Rui Remígiop6 de 7 Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa. |
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RR p6 de 7 aos
0M11S-
RR: Mudanças políticas: houve bastantes.
Saneamentos: houve pessoal colocado na prateleira.
Houve quando foi o 25 de novembro.
FSS: Aí sim.
RR: Alguns, só passados anos depois é que
voltaram e ficaram também muito afetados
porque…
FSS: Não tão grave quanto no Rádio Clube
RR p6 de 7 aos 0M30S- Português. Foi tudo, praticamente. RR: A questão que se põe aqui é: quem é que tinha o poder? Eram os militares. Enquanto o Conselho da Revolução existiu e a Quinta Divisão, eram os militares. FSS: Mas no 25 de novembro, quem fosse suposto ter ligações ao PC foi para casa. RR p6 de 7 aos 0M56S- RR: E aos outros. À UDP… FSS: A maior parte foi para casa. RR: Ou ia para casa. FSS: De vez. RR: Exato. Mas foi difícil porque houve muitos colegas que ficaram afetados mais tarde. RR p6 de 7 aos 1M15S- Depois voltaram. FS: Houve reintegrações. FSS: Alguns deles anos depois. RR: Mas, depois, também não voltaram assim…. Foi-lhes dada a oportunidade de entrarem e, quando é assim, é o tal estigma, veio marcado, com razão ou sem razão. RR p6 de 7 aos 1M34S- Nós sabemos que se fez muita asneira. Muita “Burricada das Lezírias” como dizia o outro. Mas os tempos eram aqueles. Os tempos eram aqueles. É como o outro “É a PIDE!”. Eu vi, todos nós vimos. RR p6 de 7 aos 1M54S- Alguns foram galardoados, outros fugiram de Alcoentre e pronto. FSS: Havia militares fardados dentro da rádio? RR: Havia. Só os graduados e com funções de chefia. Era legítimo. Porque havia militares cá em baixo, à entrada, um ou dois ou três, que com as suas G3 faziam RR p6 de 7 aos 2M22S- a sua segurança. Mas… FSS: Aliás, um Presidente do MFA, o major João Figueiredo. RR: Sim senhor. Major João Figueiredo que era tio, por afinidade, da minha mulher. E ele era Presidente do Conselho de Administração e eu pertencia à Comissão de Trabalhadores RR p6 de 7 aos 2M37S- mais tarde, desde essa altura. E a malta “Epá, Remígio” e eu “Desculpem lá”. Eu podia ter beneficiado de alguma coisa, não beneficiei. Tive lá o tio, o José Dias, não foi o Figueiredo. O José Dias foi a seguir ao João Figueiredo. E esse não beneficiei porque… Por exemplo, eu ia buscar os filhos lá a Mem Martins à RR p6 de 7 aos 3M8S- casa dele, passado um bocado mandava recado a chamar. Servia-me um uísque: “Então, conta lá as novidades”. “Não sei, não tenho novidades nenhumas”. No fundo, a tirar nabos na púcara. E eu pertencia à Comissão de Trabalhadores e ele era major, era o diretor, estava a exercer o cargo mais alto dentro da RDP. RR p6 de 7 aos 3M27S- E eu era o simples operador, já não era auxiliar. RR: Acerca do autodidatismo e da formação. Quando eu começo a fazer formação – e antes de ter chegado ao início da TSF … FS: Mas antes disso ainda temos a reestruturação da Emissora Nacional em RDP. RR: Mas isso acontece… FS: E depois vai ter responsabilidades, penso, que na RDP. RR p6 de 7 aos 3M53S- RR: No Núcleo Operacional do Quelhas. FS: Na proposta de Reengenharia de Som para a Radiodifusão Portuguesa. Informação aqui do Francisco. RR: Sim. Eu não era, eu não tinha valor nenhum dentro da RDP. Eu vou dar um exemplo: em função do estigma que me foi marcado e em função daquilo em RR p6 de 7 aos 4M18S- que eu estava a ser prejudicado, eu, um dia, tomei uma decisão: qualquer que seja, ou venha a ser, o meu futuro só me vão poder classificar como um bom ou mau profissional. E então foi, a partir daí, que fiz a minha carreira como profissional. Não abdiquei de vir, mais tarde, a pertencer à Comissão de Trabalhadores, não abdiquei de ser sindicalizado, não abdiquei de ir às assembleias, não abdiquei de ser nomeado como responsável técnico para que as eleições corressem bem – no princípio, eram todas RR p6 de 7 aos 4M56S- a votação, íamos para um espaço na Gulbenkian e, mais tarde, deixou isso de acontecer -, mas, esta decisão, eu tomei. E dela não estou nada arrependido. Porque eu disse “Esta vai ser a minha profissão”. FSS: Mas tudo isso também mostra o reconhecimento de toda a gente dentro da casa. Eras o Papa do som. RR p6 de 7 aos 5M18S- Era essa a ideia. Ainda hoje. RR: Tive uma grande casa que foi o estúdio do Alberto Nunes. Tive uma grande escola como tive com o Leonel Silva. Com o Silva Alves. Com o Forjó. RR p6 de 7 aos 5M34S- Com o Vasco Fernandes. FSS: Mas na sonoplastia. RR: Exato, sonoplastia, em São Marçal. Mas gravação de teatro, eu nunca tinha gravado teatro. E, portanto, tive de aprender. A planificação do teatro. RR p6 de 7 aos 5M47S- Nós fazíamos, antes de começar a gravar, havia ensaios prévios. Para ver, eu tinha um texto onde constava que, entra o ruído tal que não estava gravado e era preciso gravar e, portanto, é preciso agarrar num gravador portátil e gravar estes sons…. Ir aos sons. Porque, hoje em dia, temos tudo na Net. RR p6 de 7 aos 6M9S- Os sons de tudo e mais alguma coisa. Naquela altura, só tínhamos os que existia em disco. E, alguns deles, os discos já estavam de tal maneira copiados e gravados que, se precisássemos de aplausos, os aplausos notava-se que o barulho do disco já estava… Os aplausos do S. Carlos não davam, por exemplo, para o Coliseu. Os aplausos do Teatro de S. RR p6 de 7 aos 6M34S- Luís ou do Villaret também não davam para não sei quê. E, quando começam os grandes espetáculos, onde é que os primeiros espetáculos passaram a dar: no Coliseu e no Pavilhão dos Desportos. Que Lisboa não tinha nenhum… Os chamados comícios, chamados cantos… FSS: Canto Livre. RR: No pavilhão, hoje Carlos Lopes, dos Desportos. RR p6 de 7 aos 7M0S- E, na sequência dos espetáculos, a entrega do prémio de imprensa ao José Afonso, em março de 1974. Que eu estive, felizmente, quando o Manuel Freire dizendo o caminho de Aveiro para cá perderam-se. “Há uns papéis, umas coisas que eu queria cantar. Eu sei, mas não me lembro”. RR p6 de 7 aos 7M25S- Era a maneira dele de dizer que tinha acabado de ser censurado. FS: Que proposta era esta de Reengenharia de Som da Radiodifusão Portuguesa? Em que consistiu esta proposta? Como é que ela depois foi acolhida pelos corpos da direção? RR: É simples, repare: nessa altura, todos nós, numa empresa que está em crescimento, sentíamos que podíamos dar um contributo. RR p6 de 7 aos 7M50S- Porque a Emissora Nacional, temos de reconhecer, foi uma grande escola, mas é uma máquina pesada. Funcionários públicos…. Qualquer mudança demora muito. Mesmo com predisposição à mudança, eu dou um exemplo que pode satisfazer isso: eu fiz algumas propostas e, quando sou aceite e sou convidado a ir para o Centro Técnico RR p6 de 7 aos 8M21S- de Formação – porque a última coisa que eu fiz antes de me vir embora, reformado, foi: dou o mesmo tipo de formação a todos. Os locutores, os realizadores, por aí fora. FS: Responsável técnico de formação da RDP. RR: Tal e qual. Ou seja, dizia eu, numa casa como a Emissora Nacional, era bom que não mudassem só as RR p6 de 7 aos 8M40S- chefias em função das orgânicas político-partidárias e dos militares, mas que, uma casa, por exemplo, não tinha realizadores, não tinha programadores… A programação era a programação feita por… secretárias. Programadores no sentido lato da coisa, que é o homem responsável por… tudo. Contrata, descontrata, busca, vai buscar os melhores… não havia. Realizador também não havia. RR p6 de 7 aos 9M7S- FSS: Não havia formação sequer. RR: Não havia formação, tal e qual. Quando o novo, jovem, Carlos Fogaça, sociólogo de formação, vai para a frente do centro de formação e faz formação de cima a baixo e de baixo a cima…. Consegue ir fazendo formação e, quando chega aos quadros superiores da administração, não quiseram. RR p6 de 7 aos 9M36S- E sabe qual foi a reação dele? Demitiu-se do lugar. Pôs o lugar à disposição e veio-se embora. Saiu da empresa. FS: Mas tinham passado dez anos. Imagino que em 1983, quando passa para a RDP, é quando se dá este processo todo de reestruturação, RR p6 de 7 aos 9M52S- não é, da Emissora Nacional que se transforma em RDP, depois há ali dez anos sem nenhuma aposta, por exemplo, a esse nível. Formação. FSS: A RDP está quase uma década em grande dificuldade. Muito à deriva, muito controlada politicamente. RR: E mais: quando acontece a grande mudança que começa a aparecer as ameaças das rádios, RR p6 de 7 aos 10M16S- cá fora… FSS: As privadas. RR: De onde é que saem os quadros para a televisão, para a TSF, para tudo isso? Da RDP. FSS: Sim, toda a gente. FS: É desfalcada. RR: Afinal, a Emissora ou a RDP tinha bons quadros? RR p6 de 7 aos 10M37S- Tinha. Onde é que trabalhava o Rangel? Na RDP. Onde é que trabalhava o engenheiro Jaime Filipe? Na RDP. Há mais exemplos. RR p6 de 7 aos 10M47S- E, portanto, quem diz pelo país todo. E eu estou à vontade porque, quando comecei a fazer formação, era operador auxiliar. E vou fazer formação, pela primeira vez, aos Açores e depois à Madeira. Quem é que vai comigo também fazer formação: um chefe de departamento, que foi o meu chefe, Espírito Santo. Que era chamado engenheiro técnico, de formação académica. RR p6 de 7 aos 11M8S- E eu operador auxiliar. Ele tinha as ajudas correspondentes e eu tinha as ajudas mais baixinhas. Fazíamos o mesmo, mas ganhávamos completamente diferente. A única coisa que pagavam era: viajávamos no mesmo avião que era TAP. Açores. Quando chegamos à Madeira, a ação de formação é feita… há coisas maravilhosas na minha RR p6 de 7 aos 11M38S- vida. Sou dos homens mais felizes em termos profissionais. Acredite que é verdade. Chegamos à Madeira, é assim: vamos aos Açores uma semana, ação de formação. E eu nunca tinha estado nos Açores: um edifício antigo, uma vivenda, maravilha. Fiquei logo com amigos em todo o lado porque, no fundo, o que é que eu levava: tudo bem RR p6 de 7 aos 11M59S- preparadinho, tudo muito preparadinho, mas aberto a que eles me dissessem os problemas. E a minha muita experiência era tentativa de solucionar. Um dos problemas era a humidade das fitas. Paravam devido ao óxido. Foi na sequência disso que eu consegui descobrir a diferença entre um I e um J: umas eram boas e outras eram vendidas… Dentro da empresa RDP, alguém as vendeu, ganhou dinheiro e RR p6 de 7 aos 12M27S- eram falsificadas. Vinham da Indonésia. Açores, de seguida, da Madeira. Mas o avião veio primeiro a Lisboa: não sai da pista e mete passageiros para o Funchal. Funchal: eu dava a minha ação de formação de manhã, das 9h às 13h. Era a minha terra, tinha saído de lá em pequeno. RR p6 de 7 aos 12M53S- Fui lá doze vezes, a última fui convidado para a formação sobre música e novas tecnologias. No Polo Tecnológico do Funchal. Tinha saído da RDP. Mas dou a minha primeira aula, ação de formação, primeiro dia e, ao fim do dia, o chefe de departamento Espírito Santo vem ter comigo “Ó Ruizinho, eu posso amanhã assistir à tua aula?”. RR p6 de 7 aos 13M20S- “Gostava muito, não tenho problema nenhum”. Ele vai, está lá e, ao fim de hora e meia, duas horas, diz assim “Epá…”. Fez-me um elogio de alto gabarito. “Epá, eu pensei que sabia alguma coisa. Olha que tu não podes continuar com essa categoria”. Assim, tal e qual. RR p6 de 7 aos 13M41S- Eu sei que, a partir daí, nunca mais quis aparecer. “Tomara eu”. Eu tenho a noção do que é a pedagogia. De cada ato que se faça. Eu estou a aprender, mas estou a aprender como é que o outro lado reage àquilo que eu ministro. RR p6 de 7 aos 13M58S- Abrir a boca e pôr lá alguma coisa para saborear porque, fechar a boca, não serve só… Por isso é que existem aí muitas ações de formação e eu fiz ações de formação como formador, onde fui aprender muita coisa. E uma das coisas que eu aprendi é: é como o outro “só sei que nada sei”. Não era bem assim: o pouco que sei pode vir a servir-me de aprendizagem para mais aprendizagem. RR p6 de 7 aos 14M22S- FSS: Há um momento decisivo na rádio que é, à entrada dos anos 80, um protocolo europeu da RDP. Levou à vinda, cá do Edouard Gibert, que marcou decisivamente tanto a rádio como a televisão. Primeiro, foi um curso de seis meses na Sampaio e Pina, nas instalações do ex-Rádio Clube Português. RR p6 de 7 aos 14M47S- E depois, a seguir, o impacto desse curso levou a que a direção da RDP decidisse ativar o centro de formação. O Carlos Fogaça, etc. E há ali um momento que é decisivo. Não sei se tens essa noção. Os jornalistas da rádio não sabiam trabalhar com o som. RR p6 de 7 aos 15M4S- Ou seja, era suposto escreverem para o microfone, mas não trabalhavam o som. E és tu quem, nessa formação, começa a introduzir o trabalho. Os jornalistas também com som. RR: Manuseamento de equipamento. Ou seja, eram os gravadores portáteis marca Sony com microfone com extensão de fio de aproximadamente metro e meio, não mais. RR p6 de 7 aos 15M30S- Não era mais do que isso. Que tinham, a proteger, em vez de uma esponja, uma rede metálica fechada, formato USM 58, que é o formato dos microfones que aparecem em todo o tipo de…. Tem uma grelha, mas a grelha é a si sobreposta. Aquela não era. Uma chapinha com os orifícios, para quê: proteger as intensidades sonoras, o efeito RR p6 de 7 aos 15M54S- de proximidade para não distorcer a membrana do microfone, evitar os chamados [vox]POPs. Mas o problema não era só esse: era preciso conhecer o gravador, o microfone, a utilização do microfone, a cassete, a duração do tempo das pilhas, carregar as pilhas, a utilização dinâmica do aparelho de medida – que tinha YLC que é um automático que controla o nivelamento, na posição ALC a modelação ficava controlada automaticamente, não passava do pico, já devidamente controlado e, se não estivesse controlado, das duas uma: o sinal era muito RR p6 de 7 aos 16M40S- fraco porque o microfone precisava que o potencial fosse regulado e se ensaiasse “1,2,3,4,5,6, estamos em direto” e ver se modelação era q.b. Fosse q.b., o ideal, se estava ensaiado, podemos então ligar o YLC, o controlo automático de nível e então, aí, ficava-se garantido. Mas isto pressuponha várias coisas. Era importante, se fosses para exterior, levar pilhas. RR p6 de 7 aos 17M8S- Porque, senão, saber o tempo de duração de uma cassete: se a cassete fosse C30, é 30 minutos de um lado, 30 do outro. Se fosse C60, é… FSS: Duas horas. RR: Duas horas. C90, 45 minutos em cada lado. No mesmo espaço da mesma cassete, tens mais duração ou menos duração de tempo em função RR p6 de 7 aos 17M31S- da espessura da fita. E, quanto mais fina é a fita, mais tempo tens, menos resistência à durabilidade – ou seja, às tensões – ela tem. Logo, dura-te menos tempo. Pára, stop, arranca: a fita é muito fina, deteriora-se, estica e perde-se a… FSS: É que isso, sendo básico, não era praticado. RR p6 de 7 aos 17M56S- E há um momento de transformação na rádio: coincide com essa formação. Até então, os jornalistas, quando, os ex-redatores/locutores — que iam começar a ser jornalistas – iam, sei lá, ao Palácio de Belém, audiências aos partidos políticos, eles iam para contarem em voz. Mas ia sempre uma carrinha Peugeot 404… RR: Um técnico. FSS: O técnico tratava do som e o jornalista podia estar de mãos nos bolsos ou com uma RR p6 de 7 aos 18M23S- caneta. E, a partir daí, o jornalista passou a ser também… RR: Tripé de microfone. FSS: É uma mudança até na organização profissional da casa. RR: Gera economia de pessoal. Gera independência do jornalista. RR p6 de 7 aos 18M40S- Gera competências para os jornalistas que, ainda hoje: por exemplo, em televisão, com um simples telefone moderno tu gravas, editas e transmites, não é?. Tens o Skype ou programas que transmitem em direto. FSS: Mas esse, portanto, é um momento determinante na vida da rádio. RR: Fulcral. Mas vem de fora. RR p6 de 7 aos 19M1S- E foi nessa altura que a RDP comprou havia N…. Chegou a haver doze gravadores disponíveis para, pelo menos, meia dúzia estarem no centro de formação. E vieram de todo o lado. O José Manuel Portugal veio de Coimbra. O que está hoje… jornalistas da TVI, que não me lembro agora o nome, já… RR p6 de 7 aos 19M26S- FSS: José Alberto Carvalho? RR: Não, o de TV, o outro… vem de lá debaixo do Algarve outra colega que é… A Helena Figueiras. Vem dos Açores e da Madeira. Vem toda a gente. Porquê: porque são criadas normas, assim eu posso dizer que criei essas normas – não RR p6 de 7 aos 19M51S- existiam. Ou seja, o jornalista quando vai – jornalista porque começa aqui, é extensível aos assistentes de realização, realizadores e produtores. Por exemplo, às vezes, autonomia. O gravador existia nos armários da produção ou dos jornalistas. Estavam lá, era pertença deles, a sua manutenção e controlo e utilização. RR p6 de 7 aos 20M20S- E dos jornalistas a mesma coisa. Mas, por exemplo, aparecia alguém que dizia “Podias ir gravar, tenho tempo”. E houve pessoas não dotadas desta ação de formação e que praticavam a chamada Burricada das Lezírias: não tinham tido essa formação. Conclusão: só podem utilizar o gravador de reportagem todos aqueles que passam por uma ação de formação ou tivessem passado. RR p6 de 7 aos 20M46S- Mais tarde vem acontecer com os realizadores: ou seja, o realizador então é o extremo poente… é ele que passa a trabalhar com uma equipa. FSS: A formação atingiu grau sofisticado. Lembro-me de um momento, creio que em outubro de 1983, numa formação com o SFPJ de Paris, e que decorreu nas Amoreiras. Em que, lembro-me do exercício que foi recomendado conjuntamente pelo formador e por ti. RR p6 de 7 aos 21M27S- Os repórteres – doze formandos, eu era um deles – foram para a 5 de outubro, para a porta do Ministério da Educação – creio que o ministro era o Sottomayor Cardia – e a tarefa era contar a manifestação sem voz do jornalista. Só com a captação de som. Portanto, era quase uma iniciação à sonoplastia: captem os sons de modo a que a história seja toda só em som. RR p6 de 7 aos 21M55S- Foi, na prática, uma… RR: Façam a paisagem sonora. Exato. Manusear em função dos vários acontecimentos e das intensidades sonoras, que todas elas pactuem. Ou seja, que realidade é aquela que pode ser, mais tarde, definida? É tão simples quanto isto. RR p6 de 7 aos 22M20S- Eu aprendi muito porque chamei, para nos ajudar… Dei um nome a uma parte da ação “Sou uma parte integrante dos sentidos”. E convidei um cego, doutorado, Carlos Deodato, estava à frente da Biblioteca Camões ali na… ao cimo da Calçada do Combro. E o fulano tinha um currículo espetacular. Ficou cego aos dois anos depois de ter levado um coice na cabeça. RR p6 de 7 aos 22M51S- Ele corria por entre os pinheiros, ele aprendeu a andar de bicicleta e justificava tudo. E foi ele que me ensinou pormenores, em Portugal, que a maior parte das pessoas não sabiam. E ainda hoje… Portugal é dos países – e aqui a escola dos cegos, aqui em Campo de Ourique -, é dos países onde o ensino aos cegos evoluiu mais. Permitimos o quê: a autonomia com a bengala desdobrável. Porque o cão, por si só, quando adoece, não pode acompanhar o dono. RR p6 de 7 aos 23M28S- Mas alguns cães, hoje em dia, fazem escolhas rigorosas e treinos. Se o cão adoece ou morre, não há mais nada. Mas o tamanho do cão, que normalmente é um cão grandinho, pode intimidar as pessoas. Portanto, não dá total autonomia ao invisual porque há locais onde o cão podia não entrar. Hoje em dia, é obrigatório, em todos os lados. E então, eu aprendi, a história da paisagem sonora, da utilização do microfone: “Vão RR p6 de 7 aos 24M0S- lá fora ao Ministério da Educação, façam a cobertura do acontecimento sem o uso da palavra”. O que quer dizer… FSS: Usavas palavras de ordem como guia. Lembro-me que era preciso encontrar alguém que dissesse “Estamos aqui quase uns 5000” para dar a ideia do tamanho. RR: A intensidade sonora de 5000 é diferente de cem. RR p6 de 7 aos 24M19S- Tinha aí, trouxe comigo, uma fotografia em que estou à frente do Ministério de Educação; também, um grupo de professores que vieram de Almada, numa escola onde eu dava aulas, também lá estive. Aí trouxemos, em cima de uma carrinha de caixa aberta, alunos de música – a tocar bateria e por aí fora, saxofone. Para chegar aonde: o cego, o pior período para ele, é o dia. RR p6 de 7 aos 24M49S- É quando há mais ruído. O melhor período é a noite, menos ruído. O dia de vento é o pior dia porque desvia-lhe a fonte sonora, não é? O melhor dia é dias normais. Ou seja, a bengala desdobrável dá uma autonomia enorme ao cego. Portanto, o cego consegue uma data de coisas. RR p6 de 7 aos 25M7S- E eu tenho aí, trouxe comigo e deixei com a Filipa, um formando, que eu ajudei a formar, já com tecnologias digitais lá no centro de formação, em que ele aprende a fazer a emissão, com CDs, microfones, totalmente autónomo. E eu ajudei, formei-o, pu-lo à prova em frente de toda a gente. E descrevo a razão de ser de tudo isso: ou seja, as paisagens sonoras que vocês foram para o Ministério da Educação fazer, é aquilo que eu hoje em dia peço aos alunos RR p6 de 7 aos 25M38S- na primeira aula. “Vão para fora, vocês não sabem nada porque eu ainda não mostrei nada. Quero que vocês me tragam em escrito”. Pode ser de modo gravado, no telemóvel ou computador. O que ouvem? Fechem-me os olhos e descrevam o que ouvem. RR p6 de 7 aos 25M57S- A ver se já sabem definir movimento, esquerda-direita, distinguir entre o motor de uma mota e o de carro de um Diesel, um carro de gasolina, o tinoni das ambulâncias, dos bombeiros e da Telepizza, se o avião tem barulho a levantar ou a aterrar, se a vizinha chegou a casa e anda de saltos altos lá em casa, o vizinho é surdo tem a televisão muito alta. Os reflexos condicionados: quando tocam à porta, se tocarem a campainha, eu não vou abrir o frigorífico. RR p6 de 7 aos 26M29S- Foi nessa altura que se dá a grande mudança, para mim, o Giesbert traz essa coisa. Depois, o Adelino Gomes continua – e tu, todos vocês. Tu [Francisco Sena Santos] és uma referência dentro da área do jornalismo: o ritmo, a leitura e as notícias. Mas é preciso, depois, respondendo ainda à pergunta da Filipa que é: dá-se mudança porque as chefias têm que mudar ou têm que fazer formação. RR p6 de 7 aos 27M4S- É nesta altura que os livros começam a sair das gavetas, os manuais dos equipamentos começam a ser copiados e traduzidos, que o Feliz – um belíssimo técnico na área da música – traduz um livro francês e é distribuído em fascículos. Um livro inglês, não é francês. Que é um livro de instruções tecnológicas, de operações de som da BBC. E ele traduziu aquilo em fascículos. RR p6 de 7 aos 27M38S- E era, depois, pronto, um belíssimo livro para quem não sabia nada. Porque nós éramos simples executantes de funções limitadas. Fora da minha profissão. Estar no meu princípio, a controlar a dinâmica, não sei mais nada. Vim a descobrir, mais tarde, quando estou no centro de formação, que ninguém sabia nada sobre audiofrequência ou sabiam pouco. RR p6 de 7 aos 28M7S- Não quer dizer que não houvesse um ou outro. Uns eram muito bons e outros…. Percebe, fora da sua profissão. RR: A minha outra grande outra aprendizagem é cá fora quando aprendo a trabalhar com músicos, com pessoal do teatro, com pessoal da publicidade, com a multipista – que é um sistema de gravação que permite que eu vá somando, acrescentando, os instrumentos RR p6 de 7 aos 28M32S- — primeiro o ritmo, depois a harmonia, depois a melodia. E isso abre as portas por aí fora. Surge o digital: vantagem das vantagens, tenho um display onde toda a informação me aparece. O tempo, o remain – ou seja, quanto é que falta -, quanto já gastei, o nome da música, o nome da faixa… Eu posso programar ou reprogramar um DAT, um ADAT, [Alesis Digital Audio Tape] fazer uma lista, posso ouvir só o princípio da música ou o fim, posso fazer um loop – ou RR p6 de 7 aos 29M5S- seja, pôr em repetição tempos de fita -, posso, em gravadores, DAT – do digital audio tape. O VHS, que todos conhecemos em casa, mas com fitas para áudio tem de ter mais resistência, menos tempo, menos durabilidade, menos tempo de duração. Ao passo que tu, para veres um vídeo, carregas e pausas para veres noutras alturas. E é quando aparece o formato: demorou seis anos para que o formato do DAT fosse aceite no Japão, na Europa e nos EUA. RR p6 de 7 aos 30M0S- Até se ter, porque só havia cassete e fitas, não havia mais nada. Aquele formato demorou seis anos. FSS: Acabou por ser efêmero depois. RR: Efêmero, mas ainda hoje, por aí fora…. Porquê: não é pela fita, hoje em dia, tudo é tão efêmero. Já nem o MiniDisc. RR p6 de 7 aos 30M18S- Mas depois ainda apareceu uma cassete digital, muito boa, também efêmera. O CD, hoje efêmero é. FSS: Pois, está tudo no computador. RR: Está na Nuvem. O problema, hoje em dia, é esse. FSS: Claro. RR p6 de 7 aos 30M36S- Eu tinha ideia que tu tinhas participado numa gigantesca operação exterior, uma prolongada visita do Papa, do João Paulo II, a Portugal. Agora deste-me há bocadinho a chave: foi o João Feliz com o João Dias. Confundi-te, é outro mestre da rádio. RR: A tal pergunta que eu fiz, quando me convidaram para fazer formação, “Ó Rui, gostávamos que fizesses formação”. RR p6 de 7 aos 30M58S- “Porque não este?”. Foi o Feliz. Disse o nome, mais dois. O Feliz não queria, não tinha tempo para isso, não tinha prática de ensino, por aí fora… De inglês e de música, ele sabia. RR p6 de 7 aos 31M13S- FSS: A minha memória dos mestres do som foram vocês e confundi-me. FS: Vamos voltar aqui às paisagens sonoras. A elaboração de paisagens sonoras. Segundo a nossa pesquisa, o Rui sonorizou peças da literatura clássica, como Os Miseráveis do Victor Hugo, o Oliver Twist do Charles Dickens e A Selva do Ferreira de Castro, como já tínhamos falado. RR p6 de 7 aos 31M38S- Como é que se preparavam essas emissões, que meios eram necessários? RR: Preparava e também se improvisava. Eu lembro-me do célebre Ferreira de Castro. Ele na altura… FS: Isto foi na Emissora Nacional ou já RDP? RR: Já RDP, exato. Por folhetins, gravava-se dois episódios em cada dia e por aí fora. [mixcloud https://www.mixcloud.com/AMOPC/amopc-rui-remigio/ width=100{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} height=60 hide_cover=1 mini=1] RR p6 de 7 aos 32M3S- Há falas que se mantêm os mesmos personagens, mas, depois, há alguns que passam por lá, fora. Até podem ser os mesmos já com outras falas, alteram ligeiramente a dicção, o tempo de leitura. Fazem até com o seu à vontade e grande profissionalismo, outros personagens. Quando digo improviso, na altura, é preciso, o cair: ouvir-se o tombar de um corpo. RR p6 de 7 aos 32M29S- Lá, em São Marçal, tínhamos a tal areia, a porta fingida, as campainhas, essas coisas que o tal colega que tinha essa função – que era um misto entre sonoplasta e operador – manuseava e que nós, na altura, também uma ou duas coisinhas manuseávamos. Era preciso ouvir-se tombar um corpo. Havíamos nós de atirarmo-nos para o chão. Tínhamos lá, no sítio, um tronco de uma árvore para aí de metro e meio, para aí RR p6 de 7 aos 33M11S- com 50cm de diâmetro. Era um tronco a sério. Aquele tronco, se o deixássemos cair, à semelhança deste chão alcatifado, para nós pudermos deslocar, para os nossos passos não serem captados pelo microfone aquando da gravação. Então, tivemos de agarrar em alcatifa, panos, tudo aquilo que fosse macio. Envolver esse tronco para quando ele caísse, tivesse o peso correspondente a um corpo, RR p6 de 7 aos 33M42S- mas não a sonoridade de um tronco. Um tronco em madeira… Ou seja, essa é uma delas. Outro exemplo: isto é, agora, vou falar e eu aproveito para homenagear a seu dono. Aprendi que, nunca tinha feito nem tal imagem nunca tinha vindo, que era: todos nós aprendemos, falei há bocadinho do fogo com o celofane, gravar um som – por exemplo, um tiro a uma velocidade; reproduzir a metade da velocidade, um tiro passa a ser um tirão e uma vozinha RR p6 de 7 aos 34M23S- passa a ser um vozeirão. Alteração de velocidade, alteração do timbre que caracteriza. E, então, faltava-nos o bater das asas de um pássaro. Não é fácil. Veio-me a ideia, eu preciso de gravar um dia o som de uma abelha para sonorizar. Faço uma gravação para os liceus, em inglês, seguindo as regras americanas: andei com o RR p6 de 7 aos 34M59S- professor Rui, dois anos a gravar. Ensina nos colégios do inglês. Precisava de um som de uma abelha. E era Primavera ali, na parte exterior do meu estúdio havia uma laranjeira florida. Cá fora, vi as abelhas. E eu tinha apanhado abelhas na minha infância: é dobrar um lenço, apanhar, mas sem apertar. RR p6 de 7 aos 35M30S- Dentro de uma garrafa de plástico. Mas a garrafa tinha uma ou duas gotinhas de água. As asas da abelha não deram. E o som que eu consegui não foi aquele que eu queria. Um garrafão, mas tive que sacudir, limpar, para não ter água nenhuma porque as asas da abelha – pequeninas, das abelhas que vão buscar o pólen para o fabrico do mel – e, RR p6 de 7 aos 35M58S- depois, entro lá para dentro. Precisava que ela voasse. Um garrafão de plástico tem mais ou menos este tamanhinho. Desde que não tivesse água, ela voava, voava. Eu coloquei o microfone na boca do garrafão e captei. Escusado será dizer que passei a digital, computador, depois fiz vários registos – a RR p6 de 7 aos 36M22S- abelha a bater no fundo do garrafão, a abelha a voar, por aí fora… Para dizer: era preciso bater asas de uma gaivota, de uma pomba, quando as… Uma fita chega ao fim, a fita veio… O veio de proteção e com o roulete arrasta a fita, o núcleo debita para o recetor. A fita chega ao fim e anda ali uns instantes a bater na guia, na parte protetora. Depois, com um bocadinho de reverberação, é preciso depois… Maravilha, maravilha. FS: Também sonorizou a Simplesmente Maria [folhetim radiofónico que estreou em 1973]. RR p6 de 7 aos 37M25S- RR: Mas isso foi o Carlos Fernandes. Fiz uma ou outra parte, mas já era uma versão que não era a novela. Fiz muitos folhetins, gravei muito com a Odete Saint-Maurice também. Gravei com a Maria José Mauperrin, que tinha… FS: Isso foi há imenso tempo. RR: Já não está cá entre nós. Ainda trabalhava no Quelhas e ela adorava passar Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira RR p6 de 7 aos 37M58S- antes do 25 de abril. E, às vezes, o Sérgio Godinho. E eu, que estava no apoio à emissão, fazia-lhe sinal. Passaram-se tempos, acontece o 25 de abril, e ela chega a realizadora – ainda não estava nomeada, mas, depois, vai aos primeiros cursos. Era uma mulher muito dinâmica. RR p6 de 7 aos 38M26S- FSS: Café Concerto, era o programa dela. RR: Mas era na Comercial. Então, a Maria José Mauperrin e, um dia, vem ter comigo “Ruizinho querido, quero gravar” … já não me lembro, os tais autores proibidos antes do 25 de abril. E ela veio ter comigo e vem gravar para São Marçal à noite. Ela nunca tinha gravado teatro, não era realizadora, não era… tinha vontade, mas também os RR p6 de 7 aos 38M58S- textos escolhidos por ela também não tinham grandes encenações, nem grandes representações. Era mais…. Mais ditos. Tinham era muito conteúdo dialético. Ficava ali a polémica toda da política, acima de tudo, e por aí fora. E pronto, foi muito agradável essa noite. RR p6 de 7 aos 39M23S- Na sequência dessa noite, fui gravar com a Maria José Mauperrin e aconteceu um fenómeno do mais maravilhoso de uma chefia. Eu guardo e conto isto muitas vezes. Tinha um chefe chamado Manuel Pascoal. Trabalhava simultaneamente, no Rádio Clube Português, ele ainda é vivo. Deve estar com 80 e muitos anos. RR p6 de 7 aos 39M43S- E era meu chefe lá em São Marçal, onde eu trabalhava. Eu tinha estado a fazer a manhã, vim trabalhar cá fora à tarde e, à noite, fui para a rádio, para São Marçal, gravar teatro com a Maria José Mauperrin. E quando desço, fechar as luzes – havia alguns estúdios ocupados com as emissões em direto para África, as Américas, Índia e não sei quê – mas, a parte de gravação, fechava eu. RR p6 de 7 aos 40M15S- E ao fechar, vou ver o que é que eu tinha no mapa. O chamado planning, para o dia seguinte. A que horas tinha de entrar para gravar. E vejo um subscrito interno que dizia “Para Rui Remígio, de Manuel Pascoal: ‘Não se preocupe com a sua hora de entrada amanhã de manhã’”. Epá, isto é, das coisas mais maravilhosas que uma chefia pode ter em atenção. RR p6 de 7 aos 40M44S- Contei isto já milhares… a ele e à frente dos meus colegas, porque nunca ninguém me tinha feito isto. Para mim, foi uma grande lição porque, para quem ministra e dá aulas nas escolas, em que qualquer ato, qualquer pequeno gesto pode funcionar como pedagogia, pratiquem. Pratiquem, pratiquem, ou seja, conhecer o outro, mas aprendendo a respeitar. Escusado será dizer que, no dia seguinte, eu estava lá a horas. RR p6 de 7 aos 41M11S- Porque uma pessoa dessas só merecia isso. E conto isto porque de facto, para mim, é marcante. Tive chefes que nem… “Rui Remígio vem trabalhar de sandálias e calças de ganga? Os pezinhos estão lavados, as unhas também”. Aconteceram coisas destas, a seguir ao 25 de abril. |