTT e as telecomunicações que vinham dos TLP, que era uma empresa privada, é, cuja direção eram ingleses.
—Não é, portanto… a antiga APT era uma empresa inglesa, portanto, tinha uma data de orientações e de mentalidade muito anglo-saxónicas. Portanto todos esses conflitos eram conflitos relativamente complicados de gerir. O dia a dia, para além do serviço de atendimento ao público e para além da gestão e da tentativa de criar uma imagem comum, um estilo de comunicação comum, tinha muito a ver com com o relacionamento com a imprensa, porque era de facto… com a comunicação social, aí muito mais com a imprensa do que com qualquer outra coisa. Ali era muito imprensa, a imprensa tinha realmente um grande peso.

Parte 3 de 6

Síntese:

– A função do Gabinete de Comunicação no pós-25 de Abril
– Instrumentos de comunicação à época
– A imprensa
– Importância do Expresso
– Ida para a Regiform
– Ida para a Inforjovem
– Importância da Inforjovem
– Ida para as Relações Internacionais dos CTT/TLP
– Instrumentos de comunicação
– Criação da Fundação Portuguesa de Telecomunicações
– Paging
– Trabalho como consultora
– A Publicidade na altura
– A não-utilização do termo Relações Públicas

— E o que é que esperava do gabinete do CTT/TLP neste pós 25 de abril?
— Fundamentalmente que conseguisse estabelecer uma boa relação com a comunicação social. Mais do que qualquer outra coisa. Eu julgo que o resto das funções eram um bocadinho impostas por quem trabalhava lá. Quero dizer, do ponto de vista da administração realmente a coisa importante era essa. Do ponto de vista de quem trabalhava lá, havia a preocupação de ter uma única voz, de ter um estilo de comunicação e que fosse comum a todas as zonas do país. O processo de decisão era muito lento, muito longo. Estamos a falar de… imaginem… chamava-se uma pagela, que era uma espécie de um díptico. Cada vez que era inaugurada uma estação de correios era feita uma coisa para distribuir ao público. E isto era… nós estávamos sentados na Rua de São José em Lisboa, e portanto se abria uma estação de correios numa terra qualquer algures no nordeste não fazíamos a mais pequena ideia, portanto era uma informação que nos chegava a dizer que ia acontecer. Pedíamos alguns elementos, qual era a área, qual era a população, algumas fotografias, estamos a falar de… se eu ainda me… se eu consigo lembrar-me como é que viriam as fotografias. Viriam pelo Correio, com certeza. Deviam vir pelo Correio. Tinha… trabalhávamos com faxes. ois, eu própria já tenho muita dificuldade em em pensar como é que era. Mas sim, nós recebíamos uns textos, portanto deviam vir por fax, com certeza. E depois era…. depois escrevia-se, não é, depois havia alguém gráfico que fazia a montagem, depois ia para a gráfica, depois vinham as ozalides, era preciso corrigir as ozalides, muitas vezes ir à gráfica. Eu sempre gostei da parte técnica. Sempre, sempre… Quer na… quer na parte da tipografia, quer, quer depois da parte das montagens, eu sou um bocadinho da ferrugem, gosto de perceber, gosto de estar lá, gosto. Toda a vida estive lá a acompanhar as pessoas, o que também me permitiu ter muitas vezes uma boa vontade e uma disponibilidade para fazer coisas que quem estava só nos gabinetes não conseguia. E portanto o processo era um processo entre pensar, ou entre conceber uma destas, um destes folhetos para a inauguração de uma estação e ele estar produzido, e estamos a falar de um díptico normalíssimo.. não sei, um mês, talvez, ou mais. Porque tudo isto passava por correios que demoravam a chegar, 4, 5 dias, e depois alterações, depois iam para trás, iam para frente. Quer dizer, não havia nenhuma maneira, não havia nenhuma maneira, a não ser escrevendo um texto e a seguir mandando por fax e do outro lado, e mandarem um fax, e mandarem de volta com as emendas, não é, portanto não estou, não me consigo lembrar de outra forma que não fosse isso… e o telex nunca soube mandar na vida, nunca percebi como é que aquilo se fazia, mas fax sim. A gente conseguia meter a folha e aquilo lá ia, encravava normalmente, demorava, aquilo tinha que ter uma… havia um recibo que dizia se o fax tinha sido bem recebido ou não, portanto, muitas vezes dizia erro, era preciso mandar tudo outra vez. Para os jornais a comunicação era feita exatamente na mesma maneira. Havia uma coisa engraçada, que agora não vem nada a propósito, mas pronto, que era, isso já bastante mais tarde, que era… havia que ter a noção… os jornais demoravam tempo a fazer, e provavelmente hoje em dia as pessoas não têm essa noção, mas o jornal, por exemplo, o jornal… havia jornais diários de manhã e havia os vespertinos. Os vespertinos… Os jornais diários da manhã eram feitos durante a noite. Os vespertinos eram feitos de manhã, mas quer dizer, uma parte já estava fechada provavelmente na véspera, artigos ou coisas assim, as notícias e a primeira página, a composição da primeira página era feita naquele dia. E os semanários, e agora vou dar um grande salto, porque já estou a pensar no Expresso, estamos a falar de 79… 70 e não sei… e 4, é, o Expresso… o Expresso fechava à terça-feira. E portanto uma das grandes preocupações com esta, com este domínio da importância da comunicação social, qualquer notícia que a gente quisesse que saísse e que apanhasse o Expresso, que era o grande “must””, tinha que ir para o jornal até terça-feira, portanto, conferências de imprensa só se faziam às… segunda era mal dia porque era a seguir ao fim de semana e havia muitas notícias, portanto terça-feira havia ali um horizonte temporal muito pequeno… era terça-feira, porque a quarta-feira já não, portanto o jornal já estava cheio. E a mesma coisa em relação às horas, portanto, era preciso ter isso em atenção, porque a partir das seis da tarde apanhava os jornais da manhã e outra coisa que era se, se saísse nos jornais, se saísse nos jornais da manhã, os jornais da tarde já não pegavam. Portanto, se saísse nos jornais da tarde ainda talvez o jornal da manhã do dia seguinte repescasse qualquer coisa. Mas o o resto não acontecia, portanto… Porquê? Porque de facto as coisas não eram… a edição era uma coisa muito morosa, portanto, a edição dos jornais, eu ainda me lembro de ir aos jornais ver, porque achava engraçado, e era feita com letrinhas, com letrinhas… que eram feitas numa máquina e portanto eram assim uns, umas coisinhas compridas, com aquilo. Depois se havia uma gralha, se o revisor detetava uma gralha tirava aquela letrinha e punha outra, e portanto isto não era compatível com alterações de última hora. E portanto trabalhei aí durante uma série de anos, eu trabalhei ao todo 17 anos naquele universo, mas mais ou menos de três anos e meio em três anos e meio, fui mudando de funções. E portanto aquilo que eu achava uma coisa inconcebível, que é como é que uma pessoa estava há tantos anos numa empresa, não senti muito. Portanto, a seguir a isso fui fui pegar num projeto que era a Regiform, que era o Fórum Picoas.
— Mas ainda no CTT/TLP…
— Sim.
— Teve imensos cargos.
— Não.. quer dizer, tive mas… Eu estive no Serviço de Informação e Comunicação e saí do Serviço de Informação e Comunicação para ir para a administração da Regiform, que era uma empresa dos CTT. E que ia, e que ia pôr a funcionar uma coisa que tinha nascido torta que era o Fórum Picoas, e que nasceu para ser um centro comercial, com tudo centralizado e as lojas todas a venderem tudo o que houvesse para vender. E quando uma dia a administração descobriu o que que ia ter ali, que era um centro comercial, ficou muito aflita e disse que nem pensar, e portanto nomeou-me à Administração para ir tomar conta daquilo. E esse teve um projeto que não foi para frente… foi assim uma criança que eu não tive e que tenho muita pena, que era um um projeto de divulgação científica… tecnológica e científica, portanto, havia essa lacuna. A Gulbenkian tinha tinha apoiado ceder-nos, digamos assim, a parte tecnológica, porque eles tinham a parte científica mas não… na parte tecnológica não estavam muito interessados, e portanto nós ainda tivemos reuniões com o Azeredo Perdigão e com o Lobato Faria.
— E depois tivemos o apoio do Mariano Gago. Estamos a falar de 80, 82, 83, por aí. Portanto íamos ter uma biblioteca, que seria a primeira biblioteca, e íamos fazer um projeto que tinha muito a ver com a escola e com a divulgação de toda a parte tecnológica, porque os CTT tinham um acervo brutal, que tinham vindo a guardar graças a uma diretora do museu dos CTT, que guardava tudo, dizia que não deitassem nada fora. Primeiro passava pelo crivo dela poder guardar, e portanto realmente havia muito material que hoje está na Fundação Portuguesa das Comunicações e no museu, na exposição permanente, e de facto é… quer aquilo que está exposto quer o que está no acervo são peças lindíssimas e que valem realmente a pena ver. Porque as pessoas já não têm a ideia nenhuma de como é que as coisas funcionavam. Esse projeto de divulgação cultural e científica, não foi para a frente. Porque, como dizia o Mariano Gago, você não percebe que este projeto é só seu, mais ninguém quer isto. Porque, porque julgo que era era muito cedo.
— Era comunicação de ciência avant la lettre, não é?
— Era, era, era. Não havia ainda… não havia ainda grande grande sensibilidade para perceber que esta parte da sensibilização e da comunicação, quer sobre a ciência que vem a aparecer muito com Mariano Gago, quer sobre a parte da tecnologia que hoje em dia existe com o Museu do Conhecimento, não é… e eu fico muito contente de que lá esteja o Museu do Conhecimento. Entretanto o que aconteceu mais ou menos nessa altura em 83, eu acho que foi um bocadinho para me compensar da minha infelicidade de não ter conseguido levar aquele projeto pra frente, fui convidada pelo Secretário de Estado das Comunicações, que era o Raul Junqueiro, para fazer o lançamento de um projeto que foi o Inforjovem. Inforjovem era a divulgação, junto da juventude, dos computadores. Não é? E dos computadores estamos a falar de uma coisa que era o ZX Spectrum, que era uma coisinha deste tamanho, e que fazia pouquíssima coisa. E portanto eu trabalhei com ele e conseguimos… porque eu achei graça, e porque ele era realmente um visionário, o Raul Junqueiro era de facto um visionário da importância destas coisas. E eu fazia. E portanto isto isto surge porque porque alguém ofereceu, julgo que a empresa, já não lembro bem, ofereceu 30 equipamentos, e ele disse “então e se a gente conseguisse abrir centros Inforjovem no país inteiro e pôr uns equipamentos em cada sítio?”. E eu disse está bem. E conseguimos arrancar com os centros em Viseu, no Algarve e julgo que no Porto. E isso foi de facto uma bola de neve, porque a seguir foram sendo criados em todo o país e depois acabaram por passar para o Instituto da Juventude, que hoje é IPDJ, hoje em dia já nada disto se justifica porque as pessoas já têm todas, graças a Deus, computadores em casa, mas naquela altura os centros Inforjovem foram um… tiveram uma importância e um impacto brutal. Porque realmente foi levar este tipo de equipamentos a pessoas que nem sabiam que eles existiam não tinham capacidade econômica para os comprar, e portanto depois a partir daí criaram-se alguns alguns concursos e aquilo tinha monitores, as autarquias colaboraram, portanto, isto era feito em conjunto com as autarquias. E pronto, e depois saí do Fórum e o Inforjovem também, não sei, acabou… quer dizer, o Inforjovem continuou, mas o secretário de estado foi substituído e fui parar às Relações Internacionais, fui parar nas Relações Internacionais. Também CTT/TLP ainda, e fiz… e era responsável pela cooperação internacional, portanto, entre as relações internacionais havia várias coisas e apanhei muitos países de expressão portuguesa, países de expressão portuguesa. Numa, numa área que não era exatamente uma área nem de Comunicação nem de Relações Públicas, mas que passava também um bocadinho por ter esse tipo de abordagem, de aproximação, quer aos países, quer a…. uma coisa que eu não sabia sequer como é que funcionava, que é portanto os organismos internacionais e a parte da cooperação e das conferências de dadores, que são um bocadinho sui generis, [risos], com grandes implicações políticas e com com esquemas de funcionamento, que são esquemas de… não estou a falar de corrupção, estou a falar de procedimentos que são um bocadinho estranhos à partida para todos nós. E depois, depois voltei para as telecomunicações, voltei para as telecomunicações como assessora da… nem sei como é que se chamava altura, do diretor-geral das telecomunicações, portanto, já no CTT. Quer dizer, já tinha havido uma diluição dos Correios e das telecom… dos TLP e das telecomunicações e CTT. E depois fui parar… e aí as funções eram funções apenas para o setor das telecomunicações, mas muito ligadas à componente externa, portanto aí já havia campanhas, aí já havia comunicação de… portanto havia um centro de investigação que começou de alguma forma aí uma preocupação de enquadramento comunitário, portanto o Centro de Investigação de Aveiro que tinha um grande impacto nacional do ponto de vista científico e de emprego do ponto vista local, em Aveiro, portanto havia o peso da da do Centro de Estudos de Aveiro para a comunidade de Aveiro era muito grande, e portanto aí começou a haver abertura e apreciação da necessidade da empresa se abrir um bocadinho ao exterior. E portanto lá vamos buscar aquelas coisas que a gente aprendia do enquadramento comunitário, que agora se chama responsabilidade social, não é, mas que é praticamente a mesma coisa.
— Fundamentalmente com com a questão da abertura, os dias de porta aberta, estamos a falar de… tenho que fazer contas, não é…. estamos a falar de 87, por aí, 86, 87… sim, 87, por aí. Dias de porta aberta, ligação às escolas, apresentação também da parte do relacionamento internacional e muito das publicações também, publicações de caráter científico, e de alguma forma, é, internamente havia já um… sempre sem mexer na comunicação interna, sempre com uma comunicação interna só de cima para baixo, portanto isso é completamente tabu e eu acho continua, da minha experiência profissional, hoje ainda, continua a ser tabu. Mas um bocadinho já esta preocupação de abertura à comunidade, de abertura à comunidade.
— Que instrumentos usavam?
— Os dias de porta aberta, a produção de folhetos informativos, julgo que nessa altura também começaram a ser criadas alguns prémios, um bocadinho também para dinamizar e e prestigiar aquele centro de estudos trazendo os melhores alunos da da de algumas universidades, não é. Porque estamos a falar de um sítio onde as pessoas, para onde as pessoas iam trabalhar depois de terem acabado as suas licenciaturas, na altura as licenciaturas eram eram uma coisa um bocadinho mais compridas do que são hoje, não é. Portanto, equivalia aquilo que hoje em dia é o bacharelato e o mestrado de alguma maneira. E portanto havia, havia aí a preocupação de promover a qualidade do trabalho e o ambiente de trabalho, que era um ambiente muito laboratorial, de captar bons profissionais e bons alunos e também se começaram a fazer apresentações em algumas universidades, que era uma coisa que também antes disso não se fazia, não é. No sentido de… aí já não era só as pessoas à procura de emprego, era um bocadinho os grandes e os bons empregadores à procura dos dos melhores quadros para para trabalhar. E de facto o Centro de Estudos de Aveiro tinha um grande prestígio internacional e e essa preocupação era uma preocupação, era uma espécie de cartão de visitas das telecomunicações. E depois fui parar a… com a separação dos CTT e dos TLP, mas mais com a separação dentro do CTT da parte Correios e da parte Telecomunicações, fundamentalmente os Correios tinham um grande espólio. As Telecomunicações tinham mas não sabiam. Estava tudo perdido aí pelo país e coisas no lixo e coisas fechadas em armazéns, e portanto houve legislação que obrigava a que os CTT tivessem que manter e tratar todo o espólio que vinha da parte dos Correios, e estamos a falar de coisas que iam desde as carruagens da malaposta até, enfim, tudo aquilo que se possa imaginar nos Correios. A preocupação foi muito a partir daí. E como tinham que guardar e que tratar e que disponibilizar para estudo fundamentalmente, então foi decidido criar uma uma fundação, que ainda hoje existe, que é a Fundação Portuguesa das Telecomunicações, e fui parar à comissão instaladora da Fundação Portuguesa das Telecomunicações. E pronto, e depois saí para ir trabalhar em Telecomunicações, no setor privado, com o paging, que é uma coisa que já também ninguém sabe o que é, portanto, antes de haver… eu tive o… havia telemóveis, mas os telemóveis eram umas coisas fixas ou então os que andavam no carro. E portanto as pessoas saíam do carro e iam para o restaurante com… eu vou por para verem…era uma caixa mais ou menos assim que devia pesar o quê, três quilos no mínimo. Portanto, isto era o telemóvel. Fui trabalhar para o paging, que era um, que eram uns aparelhos que recebiam, portanto havia os mais simples, que eram… só recebiam mensagens numéricas e depois havia uns que eram considerados um luxo, que tinham mensagens alfanuméricas. Mas as mensagens não eram digitadas por nós, havia um centro de de operadores, ligava-se um determinado número, dizia-se o recado oralmente ao operador… portanto, elas viviam histórias, viviam histórias perfeitamente inarráveis, enfim, como podem imaginar com um bocadinho de boa vontade, não é… desde encontros a histórias várias em que as pessoas ligavam para lá, davam o recado e elas transformavam aquilo em caracteres que o outro pager do outro lado recebia em caracteres. A primeira grande obrigação que elas tinham, não era jurar sobre a Bíblia mas era quase, era o dever do sigilo, porque senão aquilo dava grandes sarilhos, como podem imaginar. Portanto os pagers alfanuméricos era um grande acontecimento e apareceu na altura o primeiro telemóvel que nós dizemos verdadeiramente portátil.
— Eu tive um aparelho desses, que aliás oferecemos à Fundação Portuguesa das Comunicações, que era uma coisa assim, deste tamanho, era uma torre, da Motorola, com uma antena também deste tamanho, e que era uma espécie de um tijolo. E portanto a gente punha assim e tal, era uma coisa assim deste tamanho. Era o primeiro verdadeiramente portátil, em comparação com os outros da mala do carro, este era verdadeiramente portátil. E aí as minhas funções era de Diretora de Marketing e Comercial, e portanto, era administradora de uma outra empresa também ligada a este setor, com… um bocadinho mais abrangente do que apenas… tinha a ver com vários tipos de equipamentos ligados às telecomunicações, mas enfim, nas antenas e outros tipos de coisas. E portanto as minhas funções já eram um bocadinho mais amplas do que apenas a parte da comunicação. De qualquer maneira naturalmente, as minhas grandes preocupações, presentes em tudo e em toda a minha vida, é sempre foram muito no sentido de fazer perceber as coisas, de que a informação fosse clara, que a comunicação existisse… mesmo quando se tratava de funções de de gestão de uma forma mais geral. E e a partir daí… a partir daí porque depois saí ao fim de 3 anos, enfim, o projeto, com os telemóveis, a partir do momento em que passou a ser possível o envio… o falar, não é, portanto a voz, essa questão das mensagens passou a ser… ficou completamente obsoleta. E portanto, mesmo… com os telemóveis a poderem mandar também mensagens escritas e nós isso percebemos que ia ser o fim, que ia ser o fim daquela tecnologia, apesar de que ainda hoje nos Estados Unidos, nos hospitais, sobretudo, e em determinados tipos de serviços, bombeiros e assim, continuam a usar o pager para serem chamados, não percebo bem porquê, mas sim. E portanto a partir daí comecei a trabalhar como consultora muito ligada ao setor das comunicações porque naturalmente faz-se uma carreira numa determinada área, portanto é nessa área que somos conhecidos, é nessa área que se lembram de nós, é nessa área que nos chamam. E portanto desde… em 2001 criei uma empresa, porque antes disso, desde 95 que comecei a trabalhar como consultora, em paralelo com outro projeto de índole comercial e muito pouco interessante, a não ser pelas piores razões, e foi… e portanto a minha atividade em em consultoria… consultoria no sentido de adviser, manteve-se até hoje, e em determinada altura começou a ser necessário a execução de projetos, porque correspondiam a necessidades, no fundo quando, eu quando propunha um conjunto de ações a um cliente, havia ações que passavam pela… pela execução de projetos. Sempre dentro duma duma, sempre como uma peça de uma estratégia de comunicação. Mas que implicavam, sei lá, por exemplo, a organização de conferências, a organização de exposições, ou de apresentação de produtos ou do que fosse. E nessa altura era muito difícil encontrar isto no mercado. Portanto o mercado estava, hoje em dia as coisas estão um bocadinho diferentes, realmente já há muitas, já há muitas empresas que fazem este tipo de projetos. Mas naquela altura o mercado estava dividido entre agências de publicidade, que só faziam publicidade, portanto se não fossem campanhas não sabiam do que que a gente estava a falar, mesmo peças de comunicação tipo… não gosto muito dos folhetos, mas acabam por ser, um bom exemplo, já era difícil que uma agência de publicidade tivesse sensibilidade, mesmo do ponto de vista da da linguagem… o estilo de comunicação em publicidade e em informação é completamente diferente, portanto, era difícil que uma agência de publicidade conseguisse perceber o que que era preciso fazer ou como é que se dizia uma coisa com com características de comunicação, mas não de publicidade. Havia as agências, algumas poucas porque tinham muito a ver com o lobby de, que hoje em dia ainda acontece, de relacionamento com a comunicação social, portanto, estamos a falar… mesmo hoje em dia há, enfim, eu diria que a funcionar aí para aí três ou quatro, não é. E portanto havia as agências de publicidade, havia estas empresas de comunicação que eram fundamentalmente para o relacionamento com a comunicação social e depois havia as empresas dos eventos, havia as empresas dos eventos que não tinham qualquer espécie… organizavam muito bem eventos, com certeza, mas não tinham qualquer espécie de noção do que este evento, que continua a ser necessário numa estratégia, mas que é uma peça de um puzzle. Não é um fim em si mesmo, não é. E portanto abri uma empresa.
— Fui obrigada a abrir uma empresa porque eu precisava de subcontratar, e portanto quando eu propunha uma coisa qualquer diziam está também, então agora quem é que faz?… e quem é que faz não havia quem. Enfim, obviamente que não podia executar para as empresas que tinha aconselhado, mas portanto havia situações em que trabalhava como consultora e e havia outras situações em que trabalhava como como fornecedora chave na mão. E nessas… e nessa dupla vertente trabalhei com muita gente, trabalhei com muita gente, quer do ponto de vista institucional, muito do setor das comunicações ou ligado, como disse há pouco, para o governo, vários mistérios, várias áreas, coisas internacionais, com a União Internacional de Telecomunicações. E realmente acaba por ser… acaba por ser um percurso em que hoje, isto hoje é completamente pacífico, a função… ninguém chama relações públicas. É uma coisa engraçada, portanto, aquilo que era um óbice de facto acabou por morrer de morte natural, digamos assim. Julgo que em Portugal o Public Relations também nunca nunca se conseguiu afirmar muito. De facto aquilo que que existe nas empresas são áreas de comunicação, comunicação e informação, só comunicação… e que acabam por, acabam por ter essas funções que vêm… que eram um conceito que nós tínhamos e que nós aprendemos como Relações Públicas no INP em 1969. Portanto, de facto do ponto de vista do conceito as coisas julgo que estão… estão bem, estão…a dependência, hoje em dia, a pacífica dependência tem que ser do primeiro nível, portanto, o presidente do conselho de administração, quando ele existe, ou do administrador que tem esta esta função. Comunicação interna e comunicação externa, o conceito do stakeholders que não se usava na altura mas que de alguma maneira estava implícito, não se chamava assim mas estava implícito, e hoje em dia eu acho que isso já é… já foi assimilado de uma forma geral, toda esta parte da responsabilidade social que eu acho muito interessante, que naturalmente tem sempre aqui uma uma preocupação de aproveitamento em benefício próprio, do ponto… próprio do ponto de vista da imagem. Mas de facto hoje as empresas são muito conscientes, as empresas, as instituições e os órgãos de poder são muito conscientes da sua imagem e de que têm que tratar da imagem… aquelas coisas que a gente aprendia da verdade e tal e de comunicar com a verdade, informar com verdade… acho que continuam a ter alguns problemas de aplicação.
— Talvez não tenham tantos porque hoje em dia, fundamentalmente com as redes sociais, é muito mais difícil enganar ou mentir ou omitir porque porque acaba por, as coisas acabam por aparecer. Aliás, neste momento, aquilo que é a minha a minha experiência atual é está-se, está-se mais uma, mais uma vez numa fase de transição, com a o peso e o impacto das redes sociais, as empresas estão aterradas com as redes sociais. Entre fazerem de conta que não existem ou acharem que têm que estar em todas, portanto, estão completamente perdidas no meio disto, e acho que vai ser outra vez preciso estabilizar um bocadinho porque…. ou não, ou não, realmente estamos nesta loucura, não é, ter o presidente Trump a gerir os destinos dos Estados Unidos através do Twitter e e eu também tenho algumas empresas a quererem estar em tudo que é redes sociais… as conhecidas, as que ainda não são conhecidas, as que aparecem mas vão morrer um dia destes. O que causa muito… o que é muito difícil de gerir, não é, o que é muito difícil de gerir. Porque, da mesma maneira que se verificou com a comunicação interna, aquilo que eu constato é que este discurso sobre as redes sociais e sobre a presença das empresas e das instituições nas redes sociais é muito engraçado e está toda a gente muito entusiasmada, mas depois a seguir, querem impôr tantas restrições, não é, de maneira que… quer dizer, a identificação de tudo o que são normas de comportamento e palavras-chave que que devem ser… que levam a que que o post seja banido ou que as pessoas sejam banidas, as tantas… de facto as pessoas não querem o contraditório, as empresas não querem o contraditório. Eu acho, é realmente aquilo que eu sinto, é que não querem. Esta coisa das redes sociais está a fugir bastante à possibilidade de controlo, não podem estar fora e têm que estar dentro, mas estar dentro continua a ser… e não é fácil, eu percebo que não é fácil, eu percebo que não é fácil.

Parte 4 de 6

Síntese:

– O impacto das redes sociais
– A qualidade do Jornalismo

— Portanto, as redes sociais vieram transformar a forma como se desempenha a profissão?
— Eu acho que vieram criar um novo desafio… que se calhar, como desafio que é, não é fácil, não é? Porque existem, não vão desaparecer, existem questões de ética que não estão… que não estão patentes e que não é possível impor, julgo que criaram muito ruído, demasiado ruído, e as pessoas, e as pessoas nas instituições, a nível da decisão… se calhar também estou aqui, aquilo que estou a dizer também tem a ver com uma, com uma leitura de realidades em que… os conselhos de administração são de pessoas de, sei lá, perto dos 50 anos. Pronto, 50 tem muitos. Provavelmente isto não é assim se eu for para uma Microsoft ou se for para uma Google ou se for para outro sítio qualquer desses em que portanto se calhar, se calhar não, com certeza toda a gestão da Comunicação é pode ser feita e já é feita de uma forma natural, que é incluindo a gestão de redes sociais. Para muitas das empresas e nós continuamos a ter um tecido social nas empresas ao nível das cúpulas com gente… eu diria que na casa dos 45, 50, por aí. E aí isto ainda não é um terreno natural. E portanto os profissionais diria que têm aqui, têm aqui um desafio complicado. A outra questão que eu também acho que é muito complicada é a péssima qualidade do jornalismo. De facto além de… além dos jornalistas que tinham muito poder hoje em dia não têm poder nenhum, e são estagiários e a preocupação é não serem despedidos porque são com a maior das facilidades e portanto eu percebo que há aqui um conflito muito complicado… e por outro lado a questão das audiências na Comunicação Social em que tudo serve para vender e, portanto, não há ética e para as empresas ou para as instituições, julgo eu que será idêntico, o risco de terem uma uma uma informação num numa primeira página de um de um jornal ou de uma cadeia de televisão é completamente falsa. Julgo que é bastante maior este risco hoje do que era há 50 anos e não 40, mas encontrei… E como é que se lida com isto e como é que… porque de facto quando a resposta não serve para nada, aliás nós temos visto isto nos julgamentos na praça pública, não é, portanto bem podem ser ilibados bem podem, é rigorosamente indiferente, não é, porque o mal está feito… e em relação às empresas, em relação à uma instituição isso também acontece.
— Por outro lado, a facilidade com que se deturpam coisas e em que ninguém é responsável, e no limite a própria Comunicação Social também não é responsável porque vendeu mais jornais, por exemplo, com uma notícia falsa do que eventualmente se for condenada em tribunal e se lá chegar pode ser obrigado a pagar, portanto isto inverte completamente toda toda toda a situação e todo o trabalho de alguém que do lado das empresas ou das instituições trabalha com esta área.
— Eu julgo que isto é realmente muito difícil e muito ingrato porque, porque não tem…não tem rede, não tem proteção, de facto um profissional de comunicação neste momento não tem muito bem a que se agarrar, não é… porque faz o melhor que pode, naturalmente, e hoje em dia tem muito mais conhecimento e muito mais formação do que tinha há 50 anos, ou do que tinha há 40, ou do que tinha há 30, portanto, eu acho que desse ponto de vista as coisas evoluíram e evoluíram bem.
— Mas tem um trabalho muito dificultado por.. não gostava de dizer isso, mas realmente há aqui um problema grave de ética, em vários níveis e de precariedade do trabalho por parte dos jornalistas, que faz com que não tenha nenhum peso para conseguir impor-se, e portanto, estão mal preparados, são mal pagos, fazem, escrevem aquilo que lhes mandam, e portanto isto acaba por ser realmente muito complicado.

Parte 5 de 6

Síntese:

– Formação para trabalhar em Comunicação
– Importância da argumentação
– Saber olhar para o mundo

— Em termos de formação e em termos de… que é que acha que é fundamental hoje?
— Eu acho que quer hoje, quer mesmo antes… as noções, o ter noção da organização das empresas é fundamental para um profissional de comunicação e eu acho que isso muitas vezes não está, não está presente. A noção dos mercados, a noção de… a parte da organização política… a questão da economia, a questão da economia e das interdependências e da da dos vários modelos de mercado,
— a questão social, a questão social também acho que… a questão social do ponto de vista da sociologia, eu acho que são áreas que alguém que trata de comunicação tem que saber mais do que aquilo que muitas vezes transparece. Até porque eu acho que depois o que acontece as pessoas mesmo com a formação, e estou a pensar em alguns estagiários que que conheço, não é… é como se, é como se “sim está bem, eu estudei, eu aprendi”, mas, mas só para poder fazer, mas o meu objetivo agora é só comunicar, é só redigir, ou é só pensar numa estratégia, mas eu acho que se esquecem de que toda esta formação é uma formação que tem que, tem que estar presente e determina aquilo que pode ser uma estratégia, quer dizer… um profissional numa empresa, um profissional de comunicação numa empresa não pode propor uma estratégia a um conselho de administração, uma estratégia de comunicação a um conselho de administração, sem ter em conta qual é o mercado, qual é a situação internacional do mercado para aquele produto, para que país é que exporta, por exemplo, se for o caso, qual é a realidade desses mercados, porque não é igual… porque de facto a estratégia tem que estar imbuída de todo este trabalho anterior e de todo este conhecimento anterior. Porque eu ainda continuo a assistir a uma coisa que eu acho que também já vem de há 50 anos e que me põe doente que é “eu não gosto”. Que é “ah mas eu não gosto”. Não, “eu gostava mais”, mas isto continua a acontecer. Não é uma questão de gostar, é assim, está bem ou está mal. Atinge o objetivo ou não atinge o objetivo. Eu quero lá saber se eu não gosto de azul ou se… mas eu continuo a ter esse problema de vez em quando. Que é ”ah não se pode fazer verde porque não gostam de verde. Ou não se pode dizer não gosto, ”ah eu gostava mais ao contrário, eu gostava mais que fosse”… não tem que gostar mais. Mas o que acontece é que a maior parte das vezes, é, as pessoas não são capazes de explicar porquê. E portanto uma das coisas que eu defendo sempre é que quando se vai apresentar uma estratégia não se mostra nada. Não se leva… pode se levar papéis ou pode se levar uma apresentação, mas a primeira parte é só, é sem nada para distrair, porque a partir do momento em que se mostra um boneco, não é, porque as pessoas gostam é de ver bonecos, está aberta a porta para dizer não gosto.
— E portanto… e começar do todo, não é, da big picture para o afunilar. E eu isso continuo a sentir todos os dias que as pessoas pensam sempre só no… não é sempre só, que horror estou sendo injusta… mas a tendência é: o que que diz o anúncio ou o que que… não! Assim, qual é o enquadramento, temos a falar de quê, qual é o objetivo, onde é que eu quero chegar, estou a falar para quem… e só depois disso é que se vai, portanto, esta noção da big picture e depois ir afunilando de maneira… e eu acho que é fundamental explicar isto desta maneira, porque quando se chega ao produto final já ninguém se atreve a dizer que não gosta. Ou atrevem-se menos, não é.
— A dizer que gostava mais que o boneco fosse ao contrário ou outra coisa qualquer. E para isso eu acho que as pessoas têm que estar seguras e tem que ter formação. E a formação não é só… a formação não é só nesta especialidade, quer dizer, têm que ser capazes de ler o mundo em outras vertentes. Porque também não é admissível que uma empresa que tem como objetivo final o lucro, não é, portanto sejamos claros… se preocupa ou tem a noção, ou com várias outras questões, se não for obrigada… obrigada e de uma forma fundamentada a chegar àquela conclusão.
— E realmente para isso eu acho que, como dizia há pouco, noções… noções não, quer dizer, ser capaz de primeiro fazer a análise, não é, onde é que estamos, qual é a nossa realidade, qual é o nosso mundo, é o que está à volta, como é que as coisas evoluíram, quem são os concorrentes que a gente percebe que são e os outros que a gente não percebe que são, mas que podem ter a ver com produtos que ainda nem sequer, que ainda nem sequer foram inventados, não é, que vão ser a seguir. E é fundamental porque porque há duas coisas… Há uma coisa que toda a gente acha que sabe fazer que é escrever, aprendeu na escola e fazia redações e portanto é muito difícil valorizar o trabalho de copy. A parte gráfica é um bocadinho, é, pronto, era um bocadinho mais fácil de vender, entre aspas, porque as pessoas não sabiam fazer bonecos. Hoje em dia toda gente sabe fazer bonecos com o computadores, e portanto, acham sempre que conseguem fazer.
— E realmente além de serem coisas pavorosas, na maior parte das vezes… feitas por engenheiros normalmente, não cumprem os objetivos. E essa é que é a questão principal, porque realmente… aquilo não está lá o que é preciso estar, não foi pensado por alguém que é especialista desta área. Realmente… esse eu acho que também pode ser um problema ainda da profissão, que é o reconhecimento da especialização dos profissionais desta área. Porque de facto mexem com comunicação e comunicação é saber falar, saber escrever, saber pensar também convém, não é, antes, mas toda gente acha que sabe fazer.

Parte 6 de 6

Síntese:

– Percurso político
– 1975 e Feminismo
– Fundação do MLM
– Dificuldades políticas
– O aborto clandestino
– Manifestação no Parque Eduardo VII
– Fim do MLM e aparecimento da UMAR
– Definição de Feminismo
– Chefia Feminina

— Para além de ser uma das primeiras profissionais de Relações Públicas…
— E sobrevivente já agora.
— E já agora. A vestir calças quando foi para a CUF em 69, também foi uma grande interventora no nosso espaço público, e ainda é. Vestir calças, janeiro de 75…
— Ok. Começa um bocadinho antes, eu… eu tive a sorte de ter um pai… a minha mãe não, a minha mãe era exatamente o contrário, mas eu tive a sorte de ter um pai que toda a vida me disse que se os outros são capazes porque, porque que eu não hei de ser. E eu acho que que isto foi a coisa melhor que me ensinaram na vida. E portanto eu sempre achei que podia fazer tudo o que me apetecesse. Coisa… que fiz, mais ou menos. Pagando o respetivo preço, porque eu acho que essa parte é fundamental que a gente saiba, que é: pode-se fazer tudo o que se quiser. Tem um preço para pagar. Se a gente tiver consciência que sim e estiver disposto a pagar o preço, está feito. Pronto, e portanto eu tive um percurso… que é quase ridículo dizer político, mas sim, aí desde os meus 17 anos. Estive presa com 17 anos, estive… fui expulsa do liceu com 17 anos, coisas fantásticas, coisas de miúdos.
— Ou não.
— Não não. Não havia associação de estudantes nos liceus, era proíbido. Havia nas faculdades, mas nos liceus não havia. Portanto eu era… estudei toda a vida no Liceu Filipa de Lencastre, que era a coisa mais fechada, e mais conservadora, um liceu só de meninas, que havia…. cheio de professoras do movimento nacional feminino e outras coisas do género. E portanto eu fui a delegada da pró-associação dos estudantes do Liceu Filipa de Lencastre. Portanto participei em tudo que era manifestações, andei a fugir à polícia, fui presa. Meu pai coitado queimou papéis toda a noite antes de a polícia me buscar, eu fiquei presa com 17 anos 48 horas, coitada de mim, sabia lá o que que andava a fazer. Bom, e portanto, cheguei ao 25 de abril fantástica e toda contente. E em 75, também muito por aquilo que se passava lá fora e por aquilo que eram as Simones de Beauvoir e toda a literatura à volta da condição da mulher, e que eu fui começando a ler, eu chego ao feminismo pelo lado da política.
— Há em Portugal a história do julgamento das três marias e das novas cartas portuguesas. E portanto eu fui lá parar. Fui lá parar e portanto sou a fundadora do MLM, que é o Movimento da Libertação das Mulheres, que nasce em 1975. Nasce em 1975, fazíamos uma coisa que era muito engraçada e muito útil, especialmente naquela altura, que eram os chamados grupos de consciencialização, que eram os grupos em que as mulheres se juntavam, grupos pequenos, normalmente na casa de uma delas, e em que as mulheres falavam das suas vidas, e dos seus problemas. E por que que isto era muito importante? Por que descobriam que não estavam sozinhas. E que aquilo que elas achavam que horror, que vergonha, ou que horror, que medo, ou só me acontece a mim, afinal não, acontecia a muita gente. E portanto esses grupos tinham… iam permitindo não só esta esta ligação, como a consciencialização, como a a politização, digamos assim, porque de facto estamos a falar de uma questão política. Como são todas as, as da nossas vidas são todas questões políticas, na minha opinião, fora os sentimentos. E portanto começamos esse percurso, esse percurso nessa altura era muito complicado, porque ao contrário daquilo que se possa imaginar, os partidos de direita obviamente que estavam contra, mas os de esquerda também. E, portanto… um dos grandes opositores e um dos grandes problemas que a gente teve foi com o Partido Comunista Português. Partido comunista português… eu lembro-me de ter ido à sede do partido comunista português, já não sei fazer o quê, pedir-lhes apoio para uma coisa qualquer, e ser recebida por uma senhora, que tinha um xaile nas costas, e que nos nos disse: já sei o que que foi, já digo, e que nos disse… que, aliás, nos disse e depois tivemos isso por escrito, que o partido estava muito ocupado com consolidar a revolução, e que portanto não tinha tempo para se meter nessas coisas das mulheres. E escreveu porque, entretanto, um dos problemas gravíssimos da situação das mulheres na altura era o problema do aborto clandestino.
— E portanto, e aí aí nessa altura então, estamos a falar de 75, a Maria Tereza Horta, eu e a Helena Medeiros resolvemos escrever um livro sobre… retratar em várias vertentes a situação do aborto clandestino em Portugal. Foi durante muitos anos o único livro publicado, durante muitos anos até praticamente a legalização do aborto. Só que ele foi editado por uma empresa que faliu, os livros esgotaram-se, desapareceram e nunca foi reeditado porque entretanto a empresa desapareceu, chamava-se Editorial Futuro, e tinha e tinha desde o depoimento de mulheres, portanto havia uma parte na primeira pessoa… nós consultamos os partidos políticos todos para ver qual era a posição que eles tinham sobre o aborto, é aí que o partido comunista diz que… está, agora está muito ocupado em consolidar a revolução e não tem tempo para se preocupar com estas coisas. E médicos, psiquiatras… eu visitei na altura, calhou a mim porque nós dividimos o trabalho, visitei na altura o Júlio de Matos, com o professor Afonso de Albuquerque, e é das coisas que eu ainda hoje me lembro e que mais me perturba que é as alas das mulheres no Júlio de Matos. Enquanto os homens podiam sair, os homens que estavam internados no Júlio de Matos podiam vir passear cá pra fora, e ali em Alvalade sempre se viram muitos a pedir cigarros, e mal vestidos e assim, as mulheres não podiam sair porque podiam engravidar. E portanto elas não saíam e estavam enclausuradas. E portanto as marcas de unhas nas paredes era uma coisa completamente de arrepiar. E portanto escrevemos o livro do aborto, entretanto 1975 foi um ano muito emocionante. Todos os dias havia imensas coisas para fazer.
— Havia imensas manifestações onde ir, eu dormia para aí três horas, quatro talvez. A da manhã, que era quando o marido chegava porque era diretor do Diário de Notícias e chegava à casa eu quando o ouvia meter a chave à porta dizia “ai meu Deus, já fui apanhada outra vez”, porque ficávamos à conversa, à conversa, à conversa, porque era de facto uma descoberta de muita coisa. Depois ia a correr dormir e portanto às 9 da manhã estava a trabalhar. Portanto não… acho que dormi muito pouco durante aquele ano. E foi… e foi realmente uma uma descoberta da voz, da solidariedade feminina, da… e da vida e da rua, não é. Porque até o 25 de abril a rua não era para as mulheres. Hoje em dia também não é muito, mas naquela altura não era mesmo para as mulheres. E mantive, e portanto, enfim, depois acabou 75 e aquela loucura toda. Mantive de alguma maneira… eu não fiz muitas coisas na militân… públicas na militância feminista, depois dessa fase do MLM em que fizemos manifestos, e fizemos manifestações, fizemos a célebre manifestação do Parque Eduardo VII, não é… que ainda hoje as pessoas dizem que a gente queimou soutiens. Mentira. Mais uma vez. É mentira, não queimamos soutiens nenhuns, não íamos queimar soutiensnenhuns, apanhamos uma enorme tareia, foram várias para o hospital, porque o Expresso, e a Helena Vaz da Silva, resolveu pôr uma notícia no Expresso a dizer que as feministas iam fazer striptease no Parque Eduardo VII. E portanto foi uma coisa violentíssima, quando nós chegamos ao Parque Eduardo VII vestidas de donas de casa, noivas, com as crianças, e não tinha crianças na altura, mas havia quem tivesse… o Parque Eduardo VII estava mais ou menos invadido estava mais ou menos utilizados por grupos de homens que quando perceberam que não ia haver striptease ficaram com uma raiva louca e nos agrediram. À exceção da noiva, porque…. o que é muito curioso, em que diziam: não, é uma noiva, é uma noiva, não não toquem, não toquem, é uma noiva. Era o símbolo da pureza, não é, portanto as outras todas podiam apanhar uma tareia, como aconteceu com algumas. Mas pronto, não tive, não tive… O MLM acabou, foi tomado de assalto pelas trotskistas, que faziam isso habitualmente, portanto, infiltravam-se nos movimentos e tomavam-nos e destruíam-nos por dentro. E foi o que aconteceu.
— A UMAR é o legítimo herdeiro das feministas e tem um trabalho notável e de documentação e manteve sempre este trabalho sobre as mulheres. Eu deixei de ter uma uma militância pública, o que é que eu acho que continuei a fazer sempre? Eu sou feminista todos os dias e portanto como como uma feminista, durmo como uma feminista, converso com outras mulheres como uma feminista, converso com os homens como uma feminista, já não discuto com os homens feminismo, porque deixei-me disto há muitos anos. Acho que sim, que eles também têm problemas, mas eles que tratem deles, não sei, não quero saber, não perco meu tempo com isto, a minha preocupação são as mulheres, e sempre que tive…. e tive muitas vezes lugares de gestão e de chefia, preocupei-me em não fazer uma chefia masculina. Em fazer uma chefia de outro tipo, uma chefia de envolvimento, quer com homens, quer com mulheres, de… colaborativa, porque uma coisa que me faz muita confusão é porque… o modelo que existe, o modelo vigente é um modelo patriarcal, e é um modelo masculino, o modelo de poder é um modelo masculino, e portanto as mulheres, quando chegam a lugares de poder, na sua grande maioria infelizmente, e porque tiveram que ter um comportamento masculino para atingir, não é tiverem que ter um comportamento masculino, tiveram que ser aceites pelos homens, pelos seus pares para conseguirem lá chegar, portanto, sem o apoio deles nunca teriam chegado aos lugares de chefia. E portanto o que acontece é que quando chegam aos lugares de chefia normalmente são piores que os homens, comportam-se de uma maneira mais masculina do que os homens. E são as mulheres que põem em causa as outras mulheres. Portanto esta coisa, que é uma coisa que eu acho que os homens conseguiram, dividir as mulheres, criando nas mulheres sempre a ideia de que a outra pode ser a rival. E eu acho que isso é é coisa pior que foi que os homens fizeram às mulheres mais do que as tareias, mais do que as mortes, foi o pô-las umas contras as outras.
— E portanto aquela coisa do dividir para reinar realmente aqui é bem patente. E muitas… não quer dizer que eu goste das mulheres todas, algumas são insuportáveis, não é… eu não sou propriamente boazinha desse ponto de vista. Mas tento, mas tento sempre, quer dizer, agora já nem tento, agora é natural, mesmo quando há coisas que me irritam muito, ou que me desgostam muito, pensar porquê. Por que é que esta mulher faz isto? O que que lhe aconteceu para ela fazer isto? E normalmente são sempre questões que têm a ver com a insegurança, que tem a ver com a mãe, tem a ver com a infância, tem a ver com uma série de coisas. Eu tenho um olhar incomparavelmente mais benevolente em relação às mulheres do que tenho em relação aos homens. Quer dizer, os homens não sei nem quero saber. Pronto. E de facto… mas, e outro aspeto que é muito complicado é, que são as mulheres que educam os filhos, não é. Portanto, os valores da sociedade patriarcal e da diferença, da diferença pejorativa, não é… porque eu não defendo que as mulheres e os homens são igual, não, não são, graças a deus não são e ainda bem que não são, e podem ser complementares e… ótimo. Mas que a diferença seja um handicap ou seja usada para a discriminação, isso não. E quem transmite estes valores às crianças, porque continuam a ser as mulheres que as educam, porque há mais professoras do que professores, as mães estão mais com elas do que os pais apesar de tudo, mesmo que tenham… porque as mulheres desdobram-se em horários de trabalho de muito mais horas que os homens e portanto são elas que também acabam mais, quando os filhos estão doentes quando essas coisas. E infelizmente são as mulheres que transmitem estes estes estes valores. Porque é uma forma de de valorização, porque…. Nos últimos anos estou muito contente porque ser feminista passou a ser moda e portanto eu acho ótimo, acho que muita gente não sabe bem o que é que está a dizer, mas passou a ser uma bandeira que as mulheres empunham com orgulho, dizer que são feministas.
— E eu acho que isto já não é mau. Pode ser que a seguir descubram o resto. Tenho, tenho aqui como noutras áreas da minha… não é da minha, é da vida, uma preocupação de justiça muito grande e tenho muita dificuldade em… mesmo quando não dava jeito, não continuar a tentar ser justa. Portanto há coisas, há coisas que as mulheres defendem que eu tenho dificuldade em em defender. Que eu tenho dificuldade em defender. Porque acho que não se pode ter só direitos, e acho, acho que há coisas que saem muito caras. Se quiserem, é um bocadinho isso. Eu acho que quando se perde a razão o preço que se paga por isso é muito caro. E portanto no caso das mulheres, que é aquilo que mais me preocupa, há muitos comportamentos das mulheres que me incomodam profundamente, muito profundamente, porque acho que são são maus para as mulheres são… permitem que os usem como exemplo de parcialidade, de aproveitamento, e portanto fico realmente muito incomodada. Agora há muita coisa que eu acho que, quer dizer, quando há crises económicas volta sempre tudo pra trás, as primeiras que sofrem são sempre as mulheres, isto é o costume. E continua a haver discriminações, há hoje em dia muitos temas que são temas muito difíceis de ter uma fronteira do que é que está certo e o que é que não está. Hoje em dia… há muitas nuances… era mais fácil há uns anos atrás, isto sim, aquilo não. Hoje é há muitas questões como, vou dizer, why not?, como a questão da legalização da prostituição, como a questão das barrigas de aluguer ou, em Portugal, uma versão mais soft que é a maternidade de substituição… como as licenças de parto tão longas, há muitas coisas que eu acho que podem aparentemente ser uma conquista, e são coisas que as mulheres vão pagar muito caro. E que são, e que estão profundamente erradas.
— Estão profundamente erradas porque eu acho que às tantas as pessoas já não distinguem muito bem, como é o caso da prostituição, em que aquilo que se defende é “ah, mas as prostitutas têm direito a ter segurança social, e saúde, e reformas”… sim, com certeza que sim, mas isso não não implica tornar legal uma coisa que é altamente violenta do ponto de vista do dos afetos num ser humano. E numa mulher concretamente. Porque apesar de tudo, digam o que disserem, continua a haver muito mais prostitutas mulheres do que homens. E depois há aqui todas as questões de capacidade económica, e todos os países em que a exploração é brutal, e quando realmente agora como digo é moda ser feminista e eu fico contente, mas quando há há algum tempo diziam “ah, mas já não é preciso ser feminista”. Primeiro continua a ser, em todos os anos temos uma quantidade brutal de mulheres mortas assassinadas pelos maridos, ou pelos companheiros ou por um homem qualquer da família. E por outro lado, em Portugal até a situação pode não ser muito má, mas realmente enquanto houver mulheres no mundo a serem discriminadas, violadas, mortas, apedrejadas, excisadas, porque são mulheres… realmente tem que haver feministas, realmente é fundamental haver feminismo.
— Foi um privilégio. Muito obrigada.
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