Rui Remígio

Rui Alberto da Silva Remígio, conhecido por Rui Remígio, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na Rádiodifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda. Nasceu em 1945, em S. Pedro, no Funchal. Porém, nos primeiros anos de vida, residiu em Viseu e na Figueira da Foz, cidades de onde o pai e a mãe eram oriundos.

Na adolescência, frequentou o Curso de Formação de Serralheiros na Escola Industrial de Viseu. Entre 1964 e 1967, foi professor de trabalhos manuais e oficinas de serralharia na Escola Industrial e Comercial de Santarém. Foi nesta instituição que realizou a Secção Preparatória aos Institutos Industriais. Ingressou no Regimento de Infantaria nº 5, nas Caldas da Rainha, no dia em que completou 21 anos.

Três anos mais tarde, em 1969, foi enviado para Angola, onde esteve até 1971, cumprindo o serviço militar então obrigatório. A par das responsabilidades enquanto graduado, teve também tempo para se fascinar pela rádio através de um gravador com música em fita de ¼ de polegada. O gosto pela transmissão do conhecimento nasceu igualmente em Angola, quando tentou ensinar o abecedário a filhos de guerrilheiros locais capturados.

Em 1971, no regresso a Portugal, ingressou na EN, começando por desempenhar o cargo de Operador Auxiliar Estagiário. Volvidos dois anos, e mantendo funções na EN, iniciou atividade nos Estúdios Musicorde Lda. a convite de Alberto Nunes. Aí, acompanhou a transição tecnológica do registo monofónico para estéreo e também a evolução do formato multipista. É de destacar que, colaborando com o serviço de Teatro Radiofónico da EN, gravou atores destacados no panorama cultural nacional, sonorizando clássicos da literatura universal como Os Miseráveis, de Victor Hugo, Oliver Twist, de Charles Dickens e A Selva, de Ferreira de Castro.

Em 1976, a designação do serviço público de radiodifusão portuguesa – Emissora Nacional – alterou-se para RDP. Mantendo-se na equipa de sonoplastia, Rui Remígio desempenhou diversos cargos na RDP como o de Operador Radiotécnico (entre 1973 e 1993), Responsável pelo Núcleo Operacional da Antena 1 (em 1987), Operador Áudio Principal (entre 1988 e 1990), Supervisor Áudio (entre 1990 e 1993) e Responsável Técnico do Centro de Formação (em 1993). Ciente da importância da formação ao longo da vida, realizou vários cursos complementares como o de Operador de Radiodifusão da RDP ou de Sonoplastia e Suportes Sonoros na RTP. Na RDP, a partir de 1984, acumulou funções como formador nos diversos Emissores Regionais, tanto no continente como nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Foi também formador na RTP, na TSF e na Rádio Renascença.

Após 24 anos ao serviço da RDP, em 1995, reformou-se. Tal não significou, no entanto, o afastamento do universo da sonoplastia. Até 2014, ano de encerramento dos Estúdios Musicorde Lda., gravou publicidade, música, contos infantis, poesia, campanhas eleitorais, hinos, corais, tunas universitárias, bandas filarmónicas, ranchos folclóricos e os álbuns de grupos musicais, ou intérpretes a solo como Fausto, Manuel Freire, Luís Cília, Pedro Barroso, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho.

Em 1996, foi convidado para lecionar na Escola Preparatória de Música e Artes de Almada (EPMAA) e, seis anos depois, na Escola Técnica de Imagem e Comunicação (ETIC), instituições de ensino onde foi docente até 2020, ano em que se desvinculou por vontade própria.

Aos 75 anos, continua a ter dois pequenos rádios na mesinha de cabeceira. Por ser apaixonado pelo áudio – e, apesar de ser apologista das novas tecnologias e da inclusão destas no jornalismo radiofónico – teme que “a presença viva e humana, o respirar (…) mesmo que seja com algumas asneiras” desapareçam e, deste modo, se perca a magia propiciada pela comunicação humana.

Rui Remígio conversa com Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa no Espaço Cultural do Cinema Europa, em Campo de Ourique, em Lisboa, a 14 de dezembro de 2018. A edição desta entrevista e da nota biográfica contou ainda com a colaboração de Maria Moreira Rato.


A referência bibliográfica desta entrevista deverá ser feita da seguinte forma: Subtil, F.; Barbosa, P.; Sena Santos, F. & Moreira Rato, M. (2021). Entrevista a Rui Remígio. Arquivo de Memória Oral das Profissões da Comunicação. Disponível em:https://amopc.org/rui-remigo/

Parte 1 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Síntese:

– O início do percurso na Emissora Nacional e os seus mestres na rádio
– Notas sobre a evolução audiovisual durante e após a II Guerra Mundial  
– Apresentação do entrevistado
– Educação e carreira militar: entre a Escola Industrial e Comercial de Viseu e o ingresso no Regime de Infantaria nº 5 das Caldas da Rainha
– De Luanda a Dembos: o início das responsabilidades militares e as memórias do bombardeamento com Napalm
– A luta pela tentativa de escolarização num cenário de guerra
– O início da paixão pela rádio e o choque cultural à chegada a Angola 
– Ascensão na carreira militar em Luanda
– O esforço para conjugar a carreira militar com a finalização do Ensino Secundário
– Relato dos últimos dias na Guerra Colonial 

Transcrição:

RR p1 de 7 aos 0M3S- RR: Eu não tinha Inglês nas minhas habilitações. Tinha feito o Inglês, sozinho, em Angola, para entrar por Instituto Industrial. Tinha média de 16, bastava 14 para entrar. Fiz de facto a História e o Inglês em Angola. Chumbei a Inglês na TAP na parte de conversação. E a Helena Isabel era operadora no Quelhas [Rua do Quelhas, onde estava situada a sede
RR p1 de 7 aos 0M33S- da Emissora Nacional, em Lisboa] e era minha amiga. Os operadores auxiliares, os operadores, vão uma parte à tropa uns porque uns morrem, outros ficam lá, outros desistem e há lugares. Tens todas as condições. E lá fui. Depois entrei. Gostaram. Apaixonei-me pelo fenómeno da rádio, do analógico. E o engraçado é que, ainda hoje, um dos módulos que ministro
RR p1 de 7 aos 1M3S- ali na ETIC, onde dou as minhas aulas, é a história da gravação sonora desde o Edison. A fita de aço e por aí fora, até aos primeiros óxidos. Saí do Quelhas e fui para São Marçal. Um dia sinto uma grande palmada nas costas e dizem “Então, menino, não dizes que tens jeito para isto. Não queres vir trabalhar para o meu estúdio em Campo de Ourique?”
RR p1 de 7 aos 1M33S- e eu morava em Campo de Ourique, era um rapazinho solteiro. E então eu vim para Campo de Ourique, às três da tarde, estava a ser gravada a música para o filme do Eusébio. Com orquestração pelo Fernando Correia Martins. De manhã tinha gravado a base rítmica e ele à tarde estava a escrever música para a secção de metais. O Vum Vum [músico angolano] é que fazia
RR p1 de 7 aos 2M1S- de Eusébio, era o artista da altura. Era conhecido pelo Pantera, tinha uma grande pantera assim na zona do cinto. Olha, a partir daí, as coisas foram evoluindo. Naquela altura, só o nosso estúdio e a Valentim de Carvalho na Rua de Campolide é que tinham oito pistas.
RR p1 de 7 aos 2M22S- Uma polegada. FSS: Pois. RR: E os artistas. Sei lá, o Jorge Machado, o Thilo Krasmann, o Pedro Osório. Os artistas – todos passaram por ali. Mas isto pode-se falar depois durante a sequência. Em duas palavras: eu adoro conversar. Foi a conversar que eu conheci a Filipa. Num grande restaurante.
RR p1 de 7 aos 3M16S- À parte disso, eu estive a pensar e queria sugerir, penso eu, há alguém que para mim tem uma importância enorme pelo trabalho que fez na rádio chamado Rafael Correia. FSS: Claro. RR: A Associação de Reformados da RDP, a qual integro, tivemos um almoço na Rua Ramalho Ortigão. Na minha mesa estava a mulher do
RR p1 de 7 aos 3M53S- Adelino Gomes. E então falávamos “O Rafael Correia está aí e tal?”. Ele evita tudo. E eu disse: a única vez que estive com ele foi em Castelo de Vide, quando o José Manuel Nunes fez uma festa para aqueles que ele entendia que eram merecedores. E o Rafael Correia foi. Mas depois, mais tarde, eu ia de férias para o Algarve, e tinha discos gravados. Deixava-os
RR p1 de 7 aos 4M32S- lá na portaria. Escrevia “Um abraço”. FSS: O Rafael é um tipo fascinante. FS: Mas ele vive em Lisboa ou no Algarve? RR: No Algarve. FSS: Julgo que ao pé de S. Brás de Alportel. FS: E há outra figura muito interessante que também vive no Algarve. A Margarida Tengarrinha. FSS: Sim, é evidente.
RR p1 de 7 aos 5M31S- FS: Tenho-a na minha lista. Mas o problema é: como vamos ao Algarve? 05:00 – 09:02 – Notas sobre a evolução audiovisual durante e após a II Guerra Mundial RR: E outro que tem a ver com outros elementos ligados à comunicação é o José Fortes. Somos colegas, damos aulas. Foi ele que me convidou para ministrar este módulo. É daqueles
RR p1 de 7 aos 6M23S- que ainda gravou em fio de aço. Tem histórias maravilhosas. FSS: O fio de aço é dos anos 40? RR: Não, foi mais cedo. Anos 20 e 30. Desenvolveu-se de tal maneira que, quando foi a última grande guerra entre 1939-45, a BSF [Border Security Force] criou a primeira fita com óxido de ferro, em 1934, e arranjou por base o milar.
RR p1 de 7 aos 6M59S- Porque o óxido, no princípio, como fita, se não tivesse a chamada durabilidade às tensões. O pára-arranca, as tensões. A fita partia-se. Cada vez que se partia, para ligar o óxido, estão a imaginar. Era para ligar com verniz. E perdia-se informação. O chamado drop out hoje em dia, a ausência de informação. Era assim. O fio de aço
RR p1 de 7 aos 7M35S- foi anterior, mas diziam que na guerra de 1939-45… há uma visita que recomendo a toda a gente e pode ser feita de forma virtual, a partir de nossa casa, que é ao Museu Digital
RR p1 de 7 aos 7M47S- da RTP. Tem material da rádio e da televisão. Está lá um gravador de fio de aço portátil. Tem microfone, auscultadores e dizia-se – na altura – aquela imagem do espião, podia usar
RR p1 de 7 aos 8M5S- um gravador daqueles no bolso. Lembra-me sempre o fio de pesca de nylon. Tinha um problema: se por acaso o fio de aço partisse, tinha que se dar um nó. E corresponde, nos dias
RR p1 de 7 aos 8M25S- de hoje, a um drop out. E esses foram os problemas que levaram à criação de um suporte que, em 1934, a BSF lançou. Portanto, quando foi da última guerra, já o gravador de fio de
RR p1 de 7 aos 8M38S- aço – que mais conhecido como profissional é o Webster – os alemães tinham. Porque a tecnologia, com o fim da guerra, foi disputada pelos americanos e pelos soviéticos de maneira
RR p1 de 7 aos 8M52S- a levarem os seus técnicos – na área do registo de imagem e de som e todos os outros segredos que sabemos. 09:02 – 11:31 – Apresentação do entrevistado
RR p1 de 7 aos 9M8S- FSS: Filipa, começa. FS: Então vamos começar. Estamos no Espaço Cultural do Cinema Europa, em Campo de Ourique, para entrevistar o Rui Remígio. Quem vai
RR p1 de 7 aos 9M17S- fazer a entrevista sou eu própria, Filipa Subtil, e o Francisco Sena Santos. Queremos agradecer a disponibilidade do Rui. Vamos começar por questões de natureza sociográfica.
RR p1 de 7 aos 9M33S- O nome completo, o nome pelo qual era conhecido, a data de nascimento, o local de nascimento, a escolaridade. RR: Eu chamo-me Rui Alberto da Silva Remígio.
RR p1 de 7 aos 9M49S- E como eu disse, por graça, numa pequena nota que vos enviei, nasci em 1945 porque a minha mãe mandou parar a guerra. O meu pai era militar e, de facto, como nasci em
RR p1 de 7 aos 10M4S- outubro, a guerra tinha acabado já. Fiz a minha escolaridade já em Portugal, no Continente, porque vim do Funchal onde os meus pais viveram doze anos. Tinha vivido antes nos Açores.
RR p1 de 7 aos 10M21S- Fui para Viseu, terra do meu pai. Mas os ares de Viseu eram muito fortes e eu não me dava. Sinceramente, é verdade. Os meus avós, da parte da minha mãe, viviam na Figueira da
RR p1 de 7 aos 10M38S- Foz. E eu, desde os cinco anos até aos sete, fui viver com os meus avós. E normalizou-se a minha adaptação ao clima. De temperado do Funchal, em termos de temperatura e do
RR p1 de 7 aos 10M54S- mar acima de tudo – ainda hoje, necessito de ver o mar todas as semanas, rio Tejo, Cascais, nem que seja para molhar o pé – há 33 anos vou todos os fins de semana à Costa de Caparica
RR p1 de 7 aos 11M10S- fazer duas horinhas a pé. Seja com os pés dentro de água, seja no paredão, o mar para mim é uma fonte de relaxamento, de prazer, soltar os olhos, o caminhar…
RR p1 de 7 aos 11M27S- 11:31 – 14:21 – Educação e carreira militar: entre a Escola Industrial e Comercial de Viseu e o ingresso no Regime de Infantaria nº 5 das Caldas da Rainha
RR p1 de 7 aos 11M30S- FSS: Fizeste o liceu na Figueira. RR: Não foi liceu. Foi Escola Industrial e Comercial, em Viseu. Fiz a escola primária, numa escola que se chamava então Magistério
RR p1 de 7 aos 11M44S- Primário, que tinha as escolas normais e as escolas dos que viriam a ser professores. Depois fiz o Secundário, e o quinto ano. Depois iniciei a secção preparatória para
RR p1 de 7 aos 12M1S- a Escola Industrial e concorri, como era hábito naquela altura, para aquele espaço que mediava entre o fim do quinto ano e a entrada para a tropa. E aos dezoito anos, concorri para
RR p1 de 7 aos 12M18S- mestre, mais concretamente contramestre – eu seria provisório – de oficinas e trabalhos manuais. Porque era a arte que eu tinha aprendido. A arte de trabalhar a madeira, o ferro…
RR p1 de 7 aos 12M40S- as tecnologias para trabalhar. Concorri para Santarém e os primeiros anos correram tão bem que o próprio diretor me convidou para voltar no segundo. No segundo a mesma coisa.
RR p1 de 7 aos 13M3S- E do segundo para o terceiro era o doutor Chambel e fiz. E no dia dos meus anos, quando fazia 21 anos, entrei para a tropa nas Caldas da Rainha.
RR p1 de 7 aos 13M19S- FSS: Infantaria. RR: Sim, o Regimento de Infantaria Nº 5. Fiz lá o início da minha carreira militar. E consegui, graças a apoios do Maia Loureiro
RR p1 de 7 aos 13M39S- e do conselho dele – porque fui o primeiro do curso que tinha a família da mãe, a irmã viúva de militar, o meu irmão estava na tropa em Coimbra – e eu fiz um requerimento
RR p1 de 7 aos 13M58S- ao Estado Maior do Exército para ir para Angola ao invés de ir para outra província ultramarina – como se chamava na altura. Fui para Angola. Em 1969 onde estive até 1971.
RR p1 de 7 aos 14M11S- A parte militar não foi do meu gosto. Porque tive muitos colegas que morreram e outros vieram afetados. 14:21 – 18:14 – De Luanda a Dembos: o início
RR p1 de 7 aos 14M14S- das responsabilidades militares e as memórias do bombardeamento com Napalm FSS: Foste mesmo para terreno de combate? RR: Não. A minha especialidade não me permitia
RR p1 de 7 aos 14M28S- isso. Pronto. Eu fui feliz. Porque num batalhão, apenas um militar tinha especialidade. Eu era responsável pelo armamento e munições de um batalhão. Eram quatro companhias, sendo
RR p1 de 7 aos 14M41S- que uma delas era de comando e serviços. E eu dependia diretamente do capitão. Inspeção das armas, substituição das munições, treino do pessoal…
RR p1 de 7 aos 14M55S- FSS: Com base aonde? RR: Primeiro, no Grafanil [campo militar], em Luanda. Depois, logo ao fim de três meses, para a região dos Dembos [município da província
RR p1 de 7 aos 15M7S- do Bengo]. FSS: Zona crítica. RR: Onde estive três meses até ao Natal. E o comandante incumbiu-me de ir para Luanda
RR p1 de 7 aos 15M21S- fazer compra de géneros para o Natal. Mas os operacionais tinham ido para aquela zona, que era rica em café, e estávamos como que num fortim numa zona que tinha sido flagelada,
RR p1 de 7 aos 15M40S- em 1961. Como era uma zona rica em café, e o rio ficava confinava com a própria fazenda, a Maria Manuela, o comando militar resolveu construir um fortim para a passagem das viaturas
RR p1 de 7 aos 16M4S- militares para a zona mais a norte. E construiu-se essa base. Essa ponte. E instalou-se um pelotão como residente. Mas antes disso acontecer, tudo aquilo foi bombardeado com Napalm [mistura
RR p1 de 7 aos 16M22S- de Naftenato de alumínio e Palmitato de alumínio mono e di-hidroxilados]. Primeiro foram os bombardeiros, depois os jatos, depois foram lançados paraquedistas, fuzileiros… foi
RR p1 de 7 aos 16M36S- assim uma das maiores operações. Helicópteros a transportarem as forças mais operacionais de comandos, fuzileiros, a espalharem… e há um fenómeno que eu não gosto de falar
RR p1 de 7 aos 16M52S- dele, mas tenho que forçosamente que falar. Eu partilhava o quarto na fazenda Maria Manuela, que eram instalações em tijolo, com um militar responsável por projetar os filmes e as músicas
RR p1 de 7 aos 17M15S- para animação dos militares. Na sequência desse bombardeamento para a construção posterior do fortim no rio Dange, esse meu colega, esqueci o nome propositadamente, mas tenho a imagem
RR p1 de 7 aos 17M36S- dele, foi filmando tudo aquilo que era possível. E regressa com um troféu. Que pôs dentro de um frasco com álcool. Uma orelha de um ser humano africano que tinha sido vítima
RR p1 de 7 aos 17M54S- de queimaduras do ataque. E aquilo chocou-me e de que maneira. Foi forte demais. Mas não fui só eu que me apercebi disso. O próprio comando resolveu castigá-lo e enviá-lo para
RR p1 de 7 aos 18M10S- Luanda porque troféus de guerra daqueles não eram tolerados. 18:14 – 23:32 – A luta pela tentativa de escolarização num cenário de guerra
RR p1 de 7 aos 18M15S- RR: Ou seja, a zona era violenta e o ensino que na altura estava a ser desenvolvido, na sequência do novo catecismo, processos de aprendizagem com noção pedagógica, do sistema
RR p1 de 7 aos 18M31S- de letras que o sistema Braille permitia. E eu, como tinha experiência de dar aulas de oficina e trabalhos manuais, construí umas letras com areia do chão – não havia
RR p1 de 7 aos 18M47S- serradura -, embora houvesse cerca de 400 africanos negros que me faziam lembrar o romance A Selva do Ferreira de Castro porque o dinheiro que ganhavam gastavam sempre. E aqueles 400
RR p1 de 7 aos 19M22S- trabalhavam, saíam de manhã e regressavam à noite. Os militares não se envolviam nesse
RR p1 de 7 aos 19M30S- espaço. Eram 400, não era coisa mínima. Nesse mesmo espaço, na fazenda Maria Manuela, foram apanhados filhos dos guerrilheiros. Mulheres e crianças naturalmente ficavam
RR p1 de 7 aos 19M52S- para trás. Ainda hoje, em qualquer situação de guerra, assim é. E eu tentei, porque tinha apoio de alguns colegas que partilhavam comigo princípios de solidariedade nestas situações,
RR p1 de 7 aos 20M6S- educá-los no sentido em que não podia dizer o A, E, I ou U. Por exemplo, o C corresponderia ao capim [plantas gramíneas e ciperáceas, forraginosas]. Todas as letras teriam de estar associadas à realidade angolana. E comecei muito bem, com meia dúzia. E ao fim de não
RR p1 de 7 aos 20M25S- mais de dois meses, fui proibido. Calcule-se bem: por um madeirense que era capelão do batalhão e foi dizer ao comandante. E o comandante suspendeu. Para mim, era um contentamento
RR p1 de 7 aos 20M42S- fazer algo em prol dos outros. FS: Qual foi a justificação que deram? RR: Dois dias depois, fui para uma tenda – assim daquelas de lona, militar – com lanternas
RR p1 de 7 aos 20M54S- militares. Estavam jovens a estudar, a ler. Calaram-se todos porque eu era graduado. Eram todos africanos. Um pelotão. São 27. É uma tenda enorme para levar 27 pessoas lá
RR p1 de 7 aos 21M14S- dentro. Quando entrei, perfilaram-se todos e disse “À vontade”. Como vi que estavam todos a estudar, no dia seguinte voltei lá com os bolsos cheios de cigarros. Maços de
RR p1 de 7 aos 21M27S- cigarros que, para nós, militares, eram comprados a metade do preço. E distribuí cigarros e partilhei o fumo também com eles. E a partir daí, andei uns dias – não mais do que uma
RR p1 de 7 aos 21M41S- semana – a ensiná-los. Porque havia uma regra do Exército Português: quem entrasse para a tropa e não tivesse a quarta classe, só sairia da tropa – só sairia do serviço militar
RR p1 de 7 aos 21M51S- — quando acabasse a quarta classe. Portanto, eles teriam muito que aprender – ou rapidamente desenvolver-se – para depois fazerem os exames. Eis senão quando também fui proibido.
RR p1 de 7 aos 22M3S- FSS: Qual era a razão? RR: Porque eu estava – é a minha leitura — a colocar-me, a ter uma iniciativa que não era de âmbito militar, estratégico, psicológico.
RR p1 de 7 aos 22M24S- Porque havia a ação psicológica, os militares e eu fazia aquilo. Por mim, tudo bem. FSS: Mas nunca chegaram a dar uma justificação. RR: Não, não. A razão é simples. Não.
RR p1 de 7 aos 22M34S- A razão que mais me doeu foi quando, ao fim do segundo ou terceiro dia, havia dois irmãos que eram gémeos. E eram esses dois com quem eu estava a aplicar-me mais porque eles faziam
RR p1 de 7 aos 22M48S- entre si a disputa da aprendizagem. E, portanto, mostrava aos dois a mesma coisa e, portanto, as questões similares. Foram separados: mandado um para fora da fazenda Maria Manuela – nunca
RR p1 de 7 aos 23M6S- mais soube, infelizmente a vida tem surpresas e um dia estava em Luanda e vieram os dois a correr. Foi a festa. Ou seja, num ambiente que nos é hostil – a própria guerra é por
RR p1 de 7 aos 23M24S- si só hostil -, eu não estava proibido de nada, mas as duas iniciativas que tentei não resultaram. E daí houve a frustração e, de repente, incumbiram-me de ir para Luanda.
RR p1 de 7 aos 23M40S- 23:32 – 31:15 – O início da paixão pela rádio e o choque cultural à chegada a Angola RR: “Ó Remígio, o melhor é ires para Luanda. Vais tentar fazer as compras que vem
RR p1 de 7 aos 23M45S- aí o Natal”. Mas como o pessoal que estava lá, nesse batalhão, nesse lugar, onde eu estava integrado – porque como fui em rendição individual substituir um militar do quadro,
RR p1 de 7 aos 23M57S- eu fui sozinho e voltei sozinho, mas ele já tinha um ano, era o Batalhão dos Impossíveis tinha sido formado em Santarém. Só os fui conhecer. Mas foi ótimo nesse aspeto. Fiz grandes amizades porque nestas situações criam-se grandes amizades. E então, só estive
RR p1 de 7 aos 24M21S- um ano com eles. FSS: Ouvias rádio nesse tempo? RR: Ouvia porque o meu grande amigo José Nóbrega, que era o responsável e era angolano,
RR p1 de 7 aos 24M32S- chamavam-lhe o Pipi das Meias Altas porque era muito sardento, tinha cabelo ruivo. E o Zé Nóbrega tinha um gravador com música em fita de ¼ de polegada que era um espetáculo.
RR p1 de 7 aos 24M49S- Porquê: porque ele era angolano, tinha feito serviço lá. FSS: Foi o teu primeiro contacto com a fita de gravação, com a fita de arrasto?
RR p1 de 7 aos 25M2S- RR: Foi. E era ele que projetava os filmes. À noite, quando havia um lençol esticado, um ecrã, o pessoal todo com uma cerveja no meio das pernas… a partir daí, havia a
RR p1 de 7 aos 25M17S- gargalhada. A maior parte dos filmes era com intenção de divertir. Alguns tinham um pouco de musicalidade, outros histórias…
cine zala
FSS: Comédia italiana. E tu mexias nesse
RR p1 de 7 aos 25M33S- gravador? RR: Não, mas ficava encantado. FS: Ficava fascinado. RR: Fascinado. Mas aquilo que sempre me seduziu
RR p1 de 7 aos 25M42S- foi a comunicação. Porquê? Reparem: eu quando vou para Angola, o que é que nós gostávamos de ouvir? Os desafios de futebol. FS: Foi para Angola em que ano?
RR p1 de 7 aos 25M58S- RR: 1969. Em janeiro. A nove de janeiro de 1969. De barco Vera Cruz, nove dias, rota secreta ao largo do Senegal. A capital é Dakar, creio eu. Passava-se do Vera Cruz por outros barcos, com as luzes todas apagadas durante a noite. Porque o Senegal não apoiava
RR p1 de 7 aos 26M24S- o comportamento nem a política dos portugueses. E apoiava os movimentos de libertação. A minha chegada a Angola é outro momento de sofrimento porque a temperatura não tem nada
RR p1 de 7 aos 26M41S- a ver com as temperaturas a que eu estava habituado. E o calor, em Luanda, é um grau de humidade elevadíssimo. Descobri uma coisa. Deixei de usar relógio com nylon, que havia,
RR p1 de 7 aos 26M54S- que as pulseiras tinham de ser antialérgicas. Porque acumulavam-se pequenas gotas de água nas zonas da pulseira do relógio, por exemplo. Passei a ter que usar roupa de algodão e
RR p1 de 7 aos 27M8S- não de lycra. E meias sem fibras e por aí fora. O choque é que eu tinha um grande amigo e meu antigo vizinho – que tinha a mesma especialidade do que eu, de Viseu, que me
RR p1 de 7 aos 27M21S- foi esperar. Até ao fim do dia, eu pude – à exceção das meias e dos sapatos – pôr umas calças cinzentas, uma camisa cor de rosa, pormenores que nunca mais esqueço. Porque
RR p1 de 7 aos 27M39S- fui almoçar a um restaurante e comer a boa carne. A chamada carne palanca. E, portanto, ele estava quase no fim. Nós, os mais novos, éramos chamados os maçaricos. Porque falávamos
RR p1 de 7 aos 27M55S- muito. E eles eram os VCC – Velhinhos Como o Caraças. A expressão era essa com um palavrão no fim. Então, fomos almoçar, ele encarrega-se de pedir a carne. Bife, batatas fritas. Pede
RR p1 de 7 aos 28M10S- um canhangulo. Era uma arma primária usada pelos movimentos de libertação. E veio um copo grande de cerveja. O calor era enorme, eu começo a beber cerveja e a pior coisa
RR p1 de 7 aos 28M27S- que podemos fazer quando temos calor é beber coisas frescas. Porque ainda transpiramos mais. O organismo reage. E quando dou por mim… e depois, vejo ele a agarrar num frasco.
RR p1 de 7 aos 28M36S- Porque eu era o menino que ia para uma nova sociedade, para novos hábitos. De Viseu, do quartel, Santarém, por aí fora. Muito cru para esta realidade. África. Ainda nem
RR p1 de 7 aos 28M52S- sequer tinha visto nenhum elemento da minha família. Porque eles estavam em Sá da Bandeira, mais a sul. E um primo que estava a trabalhar na hora da chegada e só depois, no fim de
RR p1 de 7 aos 29M2S- semana seguinte, me foi buscar. E vejo ele polvilhar todas as batatas, a carne, com gindungo [piripiri muito picante]. “Epá, isto faz bem porque combate o paludismo, faz ver tudo,
RR p1 de 7 aos 29M22S- aumenta”. Pronto, histórias daquela idade, dos 23 anos. Eu de repente dou por mim… Eu estava todo encharcado, o meu cabelo é assim fininho, não se pode usar grande, mas
RR p1 de 7 aos 29M42S- senti que o cabelo estava todo colado. Corria um suor, transpiração por todo o lado. Sentia os braços todos molhados. Comecei a ver a camisa que estava de mangas compridas, toda
RR p1 de 7 aos 29M56S- molhada. E olho para as calças, que eram finas, terylene, usava-se na altura… esta zona aqui dos joelhos toda molhada. Parecia um burro de carga. Senti-me mal. Acabei de
RR p1 de 7 aos 30M12S- almoçar e diz ele “Mais cinco minutos com o calor que está, estás seco”. Ao fim do dia, o transporte que eu tive, de uma boleia que pedi – estava fardado está – havia movimento.
RR p1 de 7 aos 30M27S- Carros militares, jipes, constantemente. Bastava levantar um braço a um militar. Todos davam boleia a todos. E pára um jipe rigorosamente com o capelão madeirense que mais tarde veio
RR p1 de 7 aos 30M47S- a ter o tal comportamento. “Onde é que vais, ó maçarico?”. “Vou ver a família”. “Para onde é que vais?” e eu: “Para o 2830”. “Vais para o nosso batalhão”.
RR p1 de 7 aos 31M0S- “Vá, vou-te apresentar”. No fundo, Deus escreve torto por linhas tortas e não por linhas direitas. Foi o caso. Angola, 1969 a 1971.
RR p1 de 7 aos 31M10S- 31:15 – 34:30 – Ascensão na carreira militar em Luanda FSS: Regressaste em 1971. RR: Sim. Mas, antes de regressar em 1971,
RR p1 de 7 aos 31M17S- como tinha família… os militares vinham todos a Portugal passar o “puto”. O “puto” era o Portugal pequenino. Passar as suas férias, os seus trinta dias e eu, como tinha a família
RR p1 de 7 aos 31M31S- toda lá, mãe, dois irmãos e também um tio meu, fiquei por lá. A gozar as minhas férias. Estava, entretanto, em Luanda, porque ao fim de um ano, o Batalhão de Cavalaria
RR p1 de 7 aos 31M49S- 2830 – Os Impossíveis com quem eu estava e tinha estado – terminou a sua comissão. Eles já tinham um ano quando fui para lá, passou mais um ano e regressaram a Portugal.
RR p1 de 7 aos 32M2S- Custou bastante. As peripécias, as amizades ficam para toda a vida. Mas eu sou colocado no agrupamento de serviço de material chamado ASMA. Que é o grande quartel onde só reparam
RR p1 de 7 aos 32M15S- as armas, os automóveis e tudo assim designado. Conheci lá um capitão, que era cinco estrelas, o único militar de carreira que saía fora do lugar, não é. E vou trabalhar com ele,
RR p1 de 7 aos 32M38S- com a função de devolver aos militares que terminavam o serviço militar as suas cadernetas. Ao fim de oito dias, dá-me dinheiro e eu era um graduado, um cabo, com um jipe às
RR p1 de 7 aos 32M54S- ordens para quando precisasse de ir aos correios ou coisa parecida. O resto era estar sentado à secretária com a papelada, a tratar da parte burocrática. Ao fim de oito dias, depois
RR p1 de 7 aos 33M6S- de me ter dado dinheiro, “Vais aos correios, fazes isto e aquilo”. E ele pergunta-me: “Ó Remígio, tu não precisas de dinheiro?”. E eu: “Não”. E ele: “O que estás a
RR p1 de 7 aos 33M16S- fazer? Não é para mandar? Não estou a perceber”. “Se são urgentes, eu mando pela TAP. Se não são urgentes, mando pela Força Aérea Portuguesa. A TAP paga, a FAP não paga nada”
RR p1 de 7 aos 33M36S- e ele: “Olha, é bem visto”. Estava um primeiro-sargento ao lado, que fazia essa função, não gostou nada do que ouviu. Porque o capitão nesse dia chegou à conclusão
RR p1 de 7 aos 33M51S- de que esse primeiro-sargento andava a ficar com o dinheiro porque não fazia a mesma coisa. Mas, logo na semana seguinte: “Então, não pode ser, homem”. Eu tinha feito isso [envios
RR p1 de 7 aos 34M2S- sem pagamento] há tanto tempo. Convidou o capitão e o primeiro-sargento a virem à minha secretária. E a lista dos últimos envios está aqui. Assim, assim, FAP e TAP.
RR p1 de 7 aos 34M15S- Ou seja, era possível alterar a designação FAP e TAP e acrescentar o dinheiro à frente. E o capitão ia dando o dinheiro. E, de repente, eu não precisava…
RR p1 de 7 aos 34M27S- 34:30 – 39:11 – O esforço para conjugar a carreira militar com a finalização do Ensino Secundário RR: Entretanto, eu estava bem e tinha tempo.
RR p1 de 7 aos 34M34S- Então, comecei a estudar as duas disciplinas que me faltavam. Estudei História para terminar a secção preparatória para entrar para o Instituto Industrial.
RR p1 de 7 aos 34M45S- FS: Isto ainda em Angola. RR: Em Luanda mesmo, exato. Fiz História à vontade. Tinha para aí duas ou três semanas de iniciação a Inglês com uma jovem amiga
RR p1 de 7 aos 34M59S- de família. Que estava no último ano do liceu e que me estava a ensinar. Houve lágrimas quando me chegaram a dizer que tinha de ir para Zala. Zala era o pior sítio para onde
RR p1 de 7 aos 35M10S- alguém podia ir. De avião ou coluna blindada. E eu fui. E quando lá cheguei, quem estava à frente desse batalhão – do chamado Batalhão de Caçadores, esse batalhão 1888 ou 1889
RR p1 de 7 aos 35M29S- salvo erro – e era um tenente-coronel que já tinha sido cabo na I Guerra de 1914-18. Depois ficou lá como Presidente da Câmara, algures em Benguela ou coisa do género. Já
RR p1 de 7 aos 35M45S- me tinha vindo embora depois. E fui-me apresentar a ele e ele gostava muito de andar com uma enxada na mão. Havia uns suínos, chamados porcos, para o cultivo, estranhamente… nós,
RR p1 de 7 aos 36M2S- nestas zonas de combate e de guerra, ninguém usava dragonas. Não se distinguia um alferes de um capitão para não dar nas vistas. Portanto, quando me dizem “Vosso comandante”, lá
RR p1 de 7 aos 36M16S- me perfilei, apresentei-me… “Ah, e tal, o que é que fazes?” e eu: “Tenho um exame para fazer. Já fiz História, só me falta Inglês. Tenho média de 16. Se tirar um 10,
RR p1 de 7 aos 36M29S- fico com média de 14”. “O professor [referência a Rui Remígio] está autorizado por mim. Quando quiser ir a Luanda, vai a Luanda. Porque vai dar o exemplo a esta rapaziada toda. Vai
RR p1 de 7 aos 36M42S- pôr a rapaziada toda a estudar”. Isto é factual. Ao fim de três meses fui a Luanda, fui fardado e chumbei. O único exame em que chumbei na minha vida. Dois meses depois,
RR p1 de 7 aos 37M0S- voltei, sem ir fardado, e tive 12. Fiz a parte rudimentar, aqueles cadernos de exercícios onde se aprende algumas frasezinhas. Voltei… Ah, mas antes de terminar, em 1971, ainda
RR p1 de 7 aos 37M14S- fui a Maquela do Zombo… faltavam 25 dias para terminar e a zona onde fui entregar material deteriorado… fui substituir, assim é que é. E os sapadores, os fulanos que tratam
RR p1 de 7 aos 37M33S- da colocação de armadilhas e desbravam os trilhos que estejam armadilhados, fomos todos colocar uma quantidade de minas, balas, que estavam deteriorados, que não serviam. Rebentaram
RR p1 de 7 aos 37M47S- aquilo à distância e foi um grande estardalhaço. Assustou quem estivesse por perto, mas fui muito material. E eu sou incumbido de ir ver desse material. Para isso tinha que ir a Negaje,
RR p1 de 7 aos 38M5S- que era uma pista numa zona soterrada… esta outra onde eu estava, em Zala, era só para pequenos aviões. Levavam correio e, às vezes, uns peixinhos que nós encomendávamos. Mas
RR p1 de 7 aos 38M29S- só para dizer que essa estadia em Zala termina com uma passagem, de todo o batalhão, por Maquela do Zombo. Mas quando eu chego a Zala, saído de Luanda, fui encontrar só homens.
RR p1 de 7 aos 38M48S- Ao fim de 16 meses, estavam ali e não sabiam o que era nada senão homens. E um dia a mulher do segundo-comandante, foi lá de avião militar. Vocês não calculam a festa que foi. É uma
RR p1 de 7 aos 39M8S- constatação do comportamento das pessoas. 39:11 – 42:37 – Relato dos últimos dias na Guerra Colonial FSS: O Movimento Nacional Feminino não aparecia
RR p1 de 7 aos 39M16S- nessas coisas? RR: Não. O Movimento Nacional Feminino, em Luanda, distribuía as coisas. Pacotes de cigarros e umas coisinhas mais. Isqueiros
RR p1 de 7 aos 39M26S- e coisas assim parecidas. Portanto, antes de terminar a minha comissão, esses últimos nove meses que estive em Zala… foi para não desejar mais, do piorio. Mas eu não
RR p1 de 7 aos 39M42S- gostava de falar muito da guerra. Prefiro falar da parte seguinte. Seguimos para Maquela do Zombo os tais 25 dias. Mas tive de ir a Namugongo. Já cantavam o Manuel Alegre.
RR p1 de 7 aos 39M58S- O Vítor Reis tinha uma viola e parecia o Zeca Afonso a cantar. Tinha os oculozinhos e tudo. Até um dia, o segundo-comandante disse, “Mas que festa é esta!?”. Viu-nos todos sentados
RR p1 de 7 aos 40M9S- no chão. Soldados, alferes… achou muito estranho aquilo. “Acho bem que comecem a mudar de repertório” [versos de Recado a Lisboa]. No fundo, “Passa por mim no Rossio
RR p1 de 7 aos 40M28S- / E leva-lhe o meu olhar”. Porque todos queríamos vir vivos. A maior parte de nós tinha esse receio. Falo em Maquela de Zombo porquê: porque saímos do quartel a caminho
RR p1 de 7 aos 40M57S- de  Nambuangongo, foi a primeira vez que vivi uma emboscada. Saímos às oito e, às oito e meia, estávamos debaixo de fogo. Nunca me tinha acontecido.
a caminho de Maquela 
RR p1 de 7 aos 41M13S- Tinha assistido a situações descritas, corpos rebentados e mortos perto de mim, e foram 17 durante esses dois anos… assisti à perda de vida para além dos feridos. O meu primeiro instinto foi: faltam 25 dias
RR p1 de 7 aos 41M31S- para ir embora. Tinha na cabeça que vinha embora para Portugal. Uma pedra enorme. Atrás desta pedra, só disparo se vierem para me matar. Isto é factual, é verídico. Mais
RR p1 de 7 aos 41M49S- tarde, quando entrei na Emissora Nacional, a Celeste – uma grande amiga – foi ela que me acompanhou ao engenheiro Artur Silva, perguntou “Como é que o menino vem aqui ter e marca
RR p1 de 7 aos 42M9S- entrevista?” e eu: “Uma coisa eu garanto: já fiz a tropa, vim de Angola, não matei ninguém. Ganhava 3200 escudos. E não matei ninguém. E dei aulas de oficina de trabalhos
RR p1 de 7 aos 42M31S- manuais antes de ir para a tropa. E agora estou vivo e quero trabalhar”.

Parte 2 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Síntese:

– Da rádio como elemento de aprendizagem e lazer na infância à mesma enquanto profissão
– A relação estabelecida entre operadores técnicos e locutores na Emissora Nacional
– As especificidades do início do trabalho enquanto assistente técnico na Emissora Nacional
– A transição entre o apoio à emissão e o trabalho do som: da Rua do Quelhas à Rua de São Marçal
– Reflexão sobre a evolução da sonoplastia em Portugal e no mundo  

Transcrição:

RR p2 de 7 aos 0M5S- FSS: Como é que te lembraste de bater à porta da Emissora Nacional?
RR p2 de 7 aos 0M10S- RR: Porque, como eu disse há pouco, na TAP não consegui. Duas vezes deu mal. Não me facilitaram a entrada para a zona de computadores, queriam que fosse para as máquinas de calcular. E uma funcionária, que veio a ser colega mais tarde, a Helena Isabel, trabalhava como operadora
RR p2 de 7 aos 0M31S- lá no Quelhas, que era minha conhecida e amiga dos tempos de viseu. Ela tinha uma prima que tinha sido minha colega e morava na Morais Soares. Numa casualidade do encontro, disse “Ó Rui, há vagas para operadores na Emissora Nacional” e eu fui à Emissora Nacional.
RR p2 de 7 aos 0M52S- FSS: Qual foi a sensação de chegar àquela porta, ao nº 2 daquele mosteiro, daquele convento e depois… RR: Beneditino.
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RR p2 de 7 aos 1M12S- FSS: Exatamente. Chegaste lá e depois? RR: Tinha a receção, funcionários,. Na altura, ainda tinha funcionários, em 1971, fardados. Telefonista à esquerda, a escadaria para cima para o hall de entrada e à direita também havia outra sala… não me recordo o que era. Havia umas escadas. FSS: De madeira.
RR p2 de 7 aos 1M31S- RR: Não, não. Em pedra que davam para a parte de operações, a central mais tarde. E é por aí que eu entro para ir ao gabinete do engenheiro Artur Silva, que era de origem indiana, uma tez morena. Nunca ninguém o viu sorrir, mas era de um grau de exigência elevadíssimo.
RR p2 de 7 aos 1M54S- FSS: Ele era diretor técnico. RR: Diretor de exploração, exato.
RR p2 de 7 aos 2M0S- FSS: Área operacional técnica era direção de exploração.
RR p2 de 7 aos 2M4S- RR: Exato. E depois a direção de programas e a direção técnica que tinha a ver com outras coisas. Eu anuncio “Venho para uma entrevista marcada” porque recebi em casa… Ah, há aqui um pormenor! Durante dois meses trabalhei na receção do Casino Estoril. Foram dois meses maravilhosos. Porque quem não podia entrar para o salão de jogos eram os funcionários públicos e menores de 18 anos ou
RR p2 de 7 aos 2M33S- 21, já não sei. Portanto, ficavam por ali. Foram umas vivências maravilhosas. E eu recebo então uma carta a dizer “Senhor Remígio queira-se apresentar na Rua do Quelhas, nº2, para uma entrevista”.
RR p2 de 7 aos 2M45S- FSS: Tinhas sido proposto pela tua amiga? RR: Não, não. Eu tinha ido…
RR p2 de 7 aos 2M54S- FS: Autoproposta. RR: Eu soube da notícia, candidatei-me, fui pessoalmente, preenchi o requisito. Ou seja, eu ia candidatar-me ao lugar de operador auxiliar do artigo 14º ou 15º. Que era o mesmo, por exemplo, que desempenhou o Arlindo Carvalho que foi meu colega e operador tal como eu.
RR p2 de 7 aos 3M19S- FSS: Que veio a ser Ministro da Saúde. RR: Ministro da Saúde, tal e qual.
RR p2 de 7 aos 3M42S- FSS: Presidente da RDP. RR: Exato. E fomos amigos, naquela altura, porque desempenhávamos as mesmas funções. Ele continuava a estudar. E então a pergunta que me fizeste, Francisco. O Quelhas é um princípio burocrático. Apresento-me, aguardo nuns bancos enormes de
RR p2 de 7 aos 3M42S- madeira que havia ali à direita. Passado um bocadinho, veio a Celestinha – chamada assim por uma questão simples, tinha o nome da minha mãe e, portanto, ficou a adorar-me ficou a partir dessa altura.Era residente aqui em Campo de Ourique. “Queira-me acompanhar”. E no caminho ela faz a
RR p2 de 7 aos 4M6S- pergunta “Como é que o senhor conseguiu?” e eu disse “Não vou dizer como consegui”. Não ia denunciar a minha amiga Helena Isabel, não é? “Mas, olhe, eu já fiz a guerra em África. Estou vivo. Não matei preto nenhum”. A expressão é mesmo essa. “Tinha lá família,
RR p2 de 7 aos 4M29S- vim-me embora, quero trabalhar, é isto que eu gosto”. Acompanhou-me ao gabinete, convidou-me a sentar. “Então, diga-me, a sua…”. O que é que me ajudou: três anos de experiência como
RR p2 de 7 aos 4M42S- mestre de oficina de trabalhos manuais. FSS: Tinhas a mão dos trabalhos
RR p2 de 7 aos 4M47S- manuais. Nunca tinhas trabalhado com som…? RR: Jamais. Tinha brincado às caixinhas com o fio
RR p2 de 7 aos 4M59S- encerado, uma latinha de conserva vazia na quinta onde vivia em Viseu e onde fui super feliz como todos os jovens da minha idade.. FSS: Então como foi a conversa com o Artur Silva para entrar? RR: Foi muito simples. Ele perguntou: “Então,
RR p2 de 7 aos 5M15S- porque é que veio?” e eu “Venho porque é uma área que me seduz”. Porque eu já ouvia os programas da Madalena Patacho desde miúdo. Os primeiros programas para a juventude. *canta o indicativo* O indicativo começava mais ou menos assim, não me lembro ao pormenor. Tinha um rádio em casa e, para
RR p2 de 7 aos 5M39S- mim, era o mundo. Porque ouvia-se as emissões. Ouvíamos, nem todas as casas tinham rádio. Em minha casa, tínhamos, em Viseu. E o rádio permitia os desafios de futebol, permitia chegadas da volta, das etapas da volta a Portugal. Os desafios de hóquei em patins, na altura… já sabia a equipa toda de cor e salteado. E os acontecimentos e as coisas que o meu pai adorava ouvir e comentava,
RR p2 de 7 aos 6M9S- na altura, como por exemplo José Augusto com a Varanda da Europa. Era uma crónica que ele fazia.
RR p2 de 7 aos 6M19S- FSS: Correspondente em Paris. RR: Varanda da Europa. E, portanto, o meu pai ouvia a crónica, desligava. “O papagaio falou”. Pronto, mas era isto. Depois, o mundo chegava. Ainda não havia televisão. O mundo chegava a casa através da rádio. Eu, no período que medeia entre o último ano – só dava aulas durante nove meses e não recebia nos
RR p2 de 7 aos 6M51S- outros três meses, julho, agosto e setembro. As aulas começavam em outubro. Mais tarde tive de pagar estes três meses, vezes três anos, para fazer essa contagem. Comecei muito novo a descontar para a função pública. FS: Resultado dessa experiência enquanto
RR p2 de 7 aos 7M12S- professor em Santarém. RR: O tempo de tropa também contou.
RR p2 de 7 aos 7M14S- FS: De 1964 a 1967… ainda foi uma experiência de três anos enquanto professor.
RR p2 de 7 aos 7M23S- RR: Mas como eu estive em zona de guerra, os anos que estive em Angola contaram a dobrar. Não era só para mim. Angola, Moçambique, chamada zona de guerra, por aí fora. O Artur Silva,
RR p2 de 7 aos 7M37S- o engenheiro Artur Silva… “Gosto muito de rádio porque em minha casa aprendi a ouvir o mundo através da rádio e, para mim, a imagem que eu tenho…” e contei-lhe este pormenor que é a curiosidade: dentro de uma caixinha Philips que havia em minha casa, tão pequenina, qual seria o
RR p2 de 7 aos 7M58S- tamanho das personagens do teatro que lá viviam? Na minha infância, não é, por aí fora. E eram os programas que transmitiam em Inglês e em Francês, que dava para as pessoas aprenderem se quisessem e por aí fora. Mais tarde, veio a fazer a televisão com a chamada Universidade Aberta.
RR p2 de 7 aos 8M19S- FSS: Aldório Gomes, precisamente. RR: Exato. Não. Não. Foi o Rocha Trindade, a Universidade Aberta. Morador aqui em Campo de Ourique, também já faleceu. E então… Porque Campo de Ourique é o melhor bairro do mundo. FS: Já percebemos. Propaganda.
RR p2 de 7 aos 8M37S- RR: Não, não é propaganda. É uma constatação. Se nós não gostarmos daquilo que somos, de onde vivemos e respiramos, não vale a pena. FSS: Quanto tempo durou essa conversa com o engenheiro Artur Silva? RR: Pouco tempo, uns dez minutos. FSS: E ficaste logo contratado? RR: Não. Ele disse-me “Então apresente-se na próxima semana, segunda-feira, apresente-se na central”.
RR p2 de 7 aos 9M4S- FSS: Na central técnica. RR: Sim. Apresentei-me ao chefe Dias, João Dias, que ainda hoje toda a gente é amigo. Era um elemento de referência. Era um elemento técnico de referência. E apresentei-me. Como qualquer iniciado numa profissão nova onde nunca trabalhou, é tudo novo. Primeiro, é a curiosidade de passar a ver ídolos. Aqueles que eu ouvia em minha casa. Maria Leonor, Pedro Moutinho, Galiano Pinheiro… FSS: Como eram eles com os técnicos?
RR p2 de 7 aos 9M43S- RR: Sempre muito cordiais e bem-humorados. Porque nós, os técnicos, estávamos para lá do vidro, e garantíamos a continuidade sem erros, sem falhas daquilo que se passava lá dentro. Porque a ficha de programas era descrita ao minuto. O sinal horário, noticiário, publicidade, um
RR p2 de 7 aos 10M13S- programa com RM – a abreviatura de registo magnético – era um programa pré-gravado que tinha normalmente uma abertura, um fecho e caracterizado com o título, um subtítulo e que tinha uma ficha técnica dentro da caixa da bobine. Essa ficha técnica dizia o nome do
RR p2 de 7 aos 10M31S- programa, a velocidade a que estava registado, se o padrão inglês ou americano… o tempo e se terminava em fade-in ou fade-out. Em fade-out ou abruptamente. Tinha a deixa. E, portanto, os técnicos escreviam três pontinhos. A deixa podia ser “Até à próxima semana” ou então
RR p2 de 7 aos 11M5S- “Acaba em música. Fade-out”. Tínhamos o tempo. FSS: Queremos saber como é que aprendeste a lidar com as máquinas, com a fita. Já que falaste nas lendas da rádio, há a ideia de que os tipos dos programas e dos noticiários – não havia jornalistas na altura, eram locutores e assistentes literários -, viviam num outro mundo. A técnica… havia um
RR p2 de 7 aos 11M40S- muro entre vocês. Um muro mental entre vocês. RR: Havia a direção de programas, os técnicos… não havia barreiras praticamente. Porquê? Porque trabalhávamos em conjunto. Não digo barreiras, mas eram mundos à parte. Eram os jornalistas ou leitores dos noticiários. Para mim, também falei há bocadinho, mas o Armando Correia e o Fernando Correia, o Fernando Garcia,
RR p2 de 7 aos 12M20S- o Nuno Brás e, mais tarde, o Artur Agostinho… e então, eu lembro-me que tinha conhecido, num espetáculo antigo de teatro, em Viseu, da FNAT [Federação Nacional Para a Alegria no Trabalho], organizado pela Emissora Nacional. O meu pai teve direito a bilhetes como militar que era, e levou a família. E eu lembro-me perfeitamente de ver o Fernando Correia na apresentação do espetáculo de
RR p2 de 7 aos 12M51S- smoking. Quem eram os artistas famosos na altura? Na minha infância, portanto… Dez, doze anos. Perfeitamente… A Maria Clara… outros artistas. FSS: Simone e Madalena Iglesias são mais tarde. RR: A Madalena é muito mais tarde. Tive o prazer de a ter a trabalhar mais tarde no meu estúdio, em Campo de Ourique. FSS: Voltando atrás.
RR p2 de 7 aos 13M24S- Portanto, com os animadores havia uma certa relação. Com os leitores dos noticiários… RR: Só tínhamos o convívio… eles entravam por uma porta, fechavam a porta, ficavam lá dentro, ligavam o microfone… FSS: Cada um do seu lado do aquário. RR: Exato. Na parte da cabine técnica ficava o técnico. Na cabine de locução ficava o
RR p2 de 7 aos 13M48S- noticiarista. Muitos deles só liam as notícias feitas por outros. E havia a chamada voz de marca. Ler um noticiário, por exemplo, o Pedro Moutinho, o Fernando Correia, o Armando Correia, a Maria Leonor ou até o Galiano Pereiro, entre outros. O Carlos Proença. Todas aquelas vozes. O ritmo, a leitura, a pausa, o silêncio… FSS: Vozes de ouro da rádio.
RR p2 de 7 aos 14M24S- RR: Era assim. O tempo veio demonstrar que aquilo era demasiado senhoril. Aquilo era uma imagem de marca, mas as rádios todas… A BBC e lá em Espanha ou em França a RTF [Radiodiffusion-Télévision Française] … A maior parte dos técnicos aqui em Portugal foram estagiar em Paris ou em Londres ou, mais tarde, na Deutsche Welle, na Alemanha. Hoje, é uma das
RR p2 de 7 aos 14M52S- coisas que a mim me espanta e… As grandes estações de televisão inglesas, americanas, o cabelo branco não conta, não é a idade que retira as pessoas do ecrã. Quanto mais do microfone, onde não se vê a imagem. Portanto, a credibilidade dura anos e anos e anos. O Fernando Pessa durou até praticamente ao período… A Maria Leonor durou até ao seu final em que esteve doente. Portanto,
RR p2 de 7 aos 15M24S- a credibilidade é uma coisa que não tem idade. FSS: Como era a relação de pessoas como Maria Leonor com os operadores? RR: Cinco estrelas. Porquê? Porque a Maria Leonor era muito exigente. A todos, ela… comigo não o fez, mas avisaram-me. Eu chego ali, primeiro, sentava-me ao lado a estagiar, a ver o que era uma fita, um RM, o que tinha dentro, o que era uma folha de programas… E, depois, há um bicho grande à frente: as válvulas,
RR p2 de 7 aos 16M13S- que tinham uns potenciómetros que funcionavam de forma linear e outros por pontos. E, portanto, eu aprendo a medir as unidades de volume que nos dava a leitura. Aprendíamos a leitura das intensidades de volume do registo magnético ou de todas as fontes sonoras que chegavam à mesa de mistura. Fosse o microfone, fosse o gira-discos manuseado pelo locutor… era assim que se chamava, nesta altura não havia realizadores.
RR p2 de 7 aos 16M43S- FSS: O operador técnico é que levantava o cursor para abrir os microfones. Quem estava dentro do estúdio não mexia em nada. RR: Só abria o microfone. Mas quem controlava o volume com um cursor linear preto… consoante ativava, podia só abrir um bocadinho, abria a luz logo. Até acima, tinha de levar o cursor até ao topo. Mas o chamado efeito de proximidade
RR p2 de 7 aos 17M8S- do microfone tem a ver com aproximação ou afastamento. Mas, depois, o volume para ter o equilíbrio havia duas regras: a modulação da voz – o pico máximo médio vai aos 100{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} – e a música modula-se, em média, aos 80{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374}. Isto era regra básica, elementar, credível, porque vinha das chefias. Vinha dos chefes que nos ensinavam, dos colegas mais experientes. Assim se fazia.
RR p2 de 7 aos 17M40S- FSS: Quanto tempo foi o tempo de aprendizagem? RR: Ah, curto. Um mês aproximadamente. Porque depois era preciso… FSS: Nessa aprendizagem já mexias na mesa? FS: Quem foi o mestre? RR: Foram vários porque o apoio à emissão não tinha mais do que duas ou três horas. Havia rendição e mudava-se o apoio. O canal
RR p2 de 7 aos 18M5S- 1, a Emissora Nacional e a Antena 2. FSS: Na altura era RDP 1 e Emissora… RR: Não, não. Emissora Nacional. RDP é mais tarde, depois da nacionalização. Portanto, eu aprendi em pouco tempo, mas, como qualquer pessoa, tenho uma grande responsabilidade? Porquê: porque uma coisa é a emissão. Microfones, gira-discos… tem alguém que os manuseia, que os liga, que os desliga,
RR p2 de 7 aos 18M33S- que troca pratos e anuncia o que vai fazer. Mas depois anuncia, de um momento para o outro “Vamos agora ouvir serão para trabalhadores” ou uma peça para trabalhadores, um teatro de comédia, uma conferência de imprensa ou, por exemplo, um programa gravado ou a transmissão do Presidente do Conselho de Ministros. Na altura, Salazar arrancava com duas bobines em paralelo com atraso
RR p2 de 7 aos 19M1S- de dois segundos. Podia ser cinco, não me lembro com rigor. Para quê: no caso de haver uma falha, disparava a outra. Estavam ambas em andamento, mas, se houvesse uma falha, permitia a entrada na mesa do som com ligeiro atraso. Para compensar a pausa. O que é que aconteceu… FSS: Foste ao São Bento para gravar o então Presidente do Conselho?
RR p2 de 7 aos 19M28S- RR: Não, não. Só fui uma vez a São Bento porque integrei, logo a seguir ao 25 de abril, a primeira comissão pró-sindical e fomos recebidos pelo então primeiro-ministro Vasco Gonçalves, em pleno Palácio de São Bento. Porque enquanto funcionários públicos da Emissora Nacional não podíamos ser sindicalizados. Mais tarde, viemos a lutar por isso. E não tive essa incumbência de
RR p2 de 7 aos 19M56S- registo em São Bento porque eu não trabalhava no exterior. Eu trabalhava na central, logo no princípio. Mais tarde, quando saio do Quelhas e vou para São Marçal, a meu pedido – ao fim de um ano, ano e meio. FSS: Vamos lá focar no Quelhas. Portanto, no Quelhas, quando passaste aquele mês de aprendizagem, passaste a fazer assistência a programas. RR: Tal e qual.
RR p2 de 7 aos 20M23S- FSS: O que é que fazias? O que era esse trabalho de assistência? RR: Era o responsável por tudo aquilo que ia para o ar. FSS: Tomar conta do programa. RR: Tal e qual. Como em qualquer situação, é caso para dizer que as pernas tremiam…
RR p2 de 7 aos 20M42S- FSS: Correu sempre tudo bem? RR: Tudo muito bem. FSS: A tua exigência é lendária. RR: Eu aprendi com os melhores funcionários da altura. A Emissora Nacional formou até os sonoplastas e os técnicos que, mais tarde, vêm a abrir a Rádio Televisão Portuguesa. Vêm a abrir e chefiaram as estações. FSS: Todas. RR: Todas. Mas só para te dizer o que eu fazia.
RR p2 de 7 aos 21M9S- O problema não era a emissão normal: era se por acaso calhasse um domingo com todos os campos de futebol a entrarem na central através do sistema chamado estrela. Ou seja, todas as entradas… FSS: As cavilhas. RR: Exato. Várias entradas, as comutações vindas do emissor nacional do Norte, do Porto, Açores, Madeira, Coimbra e Faro. … uma
RR p2 de 7 aos 21M35S- tarde de futebol era o topo dos topos. FSS: Era um jogo de mãos. RR: Era preciso saber. É quando eu venho a descobrir que havia colegas que usavam – para estabelecer circuitos, por exemplo, “Ó Remígio, faça aí uma ligação. Passe esse telefonema”. Tocava o telefone magnético. “Estou aqui a mandar uma crónica”. E eu perguntava só ao chefe “Para onde eu posso…?” e ele “Mande para a cabine 9, mas para o estúdio”. Várias
RR p2 de 7 aos 22M8S- designações dos locais onde se podia gravar. E depois era preciso dizer a alguém da gravação, era outro serviço independente, para ir gravar. Levava uma bobine debaixo do braço e dizia “Está, central? Estou pronto” e então dizia ao telefone “Fale lá um bocadinho para ensaiar”. Para ver se a linha por onde chegava o sinal tinha dinâmica suficiente,
RR p2 de 7 aos 22M32S- estava limpa para fora. Na altura, passávamos a chamada lá para cima, para a cabine onde o programa era gravado. E, às vezes, passávamos também o telefone porque era preciso combinar pormenores mais longos. Isto era simples. FSS: Essa é uma fase ainda muito técnica. O que te dá a ideia do “Mágico Rui Remígio” é quando começas a mexer na fita. A trabalhar o som. RR: Isso acontece mais tarde. O que é que me leva a manifestar vontade, desejo mesmo – e
RR p2 de 7 aos 23M14S- conseguido – de sair da Rua do Quelhas e ir para São Marçal onde se faziam os programas. Onde se gravava o teatro, os programas pré-gravados, onde se emitia por onde curta… para todo o mundo. FSS: Ali ao pé da Assembleia da República. RR: Tal e qual. FSS: Era a retaguarda da rádio. RR: Era o centro de apoio. Foi inaugurado
RR p2 de 7 aos 23M37S- em 1957 aquando da visita da Rainha Isabel a Portugal. Portanto, tudo aquilo foi preparado… FSS: Numa antiga garagem. Lembro-me de que havia um parque. RR: Tal e qual. E agora é uma zona de estacionamento automóvel porque o espaço assim o permitia. Portanto, havia o grande estúdio para teatro…
RR p2 de 7 aos 23M57S- FSS: Talvez o maior estúdio de rádio. RR: Era o maior. Depois do Estúdio A. FSS: O Quelhas 2. RR: Porque a Emissora Nacional chegou a ter clássica, ligeira e tinha o coro feminino da Emissora Nacional. Portanto, o Estúdio A levava, quando estava cheio… havia emissões constantemente. De facto,
RR p2 de 7 aos 24M26S- o Estúdio A era o grande estúdio que havia. FSS: Trabalhaste com tudo isso. RR: Não, porque nunca fui trabalhar para a música. Fui convidado para ir para a música por um chefe da altura… a ver se lembro o nome dele…, mas eu recebi dois convites. Primeiro, foi do Alberto Nunes, para ir trabalhar para o estúdio dele aqui em Campo de Ourique. Essa
RR p2 de 7 aos 24M53S- tal palmada que recebi nas costas “Menino, sei que tens jeito para isto, queres vir trabalhar comigo”. “Aonde?”. “Em Campo de Ourique”. “Eu vivo em Campo de Ourique”. E fui. FS: Isso quanto tempo depois de estar na Emissora Nacional? RR: Três anos e meio, mais ou menos. Em 1973. Porque quando acontece o 25
RR p2 de 7 aos 25M17S- de abril, eu estava em São Marçal, já, e trabalhava aqui em Campo de Ourique. FS: Acumulava as duas. RR: Sim, acumulava. Porquê: porque saía às duas horas e vinha entrar às três aqui no estúdio, em Campo de Ourique. Onde vim assistir, no primeiro dia, à gravação da música para o filme do Eusébio com o Vum Vum [ator angolano]. Começar a mexer na fita: porque quando eu vou para São Marçal, eu só fazia apoio à emissão.
RR p2 de 7 aos 25M47S- FSS: Abrias vias. RR: Abria vias que viessem da central, dos exteriores, da cabine de locução, por aí fora. FSS: Uma espécie de maestro. RR: Toda a operação que eu tinha era passiva. FSS: Não fazias gravação. RR: Exato. Quando vou fazer a primeira gravação, colocam-me a trabalhar ao lado do técnico
RR p2 de 7 aos 26M12S- e meu grande amigo António Silva Alves, que era um fulano austero, rigoroso. Na cabine 9, onde os jornalistas deixavam os papéis, ele chegava e dizia asneiras. Mas era uma joia de homem, que vive no Algarve, na zona de Santa Catarina. Foi a primeira pessoa que me pôs a gravar num Ampex 300, no estúdio 2, que era ao fundo do local onde estávamos. “Remígio, está ali o microfone de
RR p2 de 7 aos 26M56S- fita”. O locutor tinha uma manete que rodava quase 120º graus, acendia-se uma luz vermelha – ainda hoje, qualquer sistema de gravação tem o verde para o play e o vermelho para o record – e sabíamos que o microfone estava ligado. FSS: Esses gravadores Ampex eram uma mesa, na prática. RR: Eram gravador de chapa,
RR p2 de 7 aos 27M26S- grande, quadrangular, pesadíssimo. Quando era preciso mudá-lo de posição, eram precisas duas pessoas. Se tu fizesses sozinho ou eu sozinho, às vezes… era quase tão pesado como um piano. FSS: Normalmente instalado numa mesa específica. RR: Havia dois gravadores, normalmente. Mas havia Ampex mais modernos. O Ampex 300 era do formato de um frigorífico,… Ou seja, as bobines debitadora,
RR p2 de 7 aos 27M59S- a bobine recetora, e a passagem da fita, três cabeças – uma que apaga, outra que apaga, outra que reproduz -, as guias, os extensores, tudo aquilo. Para quê: para que a fita passe na zona de registo. Nesta altura, comecei a gravar em mono e o registo em mono é todo feito à largura da
RR p2 de 7 aos 28M20S- banda, ou seja, largura da fita. O sinal gravado nesta parte da fita é igual ao meio e ao fundo. Portanto, ainda não há separação de canais, não há estereofonia. Não havia em São Marçal, nesta altura. Só mais tarde, eu estava lá quando se criaram as cabines para estereofonia. Havia uma
RR p2 de 7 aos 28M37S- no Quelhas que só abria a partir das 21h. FSS: Os ouvintes da noite tinham direito à estereofonia. RR: Tal e qual. Porque havia a Antena 2, em onda média, não é? Mais tarde, passa a transmitir em FM. Portanto, a largura de banda, dizia eu. Ampex 300, mas havia leitores. O que são leitores: são reprodutores de fita
RR p2 de 7 aos 29M3S- que apenas têm uma cabeça para reproduzir aquilo que já está previamente gravado. E, portanto, não têm as três cabeças como o gravador. Portanto, a fita é reproduzida para as montagens. gravávamos por exemplo os programas semanais de atividade política que decorreu naquela semana. Havia uma
RR p2 de 7 aos 29M23S- abertura de cabeça previamente personalizada para esse programa. Depois, podia entrar um separador musical reproduzido a partir de gira-discos. Entre a tal parte que vais querer ouvir, que é a sonoplastia, a plástica do som e por aí fora… que tinha o senhor que foi, mais tarde, o grande Jorge Alves, foi ele que criou todo aquele serviço em São Marçal e que, mais tarde, vai fazer
RR p2 de 7 aos 29M52S- trabalho e apresentação na RTP. Durante anos e anos. Os programas sobre música eram do Jorge Alves. Portanto, o gira-discos eram outra fonte sonora, como os reprodutores de banda magnética que todas elas como fontes sonoras se juntavam no gravador. O gravador gravava tudo aquilo que para lá enviássemos, que era, entretanto, controlado a partir do equilíbrio das várias fontes
RR p2 de 7 aos 30M21S- sonoras. A partir de uma mesa chamada cossolete. E entravam os microfones, os exteriores, os gira-discos, os leitores… tudo isso misturado, saía em mono num potenciómetro geral final. FS: Quem é que coordenava essas operações? RR: O operador neste caso seria eu. Foi aí que eu aprendi. O locutor tinha de ter uma postura perante o microfone, que devia ser sempre a mesma. Portanto, cada vez que se aproximava, tínhamos de…
RR p2 de 7 aos 30M53S- FSS: Tu corrigias o locutor? RR: Não digo corrigir, eu ajudava. Porquê: a membrana do microfone é das coisas mais sensíveis, corresponde, digamos, ao tímpano no nosso ouvido. Quando somos agredidos por intensidade sonora, superior a 120 decibéis, protegemos os ouvidos. Nas placas dos aeroportos ou na fórmula 1, os protetores auriculares não são
RR p2 de 7 aos 31M28S- para ouvir nada, mas sim para proteger os ouvidos. Quero com isto dizer: primeiro gravei com o Melodium mas, depois, com AKG, Sennheiser… todos eles com a sua função, a sua dinâmica. Isto só para dizer que não corrigia, ajudava. FSS: Mais longe, mais perto…
RR p2 de 7 aos 32M0S- RR: Principalmente pessoas que eram convidadas e não tinham noção do que era uma cabine. De um lado, estava o locutor ou realizador em diálogo com o seu convidado. Por exemplo, alguns nunca tinham estado numa cabine. O locutor ou realizador dizia “Venha um bocadinho mais cá” e eu tinha de
RR p2 de 7 aos 32M17S- fazer sempre um ensaio prévio antes de gravar. E há uma sinalética, que ainda hoje se mantém, que é de afastamento e de proximidade. O ok, o mais ou menos… no teatro, e mesmo à parte do teatro, em que os atores e o técnico e o sonoplasta têm uma linguagem gestual, chamada sinalética, que permite afastar, aproximar, cortar, sei lá… Essa sinalética existia e estava nos estúdios para nós
RR p2 de 7 aos 32M49S- aprendermos e pormos em prática. Mais tarde, dá-se a relação com o sonoplasta. Quem era o sonoplasta: era alguém que aparecia com uns discos debaixo do braço, previamente selecionados. Tinha no seu local de trabalho gira-discos para ouvir porque era preciso ouvir as faixas, escolher uma música e todos os programas… não era só fazer fade-in e fade-out, subir ou baixar. A plástica de um programa tinha a ver com a escolha das músicas. FSS: Quando é que
RR p2 de 7 aos 33M27S- o conceito de sonoplasta é introduzido? RR: É introduzido muito cedo. Logo porque, a Emissora Nacional, é das primeiras estações a nível da Europa com melhor equipamento. Porquê: devido à duplicidade da política do governo. Não entrámos na guerra, estamos em 1945. Com os alemães e com os americanos, aparecem as MT, os primeiros gravadores em fita e microfones
RR p2 de 7 aos 34M2S- que vêm da Alemanha. Mas as Ampex vêm dos EUA. E a constatação pode ser feita hoje por quem visita o Museu da Rádio. As Ampex que lá estão, as 01 e 02, as primeiríssimas, e as 300. E ver os microfones também que lá estão. Portanto, em 1936, é quando abre a Emissora Nacional, oficialmente. Ou seja, nessa altura, como hoje em dia já se verifica, na disputa no final da guerra, os técnicos são disputados, tanto como pelos soviéticos como pelos americanos. Em todas as tecnologias,
RR p2 de 7 aos 34M44S- em qualquer situação, é assim. Mas também são as guerras que ajudam. Se na guerra de 1914-18, os franceses a partir de Paris, utilizam a Torre Eiffel para transporte de sinal, de divulgação
RR p2 de 7 aos 34M59S- do sinal, os alemães dominam uma tecnologia: mantêm-na secreta e, quando invadem, já vêm com auscultadores e comunicação em rádio frequência entre eles. Tudo aquilo que tinha servido entre
RR p2 de 7 aos 35M17S- 1914-18, em 1939-45 não serviu de nada. O efeito da surpresa, da força militar e das comunicações. Depois, mais tarde os ingleses conseguem entrar. Decifragem sobre isso, ainda há muitas coisas
RR p2 de 7 aos 35M31S- para descobrir sobre isso. Como se consegue decifrar a comunicação que eles fazem. Isto a propósito de como se descobre a sonoplastia: há um princípio, quando as rádios começam, na década de
RR p2 de 7 aos 35M47S- 30, tanto em privado como… o Grupo Renascença, a Emissora Nacional… não há suportes para garantir. Porque a Emissora Nacional fechava à meia-noite. FSS: Com o hino nacional.
RR p2 de 7 aos 36M5S- RR: Exato. Abria às seis da manhã com o hino nacional. E, portanto, como não há suportes para garantir tantas horas de emissão, o que é que acontece: é necessário
RR p2 de 7 aos 36M20S- gravar. Quais são os sistemas de gravação: fio de aço – porque as primeiras gravações, do Edison, em 1887 permitem gravações com uma duração muito pequena. Evoluem a partir do rolo de cera,
RR p2 de 7 aos 36M44S- já com uma cobertura a ouro, também não dá, também não tem muita duração. Em 1877, assim é que é, o primeiro registo foi do Mary Had a Little Lamb [primeira gravação da voz humana,
RR p2 de 7 aos 37M3S- por Thomas Edison, em 1877] – a Maria tem um cordeirinho branco e todos os animais necessitam da mãe presente. Dizia eu, quando em 1936 e nos anos imediatos,
RR p2 de 7 aos 37M20S- é preciso ter horas de emissão, foi criado inclusivamente… E eu digo isto porque, como fiz muita formação, e antes de começar a fazer formação eu precisava de ter a evolução
RR p2 de 7 aos 37M35S- das décadas de registos sonoros. Foi criada a chamada Orquestra Aldrabófona. Não era mais nem menos uma que aproveitava obras de Mozart, por exemplo, de Beethoven, e criava nomes humilhantes,
RR p2 de 7 aos 37M58S- parodiados depois com instrumentos como um humorados para se preencherem os programas como O Zequinha e Lélé [folhetim radiofónico
RR p2 de 7 aos 38M17S- integrado no programa Os Companheiros da Alegria, apresentado por Igrejas Caeiro e Irene Velez], com o João Villaret [era com Vasco Santana]?. FSS: O Zequinha era o João Villaret?
RR p2 de 7 aos 38M25S- RR: Pois.Os programas gravados, na altura, eram em fio de aço. Quando acontece a grande feira, em 1940, do império português [Exposição do Mundo Português].
RR p2 de 7 aos 38M45S- FSS: Lá em baixo, junto ao Tejo. RR: Zona de Belém. Um técnico, Armando Leça, que fez a grande recolha folclórica, e grava em fio de aço.
RR p2 de 7 aos 39M6S- Para essa época, essa altura. O fio de aço tem alguns problemas,. Mas, apesar de tudo, permite o registo que se mantém. Assim como as primeiras gravações, as primeiras fitas em óxido de ferro,
RR p2 de 7 aos 39M16S- têm aquela cor acastanhada do óxido… essas fitas duram décadas e décadas e décadas sem absorção de humidade, sem perda de qualidade, sem perda de percentagem de nada. Cinco anos, dez anos,
RR p2 de 7 aos 39M33S- vinte anos, trinta anos depois a qualidade estava lá. As fitas e os equipamentos evoluem de tal maneira que, na década de 80, a ganância e o lucro permitiu que alguém trocasse um I por um J
RR p2 de 7 aos 39M49S- e o código de barras trazia fitas falsificadas que gravavam bem, reproduziam bem, mas absorviam muito bem a humidade. E, ao fim de x tempo, o óxido soltava-se e ficava nas guias, nas cabeças e
RR p2 de 7 aos 40M5S- por aí fora. E o gravador parava. Eu digo isto porque fui fazer muita formação aos Açores e à Madeira e o grau de humidade…

Parte 3 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Síntese:

– A importância da formação ao longo da vida 
– Do contrarregra ao sonoplasta: o enriquecimento da sonoplastia
– O surgimento da designação de operador sonoplasta
– A arte da captação de áudio  

Transcrição:

RR p3 de 7 aos 0M4S- FS: A formação é muito importante. Que tipo de formação foi fazendo ao longo da vida para se ir atualizando à medida que as transformações tecnológicas surgiam? Vi no seu
RR p3 de 7 aos 0M18S- CV que fez imensas formações. FSS: Nos dois sentidos. Como formador e a receber formação. RR: Certo. Primeiro, comecei a receber formação
RR p3 de 7 aos 0M26S- no curso para operadores de radiodifusão. Eu era só operador auxiliar. E, quando sou convidado, já tinha feito seminários a convite da AEG sobre fitas, já tinha feito para operadores
RR p3 de 7 aos 0M43S- com outros colegas… FS: A AEG era…? RR: É uma marca alemã. A fita da AEG é a que lidera.
RR p3 de 7 aos 0M53S- FSS: Como eram essas formações? Essa formação da AEG, por exemplo? Vários dias…?
RR p3 de 7 aos 1M2S- RR: Sim, sim, uma semana. FSS: Lá na Alemanha ou…?
RR p3 de 7 aos 1M6S- RR: Não, aqui em Portugal. Porque a eles interessava-lhes vender os equipamentos deles, as fitas deles. Eu lembro-me dessa, da BASF, foi no Hotel Cidadela, em Cascais. Uma semana.
RR p3 de 7 aos 1M21S- FSS: Coisa fina. FS: E a Emissora Nacional patrocinava essas formações ou eram pagas? RR: Eu não fui pela Emissora Nacional, já trabalhava num estúdio aqui em Campo de Ourique, o Musicorde.
estudio musicorde
Como trabalhávamos em multipista e o produto final era para edição discográfica, e o estúdio era de dois proprietários: o Jaime Filipe,
RR p3 de 7 aos 1M44S- um grande técnico, que mais tarde abriu o centro de formação da RTP, foi o autor da primeira bola de espuma protetora do microfone. A maior parte das pessoas não sabem isto, mas foi o engenheiro Jaime Filipe que o fez; e o Alberto Nunes era o sócio. Os dois eram responsáveis pela Musicorde. Ainda na Rua Nova da Trindade, ali ao Chiado, gravava a antiga APA. Não é do meu tempo, eu já
RR p3 de 7 aos 2M26S- vim entrar aqui na Musicorde em 1973. Exato. RR: Eu volto atrás à parte da sonoplastia: e é isto, os sonoplastas, têm mundo e uma postura totalmente autónoma e independente. E porque é que eu necessito de dizer isto: porque, mais tarde, e o Francisco é também um dos responsáveis porque foi formador na mesma altura, estas duas profissões vão-se juntar. Operador e sonoplasta.
RR p3 de 7 aos 2M53S- O sonoplasta manuseia apenas os discos com sons, com músicas, com efeitos. E havia o operador, que é um provedor de som, assim designado, que é o que opera os gravadores, os leitores e controla as intensidades sonoras vindas da cabine, vindas do sonoplasta, vindas dos leitores e termina tudo num gravador onde é registado o produto final que se pretende. Que pode ser uma peça de teatro, um programa cultural, um programa musical, uma ópera, por exemplo, gravar a partir de S. Carlos… lembro-me perfeitamente que a Emissora Nacional gravava óperas a partir de S. Carlos,
RR p3 de 7 aos 3M39S- e transmitia mais tarde.Antes do sonoplasta, havia uma figura chamada contrarregra. Quem é o contrarregra: é alguém que está entre operador e sonoplasta e que vai manusear e provocar sonoridades e sons a partir de talheres, cocos abertos ao meio a simular os cavalos, por exemplo. Que com o celofane que envolve os maços dos cigarros simula o fogo. Com uma chapa zincada
RR p3 de 7 aos 4M22S- pode provocar o trovão. E havia uma roda de vento, que é uma lona em cima de um cilindro que, consoante a velocidade, assim se obtinha o vento. E havia um caixote enorme a simular uma porta, com campainhas, com fechaduras, a fazerem barulho. Havia meia dúzia de degraus que simulávamos o subir e o descer. FSS: Tudo isso manobrado pelo contrarregra.
RR p3 de 7 aos 4M51S- RR: Exato. A caixa de gravilha, onde se simulava os sons ou o som dos passos. E há uma descrição maravilhosa que é: sem uma única palavra, se ouve em plena noite, no silêncio, uma janela que se abre, um carro que se aproxima, um motor que se desliga, os passos na gravilha,
RR p3 de 7 aos 5M18S- o disparar de um tiro e o tombar de um corpo. O crime está feito. Ninguém falou, mas aconteceu. E há dois personagens: o que mata e o que é morto, que tomba. Portanto, a importância do som na descrição. Isto é muito utilizado mais tarde em cinema. Portanto, é sempre a partir do teatro e
RR p3 de 7 aos 5M46S- Shakespeare é o mestre dos mestres. Porque tudo aquilo, o teatro em princípio… voltando ao mono, o som ainda não tem distribuição. Não há centro nem esquerda nem direita. Todas as cenas que acontecem são descritas e feitas a partir da aproximação e do afastamento. Não há distribuição, não há paisagem sonora. Não há estereofonia. FS: O tal registo monofónico.
RR p3 de 7 aos 6M18S- RR: Tal e qual. E o que é o monofónico: eu só tenho afastamento e aproximação. “Maria, traz a sopa” e ouve-se lá ao fundo a Maria a dizer “Vou já”. Nós, em teatro, quando gravávamos, ouviam-se os passos. A sopa. “Vá, meninos, portem-se bem”. Talheres em cima da mesa e uma conversa. Qualquer que fosse a posição perante o microfone ou os microfones, todos saíam misturados, mais próximos,
RR p3 de 7 aos 6M49S- mais afastados, era assim que se fazia. Com o surgir da década de 50… até os primeiros discos dos The Beatles são gravados em mono. Na década de 50, já com duas pistas, então temos o centro, a esquerda e a direita. E ainda não há multipista: esse é outro fenómeno técnico graças à evolução
RR p3 de 7 aos 7M11S- tecnológica. Portanto, só há afastamento e aproximação. Década de 50: o sonoplasta continua, então já tem discos. Os primeiros discos são rijos, como se fossem tocados numa grafonola de 68 rotações. Mas, a partir da década de 50, surge o vinil. Que é a partir de petróleo, PVC, por
RR p3 de 7 aos 7M38S- temperatura e vapor, a prensagem dá-se e nascem os discos. Primeiro, o single, tem apenas um tema ou uma canção de cada lado. O EP, extended play, tem duas de cada lado. O LP, o long play, tem 18 minutos, às vezes 20, tudo depende. Porque o chamado passo, que é o que permite num espaço x ter quantas pistas. Porque se a música tiver muita dinâmica, a largura e o corte do acetato não se
RR p3 de 7 aos 8M8S- pode fazer da mesma maneira porque, no mono, a agulha vibra. Portanto, se quer toca à esquerda, à direita ou no meio, o som é sempre mono. Ao passo que a agulha, mais tarde, vem ler o canal direito, o canal esquerdo. Também é preciso que o canal esteja bem distribuído. Porque há
RR p3 de 7 aos 8M31S- toda uma aproximação em termos panorâmicos. RR: A junção de operador e sonoplasta só vem acontecer quando acontece o fenómeno único em Portugal da TSF que faz um curso de formação,
RR p3 de 7 aos 8M49S- de seis meses, na Torre 2 das Amoreiras. Convida responsáveis ligados à informação, portanto, ao jornalismo. FS: Isso já no final dos anos 80.
RR p3 de 7 aos 9M8S- RR: Exato. Dá-se a junção das duas profissões, sonoplasta e operador. A designação técnica para estas duas junções chama-se operador sonoplasta. Ou seja, a partir da abertura da TSF,
RR p3 de 7 aos 9M31S- tem origem mesmo nos cursos de formação, … Como o Francisco também ajudou e o Adelino Gomes e outros tais. E o engenheiro… FSS: Jaime Silva.
RR p3 de 7 aos 9M45S- RR: E outros profissionais de várias áreas. Mas a parte técnica, aquela que é o suporte do apoio à emissão e aos exteriores… mais tarde, vai acontecer com o telefone portátil, repare-se bem.
RR p3 de 7 aos 10M14S- FSS: Ainda não era telemóvel. RR: Os primeiros telemóveis pareciam garrafões.
RR p3 de 7 aos 10M15S- FSS: Tijolos. RR: Ou seja, esta profissão de sonoplasta – que trata da plástica dos sons, da mistura, que utiliza e manuseia fitas, cassetes, discos e por aí fora -, raramente ou quase nunca grava som.
RR p3 de 7 aos 10M33S- FSS: A propósito disso, na gravação de uma orquestra, tu colocavas os microfones ou definias as posições da colocação dos microfones ou não? Ou ficavas só a receber o som que outros arrumavam?
RR p3 de 7 aos 10M46S- RR: Eu não falo da minha atuação porque eu nunca trabalhei na captação de orquestra. Mas sim na minha experiência cá fora, no estúdio particular, na Musicorde. Na gravação de orquestras ou naipes de orquestras. Há um pormenor: a captação por si só é uma arte.
RR p3 de 7 aos 11M4S- FSS: Suprema. RR: É uma arte. Captar um som, captar uma orquestra, captar um naipe, um conjunto de músicos… e, depois, captar de modo pontual – pôr um microfone só para aquele instrumento e um naipe seja de corda, seja de
RR p3 de 7 aos 11M24S- metais ou um coro – e é preciso ter panorâmica. FSS: Uma orquestra… sei lá, a orquestra da Gulbenkian. Há um concerto. Quantos microfones são precisos?
RR p3 de 7 aos 11M40S- RR: Quantos tanto os necessários. Se for num auditório como a Gulbenkian, eles já lá estão todos colocados e, portanto, é uma questão de ver qual a constituição. Se é de câmara, se é sinfónica, se o solista hoje é o piano ou o violinista e por aí fora. Às vezes, a própria orquestra, para a execução de certas obras, é reforçada com mais contrabaixos, com mais violas, com mais violinos… E coro. A Gulbenkian chegou a ter orquestra e coro.
RR p3 de 7 aos 12M17S- FSS: Os microfones são idênticos? Unidirecionais… RR: Há três bases que designam os microfones que tem a ver com o modo como eles captam. A direccionalidade – a maneira como capta em função da sua direção -, depois, a parte abrangente – ou seja, posso necessitar apenas de uma fonte
RR p3 de 7 aos 12M40S- sonora e essa fonte sonora… se o microfone é direcional, portanto, quer dizer que obedece a melhor captação – mas, depois, posso precisar de um microfone – tenho um diagrama polar, a membrana capta mais do que a direção principal, tenho mais abertura. Ou, em situações que é mais
RR p3 de 7 aos 13M5S- que uma pessoa ou uma pessoa do lado em frente a outra, bidirecionalidade – o microfone tanto tem de captar de um lado da membrana como do outro. Há microfones estéreo. Mas, acima de tudo,
RR p3 de 7 aos 13M19S- há três: há o microfone cardioide, que é aquele que tem o formato de um coração, que obedece à direcionalidade; omni, com direcionalidade, em todas as direções; e o bidirecional, duas direções. Qualquer uma destas três regras, cardioide, omni ou bidirecional, tem outras aberturas. São sequenciais em função do seu diagrama polar,
RR p3 de 7 aos 13M44S- da funcionalidade que se pretende e o comando à distância que permite a alteração da sua postura em termos de diagrama polar. Eu posso, à distância, modificar a característica de captação do microfone. É só para dizer o seguinte: a primeira preocupação, seja numa orquestra grande, pequena ou num coro, é teres a noção da panorâmica. Ou seja, quando estás em tua casa,
RR p3 de 7 aos 14M18S- ou num espetáculo ao vivo na Gulbenkian, estás sentado e delicias-te porque, se fechares os olhos, sabes que à esquerda está, digamos, um piano e, à direita, estão os contrabaixos. O ideal é que tu vais assistir a uma gravação de um espetáculo de uma grande orquestra e, depois, a transmissão em casa, dizes assim “Sim senhora, esta sonoridade, esta captação, este registo que
RR p3 de 7 aos 14M49S- eu estou a ouvir corresponde. Porque eu estava lá, no sítio, e sei que era ali que estava o piano ou o contrabaixo”. Agora, se eu não souber, se não tiver essas direcionalidades, podes depois estar em casa e estás a ouvir tudo trocado: o canal esquerdo como o canal direito, o
RR p3 de 7 aos 15M2S- piano aparece-te do lado direito e devia estar no lado esquerdo porque era essa a grande realidade. Interessa a envolvência realidade. Depois a situação por naipes: os violinos, as violas, os violoncelos, os contrabaixos, depois os metais, as madeiras, o solista – e pode ser um violino, uma
RR p3 de 7 aos 15M25S- tuba, um piano e, se for um piano, tem de haver uma captação em estéreo. São 80 teclas e o centro, a esquerda e a direita têm de se designar. Desde os 27,5 Hz até aos 5000 e qualquer coisa Hz. Mais os harmónicos… tens de ter uma captação perfeita do teclado do piano. Depois, há outros: uma harpa, por exemplo, não é fácil captar uma harpa. Mas há microfones que te permitem um registo, m teoria,
RR p3 de 7 aos 16M0S- hoje em dia, no mundo do digital, dos 20 aos 20 mil Hz. Mas depois o digital tem este problema também que é: abaixo dos 20, não está lá nada e, acima dos 20 mil, também não está lá nada. Está cortado. Isto leva-nos sempre àquela equação: o que é melhor? O digital ou o analógico? É preciso apercebermo-nos que, no mundo analógico, não se corta nada. Tudo que lá está, mesmo que não se ouça, acaba por se sentir.

Parte 4 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Síntese:

– A importância da mobilização de todos os sentidos na arte da captação de áudio
– O binómio digital-analógico na evolução da formação audiovisual em Portugal
– Reflexão acerca da migração do analógico para o digital
– As especificidades do registo de áudio e a manipulação destas no período que antecedeu o 25 de abril
– A amizade com nomes importantes das artes e pequenas experiências em teatro
– A experiência como elemento-chave do conhecimento: o caso da captação de música  

Transcrição:

RR p4 de 7 aos 0M11S- RR: A captação, por si só, é uma arte. Precisas de ter conhecimento do fenómeno acústico, da propagação do som, como é que se dá, a pressão e a rarefação do ar,
RR p4 de 7 aos 0M20S- em função da variação da pressão acústica. A elasticidade das moléculas para transmitir o som, a sua propagação. Procurando completar a parte da pergunta de uma grande orquestra como se capta,
RR p4 de 7 aos 0M38S- o número de microfones… podem ser 20, 40, 15… são os necessários, suficientes para termos a definição da grande orquestra, a definição dos vários naipes – metais, cordas, madeiras,
RR p4 de 7 aos 0M52S- solistas – e, então, como a palavra diz, os solistas têm de ter microfones para si. Seja uma voz, sejam duas vozes, seja um violino, seja uma flauta, uma trompa, uma harpa. E, portanto,
RR p4 de 7 aos 1M8S- a designação solista quer dizer que são captados à parte do global. A sensibilidade e a colocação dos microfones para esses instrumentos necessitam de conhecimento de como é que vai acontecer.
RR p4 de 7 aos 1M23S- Acontecer ao compasso, ou seja, um técnico hoje em dia tem de ter a noção de ler uma partitura, ter a noção depois, na edição e montagem que faz, de saber onde é que vai buscar ou fazer
RR p4 de 7 aos 1M38S- uma duplicação, um copy-paste e repetir e fazer um loop e por aí fora. Que permite corrigir aquilo que estiver mal. Num espetáculo ao vivo não podes fazer nada: o que sair é o que sai. Mas é maravilhoso. Porquê: num espetáculo ao vivo e digo isto porque foi uma aprendizagem minha – que me ajudou muito, e ainda hoje me ajuda a conduzir -, num espetáculo ao vivo,
RR p4 de 7 aos 2M7S- como por exemplo esse concerto de Ano Novo, que vai acontecer agora no dia 1 de janeiro, tu trabalhas com a gestualidade, portanto, os sentidos, visualidade – tu estás
RR p4 de 7 aos 2M23S- a ver, estás a ouvir e tens que manusear. E, portanto, num espetáculo ao vivo ou num estúdio de música onde estás a gravar ao vivo, estás – como se diz na gíria – com a pica toda em cima.
RR p4 de 7 aos 2M41S- FSS: Pronto para a surpresa. RR: A adrenalina está toda ali. Portanto, quando um bom técnico ou um bom realizador está na régie a comandar a entrada e a saída das câmeras, ele também está a ouvir, a ver e a gerir. A gestualidade está lá toda. Isto desenvolve
RR p4 de 7 aos 3M1S- a tua capacidade de perceção do carro que vai à tua frente, que ele vai virar à direita e não fez pisca. Eu já me safei de dezenas de acidentes porque eu faço a leitura, eu interpreto o comportamento do carro que vai à minha frente. Quase sempre, é impressionante. Garanto que vai travar, vai virar à esquerda. Não sei se vai virar porque vai ali…. Porquê:
RR p4 de 7 aos 3M21S- trabalhei muitos anos, muitos anos, muitos anos… FS: Mas muita dessa aprendizagem foi feita na tarimba mais do que… RR: Ora… Filipa, é assim, a minha geração, como geração que ainda é viva… minha e de grandes técnicos como o José Fortes, eu e mais meia dúzia – posso não citar agora, não me vêm os nomes, José Abrantes e por aí fora -, os
RR p4 de 7 aos 3M50S- técnicos mais ou menos da minha idade – portanto, eu tenho 73 anos e ainda estou no ativo e gosto; ainda me arrepio, ainda tenho o prazer do instante que é… Tarimba, correto, eu fui um autodidata. Quando, um dia, me convidaram para fazer formação. Saí de São Marçal, chamaram-me da chefia e fui ao Quelhas onde tinha começado, e está o responsável do centro de formação,
RR p4 de 7 aos 4M16S- o responsável da exploração e o chefe de departamento. “Ó Rui, gostava, temos aqui uma tarefa para si”. Década de 80, quando começam a aparecer os dinheiros para a formação.
RR p4 de 7 aos 4M33S- FSS: Dinheiros europeus. RR: Exato, dinheiros europeus. E eu perguntei “E porque não aquele e aquele?”. Aqueles que para mim eram as referências dentro da Emissora Nacional. Disseram “Este diz que não quer porque não domina bem o Inglês, este não domina bem a sonoplastia e a gravação em multipista e aquele outro porque não lhe apetece ou não quer”. E eu disse “Eu aceito”.
RR p4 de 7 aos 5M0S- Estavam preenchidas as razões para de, hoje para amanhã, dizerem “Porquê tu e não os outros?”. E eu “Epá, essa pergunta pus eu”. Tarimba. Ou seja, quando eu sou posto perante esta realidade, primeiro preciso de saber o que é que vou fazer. E vou começar precisamente por fazer
RR p4 de 7 aos 5M28S- formação a colegas meus. Eu era operador auxiliar só. Já era do quadro, mas era operador auxiliar. Já tinha jurado não pertencer a organismos comunistas e mais não sei quê. Aquelas coisas que os funcionários públicos diziam. Já era do quadro. Então, corro Lisboa inteira à procura de livros em
RR p4 de 7 aos 5M53S- português, brasileiro – o Brasil é português, mas do Brasil -, francês e inglês. Alemão nunca tive. E não havia nada. Todos os que havia, eu comprei. E mais, toda a coleção que o quartel em Paço de Arcos, de formação dos cursos de militares na área da eletrónica e por aí fora, tinha. E tenho-os
RR p4 de 7 aos 6M19S- todos também. Mas fui à procura nas bibliotecas da Emissora Nacional e a maior parte dos livros
RR p4 de 7 aos 6M26S- pareciam que tinham sido requisitados pelos engenheiros, pelos chefes de departamentos, pelas chefias que os tinham nas gavetas. E, portanto, ou seja, o saber – neste caso – estava fechado.
RR p4 de 7 aos 6M37S- FS: Estava escondido. RR: Hoje em dia, o grande princípio é: quanto mais eu partilho o saber, mais eu me enriqueço porque partilho a base, o know-how. A minha geração… O Instituto Superior Técnico não tinha formação de cursos de acústica nem de eletrónica. Havia
RR p4 de 7 aos 6M57S- eletrónica, mas da parte de operacionalidade, de maquinarias e por aí fora. Acústica não havia.
RR p4 de 7 aos 7M6S- As universidades só mais tarde é que começaram a ter e algumas abriram sem terem cossoletes, só fotografias de cossoletes para os alunos verem. Só verem. Porque não tinham operacionalidade, não tinham dinheiro, isto é factual. Portanto, eu tive de ir à procura do saber.
RR p4 de 7 aos 7M25S- E a minha geração, hoje – e eu ainda dou aulas numa escola, a ETIC, tem também o ensino técnico e o ensino profissional; os alunos entram com o 9º ano, fazem o 10º, 11º, 12º e, desde som, fotografia, edição de imagem, produção musical, teatro, dança, uma data de cursos… – e a ETIC
RR p4 de 7 aos 7M59S- é que começou por dar imagem e criação. E comunicação. E inovação e criatividade. Portanto, para dizer o quê: qualquer jovem, hoje, pode – dentro do seu currículo inicial -, começar logo a ter audiovisuais. Imagem e som. Cursos superiores já os há em todas as áreas. Inclusivamente, a ETIC
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RR p4 de 7 aos 8M24S- já tem curso de HND [sigla dos Higher Nationals Diploma], cursos do sistema educativo britânico, com duração de 2 anos, compostos por unidades teóricas e práticas] que permitem, na área de produção e técnico de som, com apoio e partilha espanhola e inglesa, ao fim de dois anos
RR p4 de 7 aos 8M38S- e um estágio, terem um bacharelato. Portanto, os jovens técnicos hoje em dia, além de saberem música, eletrónica, eletricidade, saberem tudo, toda a base, estão preparados para tudo. E eu vejo-os nas escolas novas, é um prazer. Ainda por cima, com a facilidade do digital. Nessa escola,
RR p4 de 7 aos 9M2S- o papel já foi posto de parte há uma data de anos. Os sumários, os conteúdos são todos digitalizados para partilhar com os alunos ou, primeiro, são depositados numa pasta onde os alunos vão buscar todos os suportes. É mesmo obrigatório. Se eu falar de uma coisa e não partilhar com os alunos,
RR p4 de 7 aos 9M18S- os objetivos não podem ser atingidos. RR: Na sequência da pergunta que eu procurei responder ao Francisco Sena Santos, ficou para trás ainda: do mono avançámos para o estéreo. E falta-nos aqui a partilha de uma coisa muito engraçada e boa que é a estereofonia
RR p4 de 7 aos 9M42S- e, mais tarde, a multipista. A multipista, a partir dos anos 50, e de que falei há bocadinho dos The Beatles, as primeiras gravações em mono. Mas, depois, gravava-se em duas pistas e depois fazia-se passagem do que estava gravado, acrescentava-se o microfone ou dois microfones
RR p4 de 7 aos 10M7S- e o somatório… ia-se gravando, duas a duas, por somatório. Mas havia uma realidade – havia naquela altura, hoje em dia, com o digital isso não acontece – que era a relação sinal-ruído. Ou seja, ia-se aumentando o sopro, o ruído para termos mais som porque era sempre em somatório, e a relação
RR p4 de 7 aos 10M23S- sinal-ruído estava a deteriorar-se. O importante é termos mais sinal e menos ruído. Tudo isso evolui de tal maneira, vamos beneficiando… aquilo começou por ser o óxido, passa a ferrocrómio, a cobalto… Ou seja, no princípio é só óxido de ferro, mas, depois, começam as fitas a terem
RR p4 de 7 aos 10M59S- outros componentes que têm melhor resposta, melhor relação sinal-ruído e, para terem melhor ainda, aparecem os supressores do ruído. Ou seja, o sinal áudio ou o som é dividido logo à entrada do gravador e é reposto à saída. Porquê: graças aos sistemas de compressão que permite aumentar
RR p4 de 7 aos 11M23S- e potenciar o sinal e o ruído, elimina-se no percurso aquilo que pudermos e volta-se a juntar. Quer dizer, quando, na década de 80, aparece o alfanumérico, os princípios digitais, nós temos gravação com grande qualidade graças aos supressores de ruído, aos compressores, aos
RR p4 de 7 aos 11M44S- limitadores, temos boas fitas, bons gravadores; as componentes das cabeças de gravação cada vez usam melhor material, têm maior curva de resposta, mais desgaste, gastam-se mais rapidamente, mas o
RR p4 de 7 aos 12M0S- importante é que o registo que façam seja melhor; a dinâmica é cada vez mais elevada, o chamado registo que entra é superior, a fita regista mais. Basta ver, quando aparecem as cassetes, que é um elemento de registo que se leva nos walkmans, nos automóveis… hoje em dia, os automóveis já não têm leitor de cassetes nem de CDs: é uma pen, é por Bluetooth, é a nuvem, é o streaming hoje em dia…
RR p4 de 7 aos 12M32S- FS: E com o digital, não perdemos nada? Já percebi que ganhámos muito,
RR p4 de 7 aos 12M39S- não perdemos nada nesta passagem para o digital? RR: Perdeu-se a riqueza dos harmónicos, mais nada. Os melómanos, os apaixonados… quem tem um bom gira-discos, quem tem um bom gravador antigo, quem tem um Ferrari ou Rolls Royce, não vai querer voltar outra vez ao Fiat…. Percebe o que eu quero dizer. Perder não se perdeu, basta ver que, nesta altura, há como que um regresso, matar saudades,
RR p4 de 7 aos 13M32S- há qualidade. Porque é assim: ouvir um disco, por si só, é como um fumador de cachimbo. Tem um ritual, tem a coleção, é preciso limpar um disco, guardá-lo, abri-lo, a leitura. Porque o tamanho do registo hoje é de tal maneira pequenino: no princípio era abrir a capa, depois passou a abrir
RR p4 de 7 aos 13M58S- capas, um caderninho lá dentro do CD. As capas de um disco, os rótulos de um disco, por si só a arte gráfica era… E a fotografia desenvolveu-se imenso. Porque capas dos The Beatles, eles descalços a atravessarem a passadeira do estúdio. Discos dos Pink Floyd, discos dos The Rolling Stones ou,
RR p4 de 7 aos 14M25S- sei lá, de clássicos. Por exemplo, portugueses, sei lá, a Amália [Rodrigues]. As capas dos discos da Amália, por si só, aquilo também tem arte. A fotografia, o rosto, a década, o lettering, o contraste de cores, tudo isto. Mas há outro pormenor que é assim: infelizmente,
RR p4 de 7 aos 14M51S- com este mundo da música e do registo e da comunicação, mas falemos da música, que é uma área onde trabalhei e ainda trabalho, perdeu-se muita coisa. Eu, como fiz muita formação, e sabia das carências que tinha e dos problemas quando chegava um registo feito por outrem em
RR p4 de 7 aos 15M13S- Portugal ou, noutro lado, fora de Portugal, eu gostava de saber o que era, onde foi gravado, em que gravador, com que normas europeias ou americanas, a duração, como é que terminava, se era mono, se era estéreo. Portanto, como que um bilhete de identidade obrigatório para quê: para a
RR p4 de 7 aos 15M36S- memória futura. Já havia regras e eu tive de aprender e preencher uma ficha técnica que vai no interior de uma bobine… o lema das caixas das bobines era de Camões: “Cantando espalharei por toda a parte / Se a tanto me ajudar o engenho e a arte”. “Espalharei por toda a parte” envolvia
RR p4 de 7 aos 16M3S- o brasão que ainda hoje está na bandeira. Mas, lá dentro, cantava-se por vezes muita coisa, mas não se sabia o que era. Tinha de se ir ouvir. RR: E eu assisti e inventei, inventei não,
RR p4 de 7 aos 16M27S- evitei que se cometessem crimes. Vou dar um exemplo: eu disse há bocadinho que, por falta de registos sonoros, houve que gravar muitas coisas. Orquestra Aldrabófona, mas depois transmitiu-se em direto espectáculos a partir do Estoril, peças de teatro previamente gravadas,
RR p4 de 7 aos 16M46S- mas faltava pouca música, e os primeiros discos gravados foram diretamente em discos. O Alberto Nunes e os técnicos da altura, e o produtor Agora à pressa posso não me lembrar de alguns, gravavam diretamente em disco. Mas esse disco tinha uma duração diferente porque era acetato, virgem. Ao fim de meia dúzia, dúzia de vezes… O contacto da leitura de um disco é como
RR p4 de 7 aos 17M10S- um arado a lavrar a terra. Mas, o arado na terra é mesmo para levantar a terra, revirá-la, arejá-la, para depois ser cultivada, semeada. A agulha que lê um disco tem de ter o peso recomendado pelo fabricante da agulha, tem que estar devidamente equilibrada para não ler mais nem menos o canal
RR p4 de 7 aos 17M37S- esquerdo ou direito porque senão gasta-se, e se estiver a reproduzir constantemente, constantemente, e o peso não estiver regulado, não está a ler, está a lavrar. E ao lavrar, está a retirar o vinil de que é feito esse disco. Portanto, há perda, deterioração de qualidade.
RR p4 de 7 aos 17M56S- As fitas onde se gravavam os programas de teatro, política, atividades culturais, animação… Bobines que levavam à velocidade mais pequena uma hora, 19cm por segundo, 7.5 polegadas – o dobro dava só meia hora, 15 polegadas, 38cm por segundo, meia hora -, é uma bobine assim deste tamanho. Meia
RR p4 de 7 aos 18M28S- hora passa num instante. Para termos uma hora… porquê: porque o registo de música difere do da palavra. A nossa voz tem um espectro dentro do espectro total do áudio muito mais limitado. Ao passo que a música vai dos 20 aos 20 mil Hz. Antigamente, dizia-se que tínhamos por margem
RR p4 de 7 aos 18M50S- o órgão dos 18 aos 18 mil. O órgão de tubos é o instrumento mais rico dentro dos instrumentos de toda a gama musical. Mas o que é que acontece: nós gravamos e o que é que pretendemos? Que essa identificação fique para sempre. E lá dentro tem que ter toda a identificação.
RR p4 de 7 aos 19M14S- E a assinatura do responsável. Porque uma das particularidades que eu vim a aprender é que o técnico que assinava o registo magnético ou a gravação, na gíria, era o responsável pelo seu conteúdo ad aeternum. Para sempre. Eu assinava Rui Remígio, era o nome pelo qual era conhecido,
RR p4 de 7 aos 19M39S- se estivesse de acordo. Colava uma ficha técnica, dizia tecnicamente normal, ou seja, a fita era considerada capaz de ser transmitida e depois ser arquivada ou ir para os nossos arquivos e por aí fora. Mas essa bobine, se tivesse um conteúdo temporário, de um acontecimento que na semana
RR p4 de 7 aos 20M1S- seguinte – um relato de futebol ou uma atividade, um festival qualquer que não voltava a acontecer, mas que também não tinha grande impacto -, podia ser regravada. O facto de os gravadores terem três cabeças: a primeira – para colocar as partículas do óxido de forma aleatória, para apagar -, a
RR p4 de 7 aos 20M21S- segunda – para gravar não só o áudio, mas impregnar com uma alta frequência inaudível; quando o áudio começa a ser gravado em fio de aço e em fita de aço, no princípio dos princípios, verifica-se que o processo de gravação não é linear. Como não é linear, o que lá entra
RR p4 de 7 aos 20M49S- não é aquilo que sai. Portanto, logo, era para termos separação da distorção, melhor relação sinal-ruído, é adicionada uma alta frequência não-audível, quatro a dez vezes superior à mais alta frequência que queremos ouvir (entre os 80 e os 200 mil Hz); tem o papel de quase portadora,
RR p4 de 7 aos 21M10S- uma frequência que quase não ouvimos, mas que caracteriza as frequências da Rádio Comercial, da Renascença, da Emissora Nacional, Antena 1, Antena 2. Nós não ouvimos essa frequência, mas ela está lá, chamada portadora. Aqui, ao mesmo tempo que gravamos o som, o áudio, estamos a impregnar
RR p4 de 7 aos 21M24S- para se dar o melhor registo de frequências audíveis juntas na cabeça de gravação. Porque a cabeça de apagar só serve para apagar e a cabeça de reprodução só reproduz o áudio. Só a cabeça de gravação grava uma alta frequência mais o áudio. Eu aprendi, dizia eu há bocadinho, que quando uma
RR p4 de 7 aos 21M52S- fita magnética já foi gravada, foi transmitida, pode aparecer nas nossas mãos passados uns dias com uma outra etiqueta que diz “Apagado”. Ou seja, o seu conteúdo pode ser apagado. Eis senão quando, porque vive-se um período quente a seguir ao 25 de abril, eu olho para uma bobine e vejo que vem
RR p4 de 7 aos 22M21S- para ser reutilizada e tinha um discurso do então Presidente da República, Marechal Costa Gomes. E, desculpe o termo, eu fui aos arames. Um discurso daquela altura e de um Presidente da República não pode ser apagado. Falhou de alguma maneira, não digo que fosse intencional,
RR p4 de 7 aos 22M41S- não vou pôr intencionalidade nas coisas e quando fui ouvir tive de alertar logo a chefia para transmitir, para que o procedimento que estava a ser feito tivesse em conta a leitura de identificação da fita. Ou seja, daí para frente, fomos detetar outras. Mas aconteceram coisas que me doeram muito, que ainda hoje me doem, e algumas são irreparáveis.
RR p4 de 7 aos 23M5S- RR: Na sequência desta minha formação, fui convidado também a começar também a gravar teatro. E conheci, trabalhei com grandes atores, Ruy de Carvalho, Eunice Muñoz, Álvaro Benamor, todos passavam por lá. E outros tantos que já partiram, e muitos. E eu era um jovem de 20 e
RR p4 de 7 aos 23M27S- poucos anos, não tinha 30 anos. Primeiro olhava assim um bocadinho de nada, era novinho. A Maria Leonor tinha um comportamento quando via uma cara nova do lado de lá do vidro, saía de lá de dentro e dizia “Estás a olhar para onde?”. Isto é factual. Eu disse há bocadinho que ela, a mim, não me fez isso, mas veio mais tarde convidar-me para integrar – aquando do lançamento do filme, em Portugal, Um Homem e Uma Mulher… FSS: De Claude Lelouch.
RR p4 de 7 aos 24M2S- RR: Exato. E há um drama grande nesse filme, uma marca de lãs quer lançar um cachecol igual ou semelhante ao que aparece no filme, do personagem principal. E a Maria Leonor precisava de alguém parecido. E vai junto do comum amigo, e é alguém que tu conheceste,
RR p4 de 7 aos 24M24S- Filipa, que estava a almoçar no mesmo dia, no dia em que nos conhecemos, na Baixa de Lisboa, e o Carlos Fernandes – esse sim sonoplasta -, muito amigo, já mais antigo, da Maria Leonor. “Pensei em alguém assim e assim, e tal”. “Conheço. Fulano assim assim veio de Angola há pouco tempo”.
RR p4 de 7 aos 24M52S- “Queres apresentar-mo?”. Ela convidou-me, fui ao lançamento do filme – com o cabelo liso que tinha fizeram com o Babyliss ou que era uns caracóis -, e eu fui com uma menina parecida também e bem maquilhada como a personagem… FSS: Anouk Aimée.
RR p4 de 7 aos 25M9S- RR: Exato. Foi assim que eu fiz as pazes para sempre. Daí para frente…. Fiz o papel principal graças à Maria Leonor. Daí para a frente, de vez em quando, ela convidava-me para um lançamento de peles, de camisas, de calças, e por aí fora, aqui em Lisboa, no Porto, por aí fora. Lá ia eu sempre rodeado de muitas meninas que eram modelos italianas.
RR p4 de 7 aos 25M39S- FSS: A Maria Leonor tinha um programa de moda na RTP. RR: Sim, sim, no tempo da Ana Maria Lucas que foi Miss Portugal. Era curioso. Havia uma Fiorella, é assim que ela se chamava, tinha uma modelo italiana, o namorado ia buscá-la de helicóptero aos fins de semana. Era um período assim…
RR p4 de 7 aos 26M2S- FS: Gente fina. RR: Mas a propósito da minha relação com a Maria Leonor. Com os atores de teatro. Mais tarde aqui no meu estúdio gravei um disco de poesia com a Eunice Muñoz, o Victor de Sousa, Ruy de Carvalho, sei lá… Fiz de médico, tive o privilégio, com o Armando Cortez e com o Canto e Castro,
RR p4 de 7 aos 26M28S- uma novela, Vidas de Sal. Foi muito curioso porque eu conhecia-os tanto da Emissora Nacional, como daqui do estúdio aqui em Campo de Ourique, e éramos amigos porque o pessoal ligado ao teatro e às artes é sempre de uma amabilidade, de uma ternura.
Era sempre “Meus queridos”, “Então, minha querida”. Uma relação muito afável. A importância da pele, do abraço, do sorriso
RR p4 de 7 aos 26M56S- aberto, olhos nos olhos. Só pessoas ligadas à comunicação e à expressão. Muito curioso porque, quando eu vou ensaiar o papel pequeníssimo – faço de médico, bata branca, óculos na pontinha do nariz que eu usava na altura -, convidaram-me e pagaram-me. E ficou gravado ad aeternum.
RR p4 de 7 aos 27M19S- FS: Tem esses registos ou perdeu-os? RR: Creio que sim, que tenho. E então, há bem pouco tempo, a RTP Memória foi buscar. Mas também se não conseguir, arranja-se. E o que é engraçado é que vou ter de combinar com eles um local de ensaio. E eu conhecia-os,
RR p4 de 7 aos 27M42S- mais geralmente dos teatros. O Armando Cortez, fundador da Casa do Artista, inclusivamente. Da qual também sou sócio, felizmente. E o Canto e Castro, com aquela voz, um homem muito cinéfilo, fez montes de teatro e por aí fora. Mas também de uma cortesia. Chego com eles, já levava o meu papel decorado. E quando os cumprimento – um grande abraço, uma festa -, “Anda, menino, vem lá
RR p4 de 7 aos 28M8S- connosco”, colocam-me no meio e começam a simular a cena que tenho com eles. Um sente-se mal, o amigo leva-o ao hospital e eu sou o médico. E, de repente, eles estão a dizer a primeira fala e a darem-me a deixa. “Então, Rui, como é que é?”. Ou seja, para eles tudo era representação de teatro, com a maior das naturalidades. E eu, qual imberbe, que nunca tinha feito um papelinho de teatro, não é, ali. Ao fim de quê, dez minutos, para baixo e para cima.
RR p4 de 7 aos 28M44S- FSS: Quando voltamos atrás, um estudante em 2018 tem na academia quem lhe ensine as técnicas, tudo isso. Tu tiveste de chegar lá por ti, a experimentar.
RR p4 de 7 aos 28M57S- RR: A experimentar e a aprender. FSS: A aprender o som.
RR p4 de 7 aos 29M0S- RR: A ver fazer. FSS: E a explorar e a descobrir.
RR p4 de 7 aos 29M5S- RR: E a descobrir, sim, claro. A pergunta “Quem é que coloca os microfones?”. Uma pergunta que há pouco fizeste. Essa também é uma das características que tem de se ensinar, tem de se praticar, porque há sempre alguns curiosos ou espertos ou que gostam de misturar tudo ou sabichões que dizem “Esse microfone é esse?” ou “Eu gosto dele um bocadinho mais afastado”
RR p4 de 7 aos 29M39S- ou “Que microfone é que me vai pôr?”. Ou seja, isto veio a ensinar-me a importância do diálogo, da comunicação entre o técnico e o músico. Têm que se respeitar e o técnico, ainda hoje, é o que eu faço, a linguagem utilizada por um técnico tem de ser uma linguagem de um músico quando designa ou fala de um microfone, a linguagem tem de ser técnica e científica.
RR p4 de 7 aos 30M5S- FSS: Os artistas, os músicos, perguntam “Porquê este microfone?”, “É este o microfone certo?”.
RR p4 de 7 aos 30M9S- RR: Alguns sim. Lá está, alguns faziam-no por brincadeira. Mas há outros quase a querer dizer “Olhe que eu quero um microfone tal à distância tal”. Para esses, é preciso dizer “Eu não toco o seu instrumento, eu toco só em microfones. Posso especificar-lhe as características técnicas
RR p4 de 7 aos 30M33S- do microfone. O diagrama polar, a sensibilidade, a distância a que devo pôr, caracterizo até o seu instrumento: funciona assim, os Fs por onde sai o som do violino ou do violoncelo têm esta característica; se for um trompete ou uma flauta tem uma característica diferente”. Dizia eu há
RR p4 de 7 aos 30M54S- pouco, a captação, por si só, é uma arte. Envolve conhecimento ergonómico do instrumento, a projeção sonora e a transmissão do som a partir das rarefações do ar e da variação de pressão acústica, a distância a que deve ser captada,
RR p4 de 7 aos 31M9S- a sensibilidade do microfone, se é só aquele instrumento ou está englobado noutros no naipe e se é para um espetáculo ao vivo, se é em estúdio, por aí fora. Se ele é solista ou vai apenas fazer acompanhamento para fora. Portanto, uma das regras que se deve ter em conta é: que linguagem eu devo utilizar para com um leigo – digo “Olha, deixa isso comigo” – e então vou fazer uma afirmação que é uma constatação da minha experiência. Ouviste falar no Jorge Peixinho.
RR p4 de 7 aos 31M48S- FSS: Claro. RR: Fernando Lopes Graça. Trabalhei com todos. Pedro Osório. Todos. Todos os grandes mestres. Krasmann, sei lá. E alguns menos conhecidos. Até os mais modernos. Mas sempre gostei de trabalhar com os exigentes.
RR p4 de 7 aos 32M11S- FSS: O Peixinho imagino que fosse muito exigente. RR: O exigente sabe ao que vem. E diz “Deposito em ti a responsabilidade”. Tens a responsabilidade. O técnico pergunta “O que vamos fazer?”. “Isto, isto e isto”. “Quem é que vem? Quem é que fala?”. “Estão estes, hão de vir os outros,
RR p4 de 7 aos 32M29S- por aí fora”. Já sabes os objetivos dele e, depois, tu vais satisfazer o que ele pretende. Os medíocres é que fogem deles. Sabem de tudo, opinam sobre tudo, põem-se em bicos dos pés e nunca chegam a lado nenhum. Que é “Já gravei noutro lado, isto não está bem”. “Espera aí
RR p4 de 7 aos 32M58S- um bocadinho, vamos lá ver o que não está bem”. E depois admiravam-se se um técnico soubesse dizer “Era bom que afinasse a sua viola”.

Parte 5 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Síntese:

– Continuação: A experiência como elemento-chave do conhecimento: o caso da captação de música
– A rádio antes e durante da/a revolução do 25 de abril de 1974
– A rádio no período imediato ao pós-25 de abril de 1974: os saneamentos, a censura e o sindicalismo
– A relação entre a rádio e a política depois da Revolução dos Cravos: a censura e o trabalho de gravação dos spots dos partidos   

Transcrição:

RR p5de 7 aos 0M7S- FSS: Gravaste gente como o Peixinho, o Graça, o Emanuel Nunes.
RR p5de 7 aos 0M13S- RR: Emanuel Nunes, não. Fernando Lopes Graça, sim.
RR p5de 7 aos 0M17S- Mas Zeca Afonso, Fausto… FSS: Com eles, mesmo?
RR p5de 7 aos 0M20S- RR: Sim.
RR p5de 7 aos 0M21S- FSS: Como era gravar o Zeca?
RR p5de 7 aos 0M23S- RR: O Zeca é dos mais simples. Não gravei muito o Zeca, mas veio aqui por vezes. O Adriano também.
RR p5de 7 aos 0M31S- Mais solidário também, como o Fausto, o Samuel, Luís Cília – gravei dois álbuns dele – Manuel Freire, Fernando Tordo. Hoje de manhã, estava a tomar o pequeno-almoço… a última vez que estive com o Fernando, aqui
RR p5de 7 aos 0M48S- em Campo de Ourique, no funeral de um grande amigo, a voz, o Zé Ramos. A voz, The Voice.
RR p5de 7 aos 0M55S- E eu gravei Que se passa? Então isto não é uma ameaça? / Ali andou mãozinha de reaça.
RR p5de 7 aos 1M8S- Deixaram fugir mais oitenta e nove… FSS: Fado de Alcoentre.
RR p5de 7 aos 1M13S- RR: O Fernando Tordo fez uma letra logo ali de imediato para ser gravada. A letra apareceu, no dia seguinte estávamos a gravar. Todos esses – Maria de Lourdes Resende, por exemplo, mais idosa, mas era um prazer ela
RR p5de 7 aos 1M35S- vir aqui fazer. Quando ela vinha fazer cópias para os espetáculos dela, trazia todas as cassetes etiquetadas e que vinham com o lapinhos: ela acertava a cassete do princípio da música… Pois,
RR p5de 7 aos 1M50S- que era para chegar a música e dizer “Agora esta cassete começa nessa música”. Vinha na pausa anterior…. Dava-me prazer porque eu nunca gostei de fazer o mesmo trabalho duas vezes.
RR p5de 7 aos 2M3S- Assim como por exemplo, se o músico está distraído e não me diz “Passa-se isto e aqueloutro”.
RR p5de 7 aos 2M13S- Eu assisti a instantes de criatividade dentro do estúdio – com grandes e bons músicos e bons maestros – em que têm que ter, no técnico, seja ele ou outro qualquer, confiança plena.
RR p5de 7 aos 2M27S- Eu gravei muita publicidade. Sabe o que é entrar um personagem como o José Carlos Ary dos Santos. Trabalhava numa agência de publicidade.
RR p5de 7 aos 2M36S- E quando se sentava, e transmitia aos locutores a mensagem que ele queria e o que queria daquelas vozes, puxava de um lenço minhoto, punha-o ao pescoço e a sua personalidade transformava-se
RR p5de 7 aos 2M50S- completamente. Ali, toda a riqueza criativa saía.
RR p5de 7 aos 2M53S- FSS: Ele era difícil, o José Carlos Ary dos Santos?
RR p5de 7 aos 2M57S- RR: Não, era muito exigente. Não, não, eu nunca trabalhei com pessoas exigentes. Chatos, alguns, sim. Exigentes, porque… Eu dizia há bocadinho… FSS: O Ary não era, ao mesmo tempo, exigente e chato?
RR p5de 7 aos 3M14S- RR: Não, era só exigente. Não, porque o mundo dele era outro. Ele estava na arte porque ele dizia o que queria.
RR p5de 7 aos 3M24S- FSS: Meu Amor, Meu Amor.
RR p5de 7 aos 3M27S- RR: Por exemplo, tal e qual. Ele abria a porta e diz “Canta-me com esse entreperna, porra”. Ele era assim. “Não te sinto, não te oiço, onde é que estás?”. Era assim.
RR p5de 7 aos 3M48S- Não posso dizer que gravei muito, mas gravei. Ele vinha em representação da agência de publicidade. Era a agência de publicidade que convocava os locutores ou locutoras, que vinham fazer as leituras, e eu era o elo entre a leitura e a produção.
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RR p5de 7 aos 4M5S- E tinha a incumbência, depois, gravava as vozes primeiro e tratava da sonoplastia. Que só a posteriori é que metia o disco, ou as músicas, a abertura e o fecho e que aí o rigor é fundamental.
RR p5de 7 aos 4M18S- Um spot de 15 segundos não pode ter 16. Um spot de 30 segundos não pode ter 31. Nem pode ter 28.
RR p5de 7 aos 4M25S- Porque, senão é deitar fora dois segundos. Em publicidade, valem dinheiro. E, depois, é fazer cópias. Cópias para quê.
RR p5de 7 aos 4M33S- Em cassetes pequeninas. Em mono uns, em estéreo outros. Para as estações que tinham mono e tinham estéreo. E os que trabalham em onda média – porque havia estações com o programa em onda média, em FM. E, portanto, trabalhei em muita publicidade.
RR p5de 7 aos 4M54S- FSS: Um spot de 15 segundos, quanto tempo pode demorar a fazer?
RR p5de 7 aos 4M58S- RR: Pode demorar uma tarde inteira, até se ter… Porque, depois, grava-se várias vezes o texto, há que ver… Trabalhava-se muito com o cronómetro, dizia o responsável da agência, o account como chamavam na altura, “Quero isso em dez segundos que é para
RR p5de 7 aos 5M20S- ter dois segundos para a introdução”. Podia ter uma ligação, um fundo, uma base, um leito musical a fazer a ligação. Mas até se ter a criatividade, a expressão… A Isabel Wolmar, Maria Helena d’Eça Leal, Rui Branco, Zé Ramos, Fernanda Figueiredo… Todas passavam por aqui.
RR p5de 7 aos 5M57S- FSS: Quais foram as vozes que te deu mais prazer trabalhar?
RR p5de 7 aos 6M2S- RR: A maior e única, para mim, enquanto mulher, Maria Helena d’Eça Leal. Eu, em função da voz dela, grande amiga e autora. Gravou um texto para os netos. “Preciso de gravar outro”.
RR p5de 7 aos 6M21S- Tenho-os gravados. Vieram as filhas e os netos assistir e fizeram, por sugestão minha, em vez de ser só a descrição do jardinzinho, fizeram os personagens.
RR p5de 7 aos 6M31S- Maria Helena d’Eça Leal, única para mim. E Maria Leonor. Como voz, para mim, José Ramos, Rui Branco, António Revez – também já não está cá —, Isabel Wolmar, um colega nosso, mas do Rádio Clube Português, Jorge, que foi diretor em São Marçal.

RR p5de 7 aos 7M6S- Agora o nome… Jorge. José Manuel Nunes. Já conhecia o Zé Manuel Nunes da Página 1, antes do 25 de abril.
RR p5de 7 aos 7M17S- FSS: Rádio Renascença.
RR p5de 7 aos 7M18S- RR: Exato. Mas, para mim, as duas vozes de referência… FSS: Há pouco era o Jorge Gil?
RR p5de 7 aos 7M28S- RR: Não, não, Jorge Gil, não. Virá à memória certamente.
RR p5de 7 aos 7M32S- FSS: Jaime Fernandes.
RR p5de 7 aos 7M34S- RR: Também, muito. Porque o Jaime Fernandes era o homem que mais sabia de música da América. E, felizmente, fez para a televisão e estão gravados programas sobre a História do Rock em Portugal. Muitas boas vozes.
RR p5de 7 aos 7M53S- Então, o João David Nunes, por exemplo. Também os programas que ele tinha. Trabalhei com muitos e gostei. E caracterizava muito.
RR p5de 7 aos 8M3S- Mas, no desporto, para mim, era o Artur Agostinho, o Fernando Correia. Eram duas vozes. Eu lembro-me de uma experiência de uma colega, Ida Maria, a fazer desporto.
RR p5de 7 aos 8M21S- FS: A atriz?
RR p5de 7 aos 8M23S- RR: Ida Maria, não é Guida Maria. Guida Maria também trabalhei com ela e com o pai, Luís Cerqueira, trabalhava aqui em Campo de Ourique. E tinha uma boa mesa, que vendeu ao estúdio onde trabalhei, de sonoplastia, porque ele era um homem de fazer montagens de sonoplastia.
RR p5de 7 aos 8M39S- Eu fiz, com a Maria Germana Tânger, os primeiros programas em analógico – edição de fita, montagem linear – para a projeção de slides da Cozinha Real, em Sintra.
RR p5de 7 aos 8M59S- Que é a história da cozinha. Um e outro. A Torre de Belém. Aquilo que hoje se faz, programas em baixo no Terreiro do Paço, modo digital.
RR p5de 7 aos 9M13S- Mais tarde, fez o Carlos Fogaça, Lisbon Project [a denominação acertada é Lisboa Experience], lá em baixo no Padrão dos Descobrimentos, em 3D, exato. Um master e dois slides computorizados, com música do Luís Cília.
RR p5de 7 aos 9M32S- Ele pediu-me para depois coordenar a parte sonora final, e não sei quê, e foi com muito gosto.
RR p5de 7 aos 9M37S- FSS: O Fogaça esteve à frente do Centro de Formação da RDP.
RR p5de 7 aos 9M39S- RR: Ele esteve à frente do Centro de Formação da RDP, foi ele que me convidou para, depois, ficar… Saí do Quelhas porque há uma coisa que me deu muito prazer.
RR p5de 7 aos 9M48S- FS: Mas, antes disso, voltar um bocadinho atrás e… tivemos aqui a ver as questões relativas à evolução tecnológica e como é que isso mudou o exercício da atividade. Vamos pensar agora nos grandes episódios históricos, sociais e políticos. As grandes transformações como o 25 de abril e, depois, a integração europeia.
RR p5de 7 aos 10M8S- RR: Nem de propósito, era a parte que eu ia abordar.
RR p5de 7 aos 10M10S- FS: Claro. Como é que isso vai alterar… RR: Vai alterar, por exemplo…
RR p5de 7 aos 10M14S- FS: O modo de trabalhar.
RR p5de 7 aos 10M15S- RR: Eu tive o prazer de ser nomeado – primeiramente escolhido e, depois, nomeado – durante dez anos consecutivos e eu, o Raúl Feio – da parte de produção e da técnica -, e o tenente Leal Faria – primeiro militar ligado ao 25 de abril -, e o António Miguel – antigo Rádio Clube Português -, formávamos o grupo que era responsável pela coordenação e acompanhamento
RR p5de 7 aos 10M42S- e transmissão das campanhas eleitorais na RDP. Portanto, antes das eleições, nós saíamos por ordem de serviço, éramos requisitados…
RR p5de 7 aos 10M53S- FS: Quando se deu a transição da Emissora Nacional para RDP?
RR p5de 7 aos 10M58S- RR: Vou dizer, isto é, RDP, mas depois era preciso ter reuniões com os partidos políticos — nunca tinha havido partidos políticos -, depois era preciso controlar o tempo ao segundo – os tempos eram atribuídos pela Comissão Nacional de Eleições, sorteados pela CNE, e controlados pelo Secretariado Técnico de Apoio Eleitoral, STAE.
RR p5de 7 aos 11M21S- FSS: Era uma solenidade máxima.
RR p5de 7 aos 11M23S- RR: Era, mas, na altura, nunca tinha havido nada em Portugal. Acontecimentos históricos: eu trabalhava, como disse, em São Marçal. Quando foi a noite do 25 de abril, de 24 para 25, o Quelhas foi ocupado e São Marçal só foi ocupado uma semana depois.
RR p5de 7 aos 11M42S- FSS: Houve logo ali uma emissão alternativa.
RR p5de 7 aos 11M45S- RR: Emissão alternativa que logo se transmitiu para todo o mundo, para a Índia, para as Américas, para a Europa, para a África, todo o mundo.
RR p5de 7 aos 11M53S- FSS: Naquela madrugada de 25 de abril, a Emissora Nacional transmitiu até muito tarde. O Rádio Clube, a partir das 3h, a partir do Joaquim Furtado… entrou em emissão especial… a Emissora Nacional é como se não fosse nada.
RR p5de 7 aos 12M8S- RR: Pois, porque, entretanto, os militares chegaram ao Quelhas foi mais tarde. Porque a primeira rádio a ser ocupada foi o Rádio Clube Português para a leitura dos comunicados. É uma verdade. O Silva Pinto, que estava lá, na parte dos noticiários. O Luís Filipe Costa e, depois mais tarde, todos os outros que sucederam. O Luís Filipe Costa “Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas”.
RR p5de 7 aos 12M30S- FSS: Primeiro o Joaquim Furtado e, depois, o Luís Filipe Costa.
RR p5de 7 aos 12M33S- RR: Exato. E o disco da transmissão, do Grândola Vila Morena [foi o E Depois do Adeus] é propriedade, ainda hoje física, do nosso comum amigo Carlos Fernandes… que o disco lhe foi pedido e o João Paulo Dinis para o pôr não o tinha e pediu… O disco foi emprestado pelo Carlos
RR p5de 7 aos 12M59S- Fernandes, esse sim sonoplasta. É alguém que eu recomendava para vocês fazerem, porquê: muito ligado ao teatro, toda a vida sonoplasta – começou a trabalhar na rádio em Santarém, depois esteve no Programa das Forças Armadas na Guiné, no tempo do Spínola e foi requisitado…
RR p5de 7 aos 13M20S- FSS: E o Mário Feio, falaste dele há bocadinho.
RR p5de 7 aos 13M23S- RR: Exato. Foi requisitado aquando de uma visita – e creio que foi única – do Presidente da República, Américo Tomás, à Guiné.
RR p5de 7 aos 13M33S- FSS: Mas, então, o 25 de abril – o teu 25 de abril?
RR p5de 7 aos 13M37S- RR: Tem uma graça enorme.
RR p5de 7 aos 13M39S- FS: Estava ao serviço, não estava?
RR p5de 7 aos 13M41S- RR: Não estava, não. Falei-vos há bocadinho que aprendi Inglês com uma jovem que estava liceal em Angola. Na noite de 24 para 25, já essa jovem estava a estudar História aqui na universidade,
RR p5de 7 aos 13M57S- em Lisboa, e tínhamos entrado em contacto — nunca mais nos tínhamos visto -, três anos, fomos jantar.
RR p5de 7 aos 14M6S- Tinha e tem uma particularidade enorme porque nunca mais nos vimos desde essa noite. E é uma coisa curiosa: ela era da minha altura.
RR p5de 7 aos 14M15S- FSS: Grande.
RR p5de 7 aos 14M16S- RR: Sim, grande. A única mulher até hoje que me punha o braço por cima. Uma coisa maravilhosa. Fomos jantar e ela estava… FSS: Onde é que foram jantar?
RR p5de 7 aos 14M32S- RR: É simples, eu sei. Naquela zona por trás onde ficava uma Cervejaria Alga, por trás da Avenida de Roma.
RR p5de 7 aos 14M43S- RR: E havia uma discoteca onde…. Era o Beat Club. O Jorge… como é que ele se chamava, lançou discos… ainda hoje está à frente do Jornal do Benfica… FSS: José Nuno Martins.
RR p5de 7 aos 14M58S- RR: José Nuno Martins! Que integrou o primeiro grupo comigo e foi comigo e com ele – fui eu que fui buscar as fitas – quando escolheu À Pátria de Vianna da Motta para sonorizar os tempos dos partidos políticos na Emissora Nacional.
RR p5de 7 aos 15M12S- FSS: Tudo muito solene.
RR p5de 7 aos 15M14S- RR: É verdade. Dizia eu, lembram-se desse pormenor. Eu fui jantar com essa jovem e ela estava num lado, passava-se à esquerda, ficava a
RR p5de 7 aos 15M24S- Emissora Nacional, na Alameda das Linhas de Torres, 200 ou 300 metros num lar. Eu morava aqui, solteiro, em Campo de Ourique. Num táxi, fui levá-la, depois de jantar, depois de muita conversa, depois de termos
RR p5de 7 aos 15M38S- ido dançar um bocadinho nesse Beat Clube. 00h30, 1h, e no dia seguinte eu trabalhava e ela tinha aulas. E eu voltei de táxi para Campo de Ourique, no mesmo táxi.
RR p5de 7 aos 15M50S- E deitei-me, partilhava casa com um grande amigo, meu compadre, na Infantaria 16, em Campo de Ourique.
RR p5de 7 aos 15M56S- Deitei-me, levantei-me de manhã, acordei um bocadinho mais tarde e apanhei um táxi para ir para São Marçal. Pagava-se 7 escudos e 500.
RR p5de 7 aos 16M4S- Era um instantinho: Estrela, Jardim da Estrela, Rua de São Bento, São Marçal. Quando vou no táxi, diz o senhor “O senhor vai para a Emissora? Não sei se pode entrar.
RR p5de 7 aos 16M23S- Está a decorrer uma revolução. Quer ver? ‘Aqui posto de Comando das Forças Armadas’”. Eram 9h, 8h30, coisa assim parecida.
RR p5de 7 aos 16M31S- FSS: Já ia muito avançado.
RR p5de 7 aos 16M34S- RR: Já, muito avançado. “Mas eu não vou para o Quelhas, eu vou para São Marçal”. “Tenho impressão que é lá ao fundo”. “Exato”. Cheguei a São Marçal, como é hábito – com o meu jornalinho do Diário de Lisboa ou República, não sei, porque lia os dois, debaixo do braço e logo os meus colegas que lá estavam “O
RR p5de 7 aos 17M3S- Remígio sabe de certeza absoluta o que se está a passar” e eu disse “Sei tanto como vocês. Só agora, no táxi”. “Epá, anda para aí um colega nosso para trás e para a frente com medo que a fragata ali bombardeie a partir do Tejo e tal”.
RR p5de 7 aos 17M25S- O colega nosso depois foi viver para os EUA, não esperava que fosse um golpe da extrema-direita. Era de origem açoriana. Fomos lá ouvir. Não se ouvia mais nada senão marchas militares é um facto – e “Posto Comando do Movimento
RR p5de 7 aos 17M46S- das Forças Armadas” e “Os militares já ocuparam isto, o aeroporto, e no Porto mais não sei quê e está agora isto e isto”. E, depois, como todos nós, acompanho o desenvolvimento. Claro, à noite, ninguém podia andar na rua como vocês sabem.
RR p5de 7 aos 18M4S- E assisti, em casa da minha comadre, que era namorada de um jovem que partilhava o departamento comigo, ao comunicado da Junta de Salvação Nacional na…
RR p5de 7 aos 18M16S- FSS: Na madrugada de 26.
RR p5de 7 aos 18M18S- RR: Sim. Mas… E ele mora, tinha casa na António Stromp que é perpendicular à Alameda, mesmo ao pé da televisão.
RR p5de 7 aos 18M27S- “Epá, mas eu ontem passei aqui de táxi, fui levar a minha amiga Helena, ao lar onde ela estava a estudar, estivemos a jantar, fomos dançar, eu fui-me embora para casa, e não vi chaimites nem carros militares nenhuns”.
RR p5de 7 aos 18M44S- “Foi cedo, se fosse ainda às 2h da manhã de certeza que tinhas dado conta” e por aí fora. Não vi nada. Portanto, onde é que eu estava no 25 de abril: estava jantando bem, bem acompanhado, dançando e por aí fora. E bem-comportado.
RR p5de 7 aos 19M0S- FSS: A rádio mudou muito?
RR p5de 7 aos 19M3S- RR: A partir dessa altura, mudou. Mas, eu tive o privilégio de integrar a primeira Comissão Pró-Sindical. Mas, também, no Quelhas, cada vez que havia decisões… chamava-se Assembleias Gerais,
RR p5de 7 aos 19M20S- a gente chamava-lhes RGTs de outros lados — reunia-se a partir de escuta o Porto, Coimbra, Faro, Açores e Madeira. E nós reuníamos todos no Estúdio A. E, a partir da Central Técnica de Programas, punham-se eles – os emissores – a ouvirem-nos
RR p5de 7 aos 19M38S- e nós a ouvirmos a eles. E, portanto, havia propostas, havia uma mesa que tinha quase sempre os mesmos a presidir. Eu prezo ter sido um deles porque era preciso saber dirigir uma assembleia e a maior parte das pessoas não sabia o que era um requerimento, por exemplo.
RR p5de 7 aos 20M3S- Há a mesa, uma proposta, quem é que falava, quem é que se inscrevia, a pessoa mais importante é o Presidente da Mesa da Assembleia – portanto, era assim designado, – e, portanto, às vezes “Espera aí um bocadinho, também temos uma proposta”.
RR p5de 7 aos 20M16S- FS: Quais eram as reivindicações na altura?
RR p5de 7 aos 20M19S- RR: A nossa primeira reivindicação foi, como funcionários públicos, termos direito a sermos reconhecidos. Direito à sindicalização. Daí para a frente, depois, as funcionárias do refeitório das Amoreiras passaram… eu
RR p5de 7 aos 20M35S- tinha, nessa data, barba como um Cristo. Eu tinha o cabelo pelos ombros. Não foi no 25 de abril, aquando da data do 25 de abril, – desde o dia 1 de janeiro, dia de aniversário de um falecido sobrinho meu, todos os anos íamos a casa desse meu irmão
RR p5de 7 aos 20M50S- celebrar o dia em que ele fazia anos -, e esse dia de anos aconteceu a uma segunda-feira. E eu, nesse fim de semana, não fiz a barba, o cabelo já dava pelos ombros, e segunda-feira não fiz a barba.
RR p5de 7 aos 21M7S- “Então, não fizeste?”. Como nunca tinha andado de barba, tinha andado de bigode só, deixei crescer a barba a partir daí. Quando chegou a abril, tinha um barbão.
RR p5de 7 aos 21M16S- Acredite que é verdade. Isto a propósito de… Reivindicações. As colegas funcionárias do refeitório vieram ter comigo porque não pertenciam aos quadros, não ganhavam as férias, não ganhavam nada e por aí fora.
RR p5de 7 aos 21M31S- Consegui que elas fossem tratadas e beneficiados e, cada vez… eu não ia muitas vezes, porque ia sair da Emissora e vinha para aqui trabalhar para Campo de Ourique, não ia almoçar ao refeitório.
RR p5de 7 aos 21M45S- Mas, cada vez que eu ia ao refeitório, o meu prato era o maior de todos. Mudanças dentro da RDP, claro.
RR p5de 7 aos 21M52S- FS: As purgas, como foram?
RR p5de 7 aos 21M54S- FSS: Saneamentos.
RR p5de 7 aos 21M55S- RR: As purgas foram no 25 de novembro.
RR p5de 7 aos 21M58S- FSS: Mas logo no 25 de abril houve mudanças.
RR p5de 7 aos 22M1S- RR: Claro. O Carlos Albino, o homem que está a frente da sociedade portuguesa [Associação Portuguesa de Escritores] … O Letria, o José Jorge Letria. O Álvaro Guerra.
RR p5de 7 aos 22M11S- FSS: Houve mudança dos apresentadores dos noticiários. O José Nuno Martins entrou logo para o da tarde.
RR p5de 7 aos 22M21S- RR: Tal e qual. A discoteca e fonoteca passou a ser controlada. Ou seja, onde está toda a História e as fontes sonoras dos discos e das fitas, no fundo, o arquivo.
RR p5de 7 aos 22M34S- Mais tarde, vem a ser o arquivo. Passa a ser controlado pelos militares ou alguém da sua confiança. Os acessos aos microfones deixaram de ser como eram até então. Os noticiários passaram a ter o controlo do Movimento das Forças Armadas. Compreende-se perfeitamente.
RR p5de 7 aos 22M53S- FSS: Era o Jaime Gama, que foi chefe de redação.
RR p5de 7 aos 22M57S- RR: Que trabalhava no jornal República. E era o responsável pela última página do jornal República onde ele punha os discursos do Coordenador Civil de Lisboa. Todos nós nos ríamos, ao fim de semana, das asneiras que o homem dizia porque estava senil ou gágá, como quiseres.
RR p5de 7 aos 23M16S- FSS: Houve gente que foi para a rua mesmo. Foi para casa, foi para a rua?
RR p5de 7 aos 23M22S- RR: Nessa altura, foram só suspensos.
RR p5de 7 aos 23M24S- FSS: Suspensos.
RR p5de 7 aos 23M25S- RR: Como é que disse…?
RR p5de 7 aos 23M28S- FSS: Saneados.
RR p5de 7 aos 23M30S- RR: Saneados. Logo no imediato, não. Porque depois… FSS: Houve logo mudança de pessoas.
RR p5de 7 aos 23M37S- RR: Há purgas políticas. Eu não trabalhava no Quelhas, mas, quando havia reuniões eu ia ao Quelhas onde se dava as tais reuniões.
RR p5de 7 aos 23M50S- FSS: Sentiste um controlo partidário. O PCP, o PC, a procurar o controlo?
RR p5de 7 aos 23M55S- RR: Mas também sem ser o PCP.
RR p5de 7 aos 23M58S- FSS: O PS.
RR p5de 7 aos 24M0S- RR: O PS, sim. O MRPP.
RR p5de 7 aos 24M3S- FSS: De facto, também.
RR p5de 7 aos 24M5S- RR: O PRPBR. Eu ainda hoje tenho um estigma. Eu nunca estive filiado em nenhum partido político porque o estigma… marcadamente, de esquerda… pronto. Mas nunca estive filiação nenhuma.
RR p5de 7 aos 24M20S- Mas também só uma vez – e esta é uma pequena história que eu conto com um pequeno prazer —, lembras-te do Vasco Fernandes, um grande técnico, que tinha formação, tinha andado na Marinha e era um belíssimo técnico, um companheiro bem-disposto.
RR p5de 7 aos 24M38S- Eu sabia que ele militava no Partido Comunista e eu tinha tido uma colega, no Quelhas, que me tinha dado – ainda no tempo antes do 25 de abril – subscritos internos do Avante. Que era a Luísa… que canta… FSS: Luísa Basto.
RR p5de 7 aos 25M6S- RR: Sim, sim. “Canta, camarada, canta” [de Zeca Afonso].
RR p5de 7 aos 25M14S- Eu gravei no meu estúdio a versão moderna cantada pela Luísa. A Luísa Araújo, que era operadora como eu, e que conheci no Quelhas, que um dia me convida a ir almoçar com os estivadores.
RR p5de 7 aos 25M33S- Em Alcântara. “Anda lá conhecer os camaradas”. E o nosso almoço foi cachucho frito com arroz de tomate.
RR p5de 7 aos 25M39S- FSS: Luísa Araújo, creio que mulher do Rui Pedro depois.
RR p5de 7 aos 25M42S- RR: Não, não. Essa é a Ana Araújo.
RR p5de 7 aos 25M48S- FSS: Pois é, verdade.
RR p5de 7 aos 25M51S- RR: Então, a Luísa Araújo – antes do 25 de abril, porque era militante e aos fins de semana aparecia com as pernas picadas das silvas e dos coisos, porque era nuns penhascos
RR p5de 7 aos 26M0S- que faziam as reuniões clandestinas e por aí fora – e ela sai antes do 25 de abril. Saiu mesmo. Não sei se pertence atualmente ao Comité Central. Mas ficou minha amiga por toda a vida.
RR p5de 7 aos 26M16S- E eu digo ao Vasco “Um dia destes, quando for lá às reuniões, gostava de encontrar lá os amigos que eu tenho e uma delas é a Luísa Araújo”. “Fica combinado”. Era meu chefe em São Marçal.
RR p5de 7 aos 26M31S- Chega junto de mim, “Aquela tua ideia, aquele pedido… Mas a malta lá no partido entendeu isso como uma entrada para o partido” e eu disse “Tu e quem quer seja, entenderam mal porque eu só queria matar saudades da Luísa Araújo”. Pequenos pormenores, nunca mais a encontrei.
RR p5de 7 aos 26M51S- Ainda há dias, falei com uma amiga que trabalha aqui neste espaço, do Cinema Europa, vive no Barreiro e é amiga dela. Contei até este pequeno pormenor. Voltando atrás, às modificações, eu como trabalhava em São Marçal, as peças de teatro passaram os conteúdos, passaram a ser completamente diferentes.
RR p5de 7 aos 27M15S- As gravações de teatro, as comédias, os folhetins eram todos da autoria, selecionados, condizentes.
RR p5de 7 aos 27M23S- RR: Logo a seguir ao 25 de abril – o Brecht, o Shakespeare -, todas as peças de teatro que tivessem a ver com o Verão Quente ou com a situação de revolta em Portugal passaram… e é legítimo que assim fosse… a sonoplastia, os discos levados para ilustrar até então…
RR p5de 7 aos 27M50S- o teatro, os programas musicais, semanais, desportivos. Eu lembro-me perfeitamente que há uma canção do Sérgio Godinho “Aprende a nadar, companheiro
RR p5de 7 aos 28M1S- aprende a nadar, companheiro. Que a maré se vai levantar que a maré se vai levantar”. Assim ilustraram a abertura de um programa. Maravilha.
RR p5de 7 aos 28M11S- O Grândola Vila Morena, todos os programas que tivessem cariz sindical, político bem marcado…. É o Verão Quente. É bom não nos esquecermos que o Verão Quente foram ao microfone pessoas que nem categoria tinham para falar ao microfone. Mas o momento político dessa altura… foram e sentiram-se protegidas para.
RR p5de 7 aos 28M34S- FSS: E, já no ano seguinte, 1975, portanto.
RR p5de 7 aos 28M36S- RR: Exato, exato. Eu vinha do Algarve quando há a grande ida do verão quente a Belém, à Presidência da República. Quando o Presidente Costa Gomes tem o grande discurso e põe serenas todas as coisinhas
RR p5de 7 aos 28M56S- porque… Porque foi ele, de facto, que evitou — quer queiramos, quer não – a Guerra Civil. Presidente Costa Gomes, que me convidou a mim e à minha mulher, falecida mulher, para irmos jantar com ele e com a esposa.
RR p5de 7 aos 29M12S- Ele tinha uma esposa linda. Ele era matemático. Fez formação militar nos EUA. E, um dia, eu, passeando com a minha mulher, encontrámo-lo a ele e à esposa.
RR p5de 7 aos 29M23S- Cumprimentámo-lo, como mais tarde cumprimentei outros Presidentes da República e outros políticos, e gravei outros políticos. Na sequência de ter pertencido ao grupo ligado às eleições na Emissora Nacional e as campanhas
RR p5de 7 aos 29M40S- eleitorais que vinham todos aqui gravar.
RR p5de 7 aos 29M43S- Desde intersindical ao Avante, MRPP, o Partido Socialista, a Frente Socialista Popular. Vinham gravar aqui porque, a maior parte deles, não tinham estúdio. Só mais tarde é que criaram estúdio. Exceto o Partido Comunista. Teve autonomia. O Partido Socialista, mais tarde, também criou…
RR p5de 7 aos 30M8S- FSS: No [Largo do] Rato.
RR p5de 7 aos 30M9S- RR: Como é que se chamava aquele grupo que o [Ramalho] Eanes criou…
RR p5de 7 aos 30M12S- FSS: Os Reformadores?
RR p5de 7 aos 30M14S- RR: Não.
RR p5de 7 aos 30M15S- FSS: O PRD.
RR p5de 7 aos 30M16S- RR: Vieram aí. Era um colega nosso, Gustavo Rosa, coitado, que já lá vai, ia aí gravar. Eu conheci todos, mas, dessa vez, encontro — por mera casualidade -, eu e a minha mulher, o Presidente da altura, Costa Gomes. Eu e a minha esposa parámos ali, cumprimentámos e eu felicitei-o… Para lhe dizer o quê:
RR p5de 7 aos 30M40S- porque quando eu estava em Zala, tal zona militar horrível, onde passei uma noite de Natal, e onde o segundo comandante – que era o major, que depois se tornou meu amigo -, vem ter comigo “Ó professor, preciso que tu faças a ronda a partir da meia-noite.
RR p5de 7 aos 31M3S- Que o pessoal vai beber, beber e o álcool com armas na mão não é nada bom”. “Claro que faço”. Choveu torrencialmente e quem é que estava lá: o Chefe de Estado Maior, Costa Gomes.
RR p5de 7 aos 31M21S- Foi lá passar a noite connosco. Que era uma zona das piores. Era oficial, topo dos topos, e tal, não era um simples miliciano.
RR p5de 7 aos 31M32S- Mas ele fez uma carreira militar, tinha uma cotação enorme, tanto mais que ele depois substituiu o anterior, Spínola… FSS: Como Presidente da República.
RR p5de 7 aos 31M41S- RR: E por aí fora. E foi até designado “rolha” porque estava sempre à superfície, à tona da água. Mas fiz essa referência.
RR p5de 7 aos 31M51S- “O senhor Presidente, talvez não saiba, mas na noite de Natal eu estava lá”. “Choveu toda a noite, era lama por todo o lado”. Meti muitos na cama depois de os apanhar na lama, pus debaixo do chuveiro, isto é verdade.
zala zala 1
RR p5de 7 aos 32M13S- Nessa noite de Natal, em que praticamente ninguém festejou – eu, pelo menos, não podia festejar, estava de serviço. Jantei, normalmente, como todos os outros, no que era possível. Mas essa foi a minha experiência com um Presidente da República.
RR p5de 7 aos 32M30S- FSS: Os políticos iam gravar a São Marçal. Enquanto não havia estúdios próprios.
RR p5de 7 aos 32M36S- RR: Iam gravar a São Marçal. E, um dia, um senhor chamado Arnaldo Matos ameaçou. Ele não ameaçou, quem ameaçou eram os seguranças dele, os capangas, como se chamava na altura.
RR p5de 7 aos 32M48S- Por causa do controlo do tempo. Porque os gravadores tinham um condutor de tempo, mas é ao minuto, não tinham ao segundo. E havia um relógio que eu e o Mário Feio controlávamos à distância por causa dos tempos.
RR p5de 7 aos 33M3S- E, cada vez que se parava, era preciso parar os cronómetros dentro da sala – para eles verem o tempo que têm – e nós com cronómetros de mão. Começaram por chegar fora do tempo – tinham 15 minutos, tinham de chegar um ou dois minutos antes na porta, identificarem-se, mostrar o bilhete de identidade, quantos eram, por aí fora.
RR p5de 7 aos 33M23S- Mais tarde, isso facilitou-se e eles ao levarem as bobines já gravadas, foi ótimo – e eu e o Mário Feio, e colegas nossos do gabinete de relações públicas, fazíamos o acompanhamento. “Por favor, aqui tem” e isto e aqueloutro. Nós já tínhamos tido reuniões prévias, preparatórias, para eles dizerem quem vai em representação.
RR p5de 7 aos 33M52S- Então, quando eles mudavam tinham de trazer uma credencial autenticada e por aí fora. E nós também tínhamos o coisinho ao pescoço a dizer quem éramos e o que fazíamos. E eis, senão quando, o tempo que lá está… quem era o técnico: tínhamos um técnico na gravação, que não era eu.
cartão eleições
RR p5de 7 aos 34M10S- Eu era responsável por toda a técnica. E eu digo “O tempo é este e não outro. Está ali. O tempo de paragem é este”. Os dois cronómetros que eu e o Mário Feio temos dizem isto.
RR p5de 7 aos 34M26S- O mais que podemos é ir atrás um ou dois segundos. Quero dizer, se tivesse mais um segundo ou menos um segundo…. Dez segundos é que não podia ser.
RR p5de 7 aos 34M34S- FSS: Não podia ser.
RR p5de 7 aos 34M35S- RR: Os outros partidos políticos caíam-nos em cima. “Está a brincar connosco”. E o Mário Feio está ao meu lado. “Tivemos uma reunião prática, lembram-se?
RR p5de 7 aos 34M48S- Só estamos a pôr em prática aquilo que combinámos convosco e com todos os outros partidos”.
RR p5de 7 aos 34M55S- Uns olhos que me fulminaram de cima abaixo e por aí fora. Mas pronto, tudo bem.

Parte 6 de 7

Rui Remígio

p6 de 7

Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

Síntese:

– Saneamentos e reforço da segurança na RDP aquando do 25 de novembro de 1975
– De autodidata a formador: o surgimento da proposta de Reengenharia de Som e do Centro de Formação na RDP
– Do ensino do manuseamento de equipamento ao fim do jornalista passivo perante a captação e edição do som 
– A efemeridade dos formatos de armazenamento de informação: o caso do áudio
– A arte da sonorização
– A captação de áudio no teatro: entre os textos subversivos ao regime e atos de generosidade da chefia  

Transcrição:

RR p6 de 7 aos 0M11S- RR: Mudanças políticas: houve bastantes. Saneamentos: houve pessoal colocado na prateleira. Houve quando foi o 25 de novembro. FSS: Aí sim. RR: Alguns, só passados anos depois é que voltaram e ficaram também muito afetados porque… FSS: Não tão grave quanto no Rádio Clube
RR p6 de 7 aos 0M30S- Português. Foi tudo, praticamente. RR: A questão que se põe aqui é: quem é que tinha o poder? Eram os militares. Enquanto o Conselho da Revolução existiu e a Quinta Divisão, eram os militares. FSS: Mas no 25 de novembro, quem fosse suposto ter ligações ao PC foi para casa.
RR p6 de 7 aos 0M56S- RR: E aos outros. À UDP… FSS: A maior parte foi para casa. RR: Ou ia para casa. FSS: De vez. RR: Exato. Mas foi difícil porque houve muitos colegas que ficaram afetados mais tarde.
RR p6 de 7 aos 1M15S- Depois voltaram. FS: Houve reintegrações. FSS: Alguns deles anos depois. RR: Mas, depois, também não voltaram assim…. Foi-lhes dada a oportunidade de entrarem e, quando é assim, é o tal estigma, veio marcado, com razão ou sem razão.
RR p6 de 7 aos 1M34S- Nós sabemos que se fez muita asneira. Muita “Burricada das Lezírias” como dizia o outro. Mas os tempos eram aqueles. Os tempos eram aqueles. É como o outro “É a PIDE!”. Eu vi, todos nós vimos.
RR p6 de 7 aos 1M54S- Alguns foram galardoados, outros fugiram de Alcoentre e pronto. FSS: Havia militares fardados dentro da rádio? RR: Havia. Só os graduados e com funções de chefia. Era legítimo. Porque havia militares cá em baixo, à entrada, um ou dois ou três, que com as suas G3 faziam
RR p6 de 7 aos 2M22S- a sua segurança. Mas… FSS: Aliás, um Presidente do MFA, o major João Figueiredo. RR: Sim senhor. Major João Figueiredo que era tio, por afinidade, da minha mulher. E ele era Presidente do Conselho de Administração e eu pertencia à Comissão de Trabalhadores
RR p6 de 7 aos 2M37S- mais tarde, desde essa altura. E a malta “Epá, Remígio” e eu “Desculpem lá”. Eu podia ter beneficiado de alguma coisa, não beneficiei. Tive lá o tio, o José Dias, não foi o Figueiredo. O José Dias foi a seguir ao João Figueiredo. E esse não beneficiei porque… Por exemplo, eu ia buscar os filhos lá a Mem Martins à
RR p6 de 7 aos 3M8S- casa dele, passado um bocado mandava recado a chamar. Servia-me um uísque: “Então, conta lá as novidades”. “Não sei, não tenho novidades nenhumas”. No fundo, a tirar nabos na púcara. E eu pertencia à Comissão de Trabalhadores e ele era major, era o diretor, estava a exercer o cargo mais alto dentro da RDP.
RR p6 de 7 aos 3M27S- E eu era o simples operador, já não era auxiliar. RR: Acerca do autodidatismo e da formação. Quando eu começo a fazer formação – e antes de ter chegado ao início da TSF … FS: Mas antes disso ainda temos a reestruturação da Emissora Nacional em RDP. RR: Mas isso acontece…
operador
FS: E depois vai ter responsabilidades, penso, que na RDP.
RR p6 de 7 aos 3M53S- RR: No Núcleo Operacional do Quelhas. FS: Na proposta de Reengenharia de Som para a Radiodifusão Portuguesa. Informação aqui do Francisco. RR: Sim. Eu não era, eu não tinha valor nenhum dentro da RDP. Eu vou dar um exemplo: em função do estigma que me foi marcado e em função daquilo em
RR p6 de 7 aos 4M18S- que eu estava a ser prejudicado, eu, um dia, tomei uma decisão: qualquer que seja, ou venha a ser, o meu futuro só me vão poder classificar como um bom ou mau profissional. E então foi, a partir daí, que fiz a minha carreira como profissional. Não abdiquei de vir, mais tarde, a pertencer à Comissão de Trabalhadores, não abdiquei de ser sindicalizado, não abdiquei de ir às assembleias, não abdiquei de ser nomeado como responsável técnico para que as eleições corressem bem – no princípio, eram todas
sindicato
RR p6 de 7 aos 4M56S- a votação, íamos para um espaço na Gulbenkian e, mais tarde, deixou isso de acontecer -, mas, esta decisão, eu tomei. E dela não estou nada arrependido. Porque eu disse “Esta vai ser a minha profissão”. FSS: Mas tudo isso também mostra o reconhecimento de toda a gente dentro da casa. Eras o Papa do som.
RR p6 de 7 aos 5M18S- Era essa a ideia. Ainda hoje. RR: Tive uma grande casa que foi o estúdio do Alberto Nunes. Tive uma grande escola como tive com o Leonel Silva. Com o Silva Alves. Com o Forjó.
RR p6 de 7 aos 5M34S- Com o Vasco Fernandes. FSS: Mas na sonoplastia. RR: Exato, sonoplastia, em São Marçal. Mas gravação de teatro, eu nunca tinha gravado teatro. E, portanto, tive de aprender. A planificação do teatro.
RR p6 de 7 aos 5M47S- Nós fazíamos, antes de começar a gravar, havia ensaios prévios. Para ver, eu tinha um texto onde constava que, entra o ruído tal que não estava gravado e era preciso gravar e, portanto, é preciso agarrar num gravador portátil e gravar estes sons…. Ir aos sons. Porque, hoje em dia, temos tudo na Net.
RR p6 de 7 aos 6M9S- Os sons de tudo e mais alguma coisa. Naquela altura, só tínhamos os que existia em disco. E, alguns deles, os discos já estavam de tal maneira copiados e gravados que, se precisássemos de aplausos, os aplausos notava-se que o barulho do disco já estava… Os aplausos do S. Carlos não davam, por exemplo, para o Coliseu. Os aplausos do Teatro de S.
RR p6 de 7 aos 6M34S- Luís ou do Villaret também não davam para não sei quê. E, quando começam os grandes espetáculos, onde é que os primeiros espetáculos passaram a dar: no Coliseu e no Pavilhão dos Desportos. Que Lisboa não tinha nenhum… Os chamados comícios, chamados cantos… FSS: Canto Livre. RR: No pavilhão, hoje Carlos Lopes, dos Desportos.
RR p6 de 7 aos 7M0S- E, na sequência dos espetáculos, a entrega do prémio de imprensa ao José Afonso, em março de 1974. Que eu estive, felizmente, quando o Manuel Freire dizendo o caminho de Aveiro para cá perderam-se. “Há uns papéis, umas coisas que eu queria cantar. Eu sei, mas não me lembro”.
RR p6 de 7 aos 7M25S- Era a maneira dele de dizer que tinha acabado de ser censurado. FS: Que proposta era esta de Reengenharia de Som da Radiodifusão Portuguesa? Em que consistiu esta proposta? Como é que ela depois foi acolhida pelos corpos da direção? RR: É simples, repare: nessa altura, todos nós, numa empresa que está em crescimento, sentíamos que podíamos dar um contributo.
RR p6 de 7 aos 7M50S- Porque a Emissora Nacional, temos de reconhecer, foi uma grande escola, mas é uma máquina pesada. Funcionários públicos…. Qualquer mudança demora muito. Mesmo com predisposição à mudança, eu dou um exemplo que pode satisfazer isso: eu fiz algumas propostas e, quando sou aceite e sou convidado a ir para o Centro Técnico
RR p6 de 7 aos 8M21S- de Formação – porque a última coisa que eu fiz antes de me vir embora, reformado, foi: dou o mesmo tipo de formação a todos. Os locutores, os realizadores, por aí fora. FS: Responsável técnico de formação da RDP. RR: Tal e qual. Ou seja, dizia eu, numa casa como a Emissora Nacional, era bom que não mudassem só as
RR p6 de 7 aos 8M40S- chefias em função das orgânicas político-partidárias e dos militares, mas que, uma casa, por exemplo, não tinha realizadores, não tinha programadores… A programação era a programação feita por… secretárias. Programadores no sentido lato da coisa, que é o homem responsável por… tudo. Contrata, descontrata, busca, vai buscar os melhores… não havia. Realizador também não havia.
RR p6 de 7 aos 9M7S- FSS: Não havia formação sequer. RR: Não havia formação, tal e qual. Quando o novo, jovem, Carlos Fogaça, sociólogo de formação, vai para a frente do centro de formação e faz formação de cima a baixo e de baixo a cima…. Consegue ir fazendo formação e, quando chega aos quadros superiores da administração, não quiseram.
RR p6 de 7 aos 9M36S- E sabe qual foi a reação dele? Demitiu-se do lugar. Pôs o lugar à disposição e veio-se embora. Saiu da empresa. FS: Mas tinham passado dez anos. Imagino que em 1983, quando passa para a RDP, é quando se dá este processo todo de reestruturação,
RR p6 de 7 aos 9M52S- não é, da Emissora Nacional que se transforma em RDP, depois há ali dez anos sem nenhuma aposta, por exemplo, a esse nível. Formação. FSS: A RDP está quase uma década em grande dificuldade. Muito à deriva, muito controlada politicamente. RR: E mais: quando acontece a grande mudança que começa a aparecer as ameaças das rádios,
RR p6 de 7 aos 10M16S- cá fora… FSS: As privadas. RR: De onde é que saem os quadros para a televisão, para a TSF, para tudo isso? Da RDP. FSS: Sim, toda a gente. FS: É desfalcada. RR: Afinal, a Emissora ou a RDP tinha bons quadros?
RR p6 de 7 aos 10M37S- Tinha. Onde é que trabalhava o Rangel? Na RDP. Onde é que trabalhava o engenheiro Jaime Filipe? Na RDP. Há mais exemplos.
RR p6 de 7 aos 10M47S- E, portanto, quem diz pelo país todo. E eu estou à vontade porque, quando comecei a fazer formação, era operador auxiliar. E vou fazer formação, pela primeira vez, aos Açores e depois à Madeira. Quem é que vai comigo também fazer formação: um chefe de departamento, que foi o meu chefe, Espírito Santo. Que era chamado engenheiro técnico, de formação académica.
RR p6 de 7 aos 11M8S- E eu operador auxiliar. Ele tinha as ajudas correspondentes e eu tinha as ajudas mais baixinhas. Fazíamos o mesmo, mas ganhávamos completamente diferente.
operador auxiliar
A única coisa que pagavam era: viajávamos no mesmo avião que era TAP. Açores. Quando chegamos à Madeira, a ação de formação é feita… há coisas maravilhosas na minha
RR p6 de 7 aos 11M38S- vida. Sou dos homens mais felizes em termos profissionais. Acredite que é verdade. Chegamos à Madeira, é assim: vamos aos Açores uma semana, ação de formação. E eu nunca tinha estado nos Açores: um edifício antigo, uma vivenda, maravilha. Fiquei logo com amigos em todo o lado porque, no fundo, o que é que eu levava: tudo bem
RR p6 de 7 aos 11M59S- preparadinho, tudo muito preparadinho, mas aberto a que eles me dissessem os problemas. E a minha muita experiência era tentativa de solucionar. Um dos problemas era a humidade das fitas. Paravam devido ao óxido. Foi na sequência disso que eu consegui descobrir a diferença entre um I e um J: umas eram boas e outras eram vendidas… Dentro da empresa RDP, alguém as vendeu, ganhou dinheiro e
RR p6 de 7 aos 12M27S- eram falsificadas. Vinham da Indonésia. Açores, de seguida, da Madeira. Mas o avião veio primeiro a Lisboa: não sai da pista e mete passageiros para o Funchal. Funchal: eu dava a minha ação de formação de manhã, das 9h às 13h. Era a minha terra, tinha saído de lá em pequeno.
RR p6 de 7 aos 12M53S- Fui lá doze vezes, a última fui convidado para a formação sobre música e novas tecnologias. No Polo Tecnológico do Funchal. Tinha saído da RDP. Mas dou a minha primeira aula, ação de formação, primeiro dia e, ao fim do dia, o chefe de departamento Espírito Santo vem ter comigo “Ó Ruizinho, eu posso amanhã assistir à tua aula?”.
RR p6 de 7 aos 13M20S- “Gostava muito, não tenho problema nenhum”. Ele vai, está lá e, ao fim de hora e meia, duas horas, diz assim “Epá…”. Fez-me um elogio de alto gabarito. “Epá, eu pensei que sabia alguma coisa. Olha que tu não podes continuar com essa categoria”. Assim, tal e qual.
RR p6 de 7 aos 13M41S- Eu sei que, a partir daí, nunca mais quis aparecer. “Tomara eu”. Eu tenho a noção do que é a pedagogia. De cada ato que se faça. Eu estou a aprender, mas estou a aprender como é que o outro lado reage àquilo que eu ministro.
RR p6 de 7 aos 13M58S- Abrir a boca e pôr lá alguma coisa para saborear porque, fechar a boca, não serve só… Por isso é que existem aí muitas ações de formação e eu fiz ações de formação como formador, onde fui aprender muita coisa. E uma das coisas que eu aprendi é: é como o outro “só sei que nada sei”. Não era bem assim: o pouco que sei pode vir a servir-me de aprendizagem para mais aprendizagem.
RR p6 de 7 aos 14M22S- FSS: Há um momento decisivo na rádio que é, à entrada dos anos 80, um protocolo europeu da RDP. Levou à vinda, cá do Edouard Gibert, que marcou decisivamente tanto a rádio como a televisão. Primeiro, foi um curso de seis meses na Sampaio e Pina, nas instalações do ex-Rádio Clube Português.
RR p6 de 7 aos 14M47S- E depois, a seguir, o impacto desse curso levou a que a direção da RDP decidisse ativar o centro de formação. O Carlos Fogaça, etc. E há ali um momento que é decisivo. Não sei se tens essa noção. Os jornalistas da rádio não sabiam trabalhar com o som.
RR p6 de 7 aos 15M4S- Ou seja, era suposto escreverem para o microfone, mas não trabalhavam o som. E és tu quem, nessa formação, começa a introduzir o trabalho. Os jornalistas também com som. RR: Manuseamento de equipamento. Ou seja, eram os gravadores portáteis marca Sony com microfone com extensão de fio de aproximadamente metro e meio, não mais.
RR p6 de 7 aos 15M30S- Não era mais do que isso. Que tinham, a proteger, em vez de uma esponja, uma rede metálica fechada, formato USM 58, que é o formato dos microfones que aparecem em todo o tipo de…. Tem uma grelha, mas a grelha é a si sobreposta. Aquela não era. Uma chapinha com os orifícios, para quê: proteger as intensidades sonoras, o efeito
RR p6 de 7 aos 15M54S- de proximidade para não distorcer a membrana do microfone, evitar os chamados [vox]POPs. Mas o problema não era só esse: era preciso conhecer o gravador, o microfone, a utilização do microfone, a cassete, a duração do tempo das pilhas, carregar as pilhas, a utilização dinâmica do aparelho de medida – que tinha YLC que é um automático que controla o nivelamento, na posição ALC a modelação ficava controlada automaticamente, não passava do pico, já devidamente controlado e, se não estivesse controlado, das duas uma: o sinal era muito
RR p6 de 7 aos 16M40S- fraco porque o microfone precisava que o potencial fosse regulado e se ensaiasse “1,2,3,4,5,6, estamos em direto” e ver se modelação era q.b. Fosse q.b., o ideal, se estava ensaiado, podemos então ligar o YLC, o controlo automático de nível e então, aí, ficava-se garantido. Mas isto pressuponha várias coisas. Era importante, se fosses para exterior, levar pilhas.
RR p6 de 7 aos 17M8S- Porque, senão, saber o tempo de duração de uma cassete: se a cassete fosse C30, é 30 minutos de um lado, 30 do outro. Se fosse C60, é… FSS: Duas horas. RR: Duas horas. C90, 45 minutos em cada lado. No mesmo espaço da mesma cassete, tens mais duração ou menos duração de tempo em função
RR p6 de 7 aos 17M31S- da espessura da fita. E, quanto mais fina é a fita, mais tempo tens, menos resistência à durabilidade – ou seja, às tensões – ela tem. Logo, dura-te menos tempo. Pára, stop, arranca: a fita é muito fina, deteriora-se, estica e perde-se a… FSS: É que isso, sendo básico, não era praticado.
RR p6 de 7 aos 17M56S- E há um momento de transformação na rádio: coincide com essa formação. Até então, os jornalistas, quando, os ex-redatores/locutores — que iam começar a ser jornalistas – iam, sei lá, ao Palácio de Belém, audiências aos partidos políticos, eles iam para contarem em voz. Mas ia sempre uma carrinha Peugeot 404… RR: Um técnico. FSS: O técnico tratava do som e o jornalista podia estar de mãos nos bolsos ou com uma
RR p6 de 7 aos 18M23S- caneta. E, a partir daí, o jornalista passou a ser também… RR: Tripé de microfone. FSS: É uma mudança até na organização profissional da casa. RR: Gera economia de pessoal. Gera independência do jornalista.
RR p6 de 7 aos 18M40S- Gera competências para os jornalistas que, ainda hoje: por exemplo, em televisão, com um simples telefone moderno tu gravas, editas e transmites, não é?.
formação rdp
Tens o Skype ou programas que transmitem em direto. FSS: Mas esse, portanto, é um momento determinante na vida da rádio. RR: Fulcral. Mas vem de fora.
RR p6 de 7 aos 19M1S- E foi nessa altura que a RDP comprou havia N…. Chegou a haver doze gravadores disponíveis para, pelo menos, meia dúzia estarem no centro de formação. E vieram de todo o lado. O José Manuel Portugal veio de Coimbra. O que está hoje… jornalistas da TVI, que não me lembro agora o nome, já…
RR p6 de 7 aos 19M26S- FSS: José Alberto Carvalho? RR: Não, o de TV, o outro… vem de lá debaixo do Algarve outra colega que é… A Helena Figueiras. Vem dos Açores e da Madeira. Vem toda a gente. Porquê: porque são criadas normas, assim eu posso dizer que criei essas normas – não
RR p6 de 7 aos 19M51S- existiam. Ou seja, o jornalista quando vai – jornalista porque começa aqui, é extensível aos assistentes de realização, realizadores e produtores. Por exemplo, às vezes, autonomia. O gravador existia nos armários da produção ou dos jornalistas. Estavam lá, era pertença deles, a sua manutenção e controlo e utilização.
RR p6 de 7 aos 20M20S- E dos jornalistas a mesma coisa. Mas, por exemplo, aparecia alguém que dizia “Podias ir gravar, tenho tempo”. E houve pessoas não dotadas desta ação de formação e que praticavam a chamada Burricada das Lezírias: não tinham tido essa formação. Conclusão: só podem utilizar o gravador de reportagem todos aqueles que passam por uma ação de formação ou tivessem passado.
RR p6 de 7 aos 20M46S- Mais tarde vem acontecer com os realizadores: ou seja, o realizador então é o extremo poente… é ele que passa a trabalhar com uma equipa. FSS: A formação atingiu grau sofisticado. Lembro-me de um momento, creio que em outubro de 1983, numa formação com o SFPJ de Paris, e que decorreu nas Amoreiras. Em que, lembro-me do exercício que foi recomendado conjuntamente pelo formador e por ti.
RR p6 de 7 aos 21M27S- Os repórteres – doze formandos, eu era um deles – foram para a 5 de outubro, para a porta do Ministério da Educação – creio que o ministro era o Sottomayor Cardia – e a tarefa era contar a manifestação sem voz do jornalista. Só com a captação de som. Portanto, era quase uma iniciação à sonoplastia: captem os sons de modo a que a história seja toda só em som.
RR p6 de 7 aos 21M55S- Foi, na prática, uma… RR: Façam a paisagem sonora. Exato. Manusear em função dos vários acontecimentos e das intensidades sonoras, que todas elas pactuem. Ou seja, que realidade é aquela que pode ser, mais tarde, definida? É tão simples quanto isto.
RR p6 de 7 aos 22M20S- Eu aprendi muito porque chamei, para nos ajudar… Dei um nome a uma parte da ação “Sou uma parte integrante dos sentidos”. E convidei um cego, doutorado, Carlos Deodato, estava à frente da Biblioteca Camões ali na… ao cimo da Calçada do Combro. E o fulano tinha um currículo espetacular. Ficou cego aos dois anos depois de ter levado um coice na cabeça.
RR p6 de 7 aos 22M51S- Ele corria por entre os pinheiros, ele aprendeu a andar de bicicleta e justificava tudo. E foi ele que me ensinou pormenores, em Portugal, que a maior parte das pessoas não sabiam. E ainda hoje… Portugal é dos países – e aqui a escola dos cegos, aqui em Campo de Ourique -, é dos países onde o ensino aos cegos evoluiu mais. Permitimos o quê: a autonomia com a bengala desdobrável. Porque o cão, por si só, quando adoece, não pode acompanhar o dono.
RR p6 de 7 aos 23M28S- Mas alguns cães, hoje em dia, fazem escolhas rigorosas e treinos. Se o cão adoece ou morre, não há mais nada. Mas o tamanho do cão, que normalmente é um cão grandinho, pode intimidar as pessoas. Portanto, não dá total autonomia ao invisual porque há locais onde o cão podia não entrar. Hoje em dia, é obrigatório, em todos os lados. E então, eu aprendi, a história da paisagem sonora, da utilização do microfone: “Vão
RR p6 de 7 aos 24M0S- lá fora ao Ministério da Educação, façam a cobertura do acontecimento sem o uso da palavra”. O que quer dizer… FSS: Usavas palavras de ordem como guia. Lembro-me que era preciso encontrar alguém que dissesse “Estamos aqui quase uns 5000” para dar a ideia do tamanho. RR: A intensidade sonora de 5000 é diferente de cem.
RR p6 de 7 aos 24M19S- Tinha aí, trouxe comigo, uma fotografia em que estou à frente do Ministério de Educação; também, um grupo de professores que vieram de Almada, numa escola onde eu dava aulas, também lá estive. Aí trouxemos, em cima de uma carrinha de caixa aberta, alunos de música – a tocar bateria e por aí fora, saxofone. Para chegar aonde: o cego, o pior período para ele, é o dia.
RR p6 de 7 aos 24M49S- É quando há mais ruído. O melhor período é a noite, menos ruído. O dia de vento é o pior dia porque desvia-lhe a fonte sonora, não é? O melhor dia é dias normais. Ou seja, a bengala desdobrável dá uma autonomia enorme ao cego. Portanto, o cego consegue uma data de coisas.
RR p6 de 7 aos 25M7S- E eu tenho aí, trouxe comigo e deixei com a Filipa, um formando, que eu ajudei a formar, já com tecnologias digitais lá no centro de formação, em que ele aprende a fazer a emissão, com CDs, microfones, totalmente autónomo. E eu ajudei, formei-o, pu-lo à prova em frente de toda a gente. E descrevo a razão de ser de tudo isso: ou seja, as paisagens sonoras que vocês foram para o Ministério da Educação fazer, é aquilo que eu hoje em dia peço aos alunos
RR p6 de 7 aos 25M38S- na primeira aula. “Vão para fora, vocês não sabem nada porque eu ainda não mostrei nada. Quero que vocês me tragam em escrito”. Pode ser de modo gravado, no telemóvel ou computador. O que ouvem? Fechem-me os olhos e descrevam o que ouvem.
RR p6 de 7 aos 25M57S- A ver se já sabem definir movimento, esquerda-direita, distinguir entre o motor de uma mota e o de carro de um Diesel, um carro de gasolina, o tinoni das ambulâncias, dos bombeiros e da Telepizza, se o avião tem barulho a levantar ou a aterrar, se a vizinha chegou a casa e anda de saltos altos lá em casa, o vizinho é surdo tem a televisão muito alta. Os reflexos condicionados: quando tocam à porta, se tocarem a campainha, eu não vou abrir o frigorífico.
RR p6 de 7 aos 26M29S- Foi nessa altura que se dá a grande mudança, para mim, o Giesbert traz essa coisa. Depois, o Adelino Gomes continua – e tu, todos vocês. Tu [Francisco Sena Santos] és uma referência dentro da área do jornalismo: o ritmo, a leitura e as notícias. Mas é preciso, depois, respondendo ainda à pergunta da Filipa que é: dá-se mudança porque as chefias têm que mudar ou têm que fazer formação.
RR p6 de 7 aos 27M4S- É nesta altura que os livros começam a sair das gavetas, os manuais dos equipamentos começam a ser copiados e traduzidos, que o Feliz – um belíssimo técnico na área da música – traduz um livro francês e é distribuído em fascículos. Um livro inglês, não é francês. Que é um livro de instruções tecnológicas, de operações de som da BBC. E ele traduziu aquilo em fascículos.
RR p6 de 7 aos 27M38S- E era, depois, pronto, um belíssimo livro para quem não sabia nada. Porque nós éramos simples executantes de funções limitadas. Fora da minha profissão. Estar no meu princípio, a controlar a dinâmica, não sei mais nada. Vim a descobrir, mais tarde, quando estou no centro de formação, que ninguém sabia nada sobre audiofrequência ou sabiam pouco.
RR p6 de 7 aos 28M7S- Não quer dizer que não houvesse um ou outro. Uns eram muito bons e outros…. Percebe, fora da sua profissão. RR: A minha outra grande outra aprendizagem é cá fora quando aprendo a trabalhar com músicos, com pessoal do teatro, com pessoal da publicidade, com a multipista – que é um sistema de gravação que permite que eu vá somando, acrescentando, os instrumentos
RR p6 de 7 aos 28M32S- — primeiro o ritmo, depois a harmonia, depois a melodia. E isso abre as portas por aí fora.
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Surge o digital: vantagem das vantagens, tenho um display onde toda a informação me aparece. O tempo, o remain – ou seja, quanto é que falta -, quanto já gastei, o nome da música, o nome da faixa… Eu posso programar ou reprogramar um DAT, um ADAT, [Alesis Digital Audio Tape] fazer uma lista, posso ouvir só o princípio da música ou o fim, posso fazer um loop – ou
RR p6 de 7 aos 29M5S- seja, pôr em repetição tempos de fita -, posso, em gravadores, DAT – do digital audio tape. O VHS, que todos conhecemos em casa, mas com fitas para áudio tem de ter mais resistência, menos tempo, menos durabilidade, menos tempo de duração. Ao passo que tu, para veres um vídeo, carregas e pausas para veres noutras alturas. E é quando aparece o formato: demorou seis anos para que o formato do DAT fosse aceite no Japão, na Europa e nos EUA.
RR p6 de 7 aos 30M0S- Até se ter, porque só havia cassete e fitas, não havia mais nada. Aquele formato demorou seis anos. FSS: Acabou por ser efêmero depois. RR: Efêmero, mas ainda hoje, por aí fora…. Porquê: não é pela fita, hoje em dia, tudo é tão efêmero. Já nem o MiniDisc.
RR p6 de 7 aos 30M18S- Mas depois ainda apareceu uma cassete digital, muito boa, também efêmera. O CD, hoje efêmero é. FSS: Pois, está tudo no computador. RR: Está na Nuvem. O problema, hoje em dia, é esse. FSS: Claro.
RR p6 de 7 aos 30M36S- Eu tinha ideia que tu tinhas participado numa gigantesca operação exterior, uma prolongada visita do Papa, do João Paulo II, a Portugal. Agora deste-me há bocadinho a chave: foi o João Feliz com o João Dias. Confundi-te, é outro mestre da rádio. RR: A tal pergunta que eu fiz, quando me convidaram para fazer formação, “Ó Rui, gostávamos que fizesses formação”.
RR p6 de 7 aos 30M58S- “Porque não este?”. Foi o Feliz. Disse o nome, mais dois. O Feliz não queria, não tinha tempo para isso, não tinha prática de ensino, por aí fora… De inglês e de música, ele sabia.
RR p6 de 7 aos 31M13S- FSS: A minha memória dos mestres do som foram vocês e confundi-me. FS: Vamos voltar aqui às paisagens sonoras. A elaboração de paisagens sonoras. Segundo a nossa pesquisa, o Rui sonorizou peças da literatura clássica, como Os Miseráveis do Victor Hugo, o Oliver Twist do Charles Dickens e A Selva do Ferreira de Castro, como já tínhamos falado.
RR p6 de 7 aos 31M38S- Como é que se preparavam essas emissões, que meios eram necessários? RR: Preparava e também se improvisava. Eu lembro-me do célebre Ferreira de Castro. Ele na altura… FS: Isto foi na Emissora Nacional ou já RDP? RR: Já RDP, exato. Por folhetins, gravava-se dois episódios em cada dia e por aí fora. [mixcloud https://www.mixcloud.com/AMOPC/amopc-rui-remigio/ width=100{eac6b5875ddae926700b2c4e8464bb0ece25601256fda3402f3cffca93cca374} height=60 hide_cover=1 mini=1]
RR p6 de 7 aos 32M3S- Há falas que se mantêm os mesmos personagens, mas, depois, há alguns que passam por lá, fora. Até podem ser os mesmos já com outras falas, alteram ligeiramente a dicção, o tempo de leitura. Fazem até com o seu à vontade e grande profissionalismo, outros personagens. Quando digo improviso, na altura, é preciso, o cair: ouvir-se o tombar de um corpo.
RR p6 de 7 aos 32M29S- Lá, em São Marçal, tínhamos a tal areia, a porta fingida, as campainhas, essas coisas que o tal colega que tinha essa função – que era um misto entre sonoplasta e operador – manuseava e que nós, na altura, também uma ou duas coisinhas manuseávamos. Era preciso ouvir-se tombar um corpo. Havíamos nós de atirarmo-nos para o chão. Tínhamos lá, no sítio, um tronco de uma árvore para aí de metro e meio, para aí
RR p6 de 7 aos 33M11S- com 50cm de diâmetro. Era um tronco a sério. Aquele tronco, se o deixássemos cair, à semelhança deste chão alcatifado, para nós pudermos deslocar, para os nossos passos não serem captados pelo microfone aquando da gravação. Então, tivemos de agarrar em alcatifa, panos, tudo aquilo que fosse macio. Envolver esse tronco para quando ele caísse, tivesse o peso correspondente a um corpo,
RR p6 de 7 aos 33M42S- mas não a sonoridade de um tronco. Um tronco em madeira… Ou seja, essa é uma delas. Outro exemplo: isto é, agora, vou falar e eu aproveito para homenagear a seu dono. Aprendi que, nunca tinha feito nem tal imagem nunca tinha vindo, que era: todos nós aprendemos, falei há bocadinho do fogo com o celofane, gravar um som – por exemplo, um tiro a uma velocidade; reproduzir a metade da velocidade, um tiro passa a ser um tirão e uma vozinha
RR p6 de 7 aos 34M23S- passa a ser um vozeirão. Alteração de velocidade, alteração do timbre que caracteriza. E, então, faltava-nos o bater das asas de um pássaro. Não é fácil. Veio-me a ideia, eu preciso de gravar um dia o som de uma abelha para sonorizar. Faço uma gravação para os liceus, em inglês, seguindo as regras americanas: andei com o
RR p6 de 7 aos 34M59S- professor Rui, dois anos a gravar. Ensina nos colégios do inglês. Precisava de um som de uma abelha. E era Primavera ali, na parte exterior do meu estúdio havia uma laranjeira florida. Cá fora, vi as abelhas. E eu tinha apanhado abelhas na minha infância: é dobrar um lenço, apanhar, mas sem apertar.
RR p6 de 7 aos 35M30S- Dentro de uma garrafa de plástico. Mas a garrafa tinha uma ou duas gotinhas de água. As asas da abelha não deram. E o som que eu consegui não foi aquele que eu queria. Um garrafão, mas tive que sacudir, limpar, para não ter água nenhuma porque as asas da abelha – pequeninas, das abelhas que vão buscar o pólen para o fabrico do mel – e,
RR p6 de 7 aos 35M58S- depois, entro lá para dentro. Precisava que ela voasse. Um garrafão de plástico tem mais ou menos este tamanhinho. Desde que não tivesse água, ela voava, voava. Eu coloquei o microfone na boca do garrafão e captei. Escusado será dizer que passei a digital, computador, depois fiz vários registos – a
RR p6 de 7 aos 36M22S- abelha a bater no fundo do garrafão, a abelha a voar, por aí fora… Para dizer: era preciso bater asas de uma gaivota, de uma pomba, quando as… Uma fita chega ao fim, a fita veio… O veio de proteção e com o roulete arrasta a fita, o núcleo debita para o recetor. A fita chega ao fim e anda ali uns instantes a bater na guia, na parte protetora. Depois, com um bocadinho de reverberação, é preciso depois… Maravilha, maravilha. FS: Também sonorizou a Simplesmente Maria [folhetim radiofónico que estreou em 1973].
RR p6 de 7 aos 37M25S- RR: Mas isso foi o Carlos Fernandes. Fiz uma ou outra parte, mas já era uma versão que não era a novela. Fiz muitos folhetins, gravei muito com a Odete Saint-Maurice também. Gravei com a Maria José Mauperrin, que tinha… FS: Isso foi há imenso tempo. RR: Já não está cá entre nós. Ainda trabalhava no Quelhas e ela adorava passar Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira
RR p6 de 7 aos 37M58S- antes do 25 de abril. E, às vezes, o Sérgio Godinho. E eu, que estava no apoio à emissão, fazia-lhe sinal. Passaram-se tempos, acontece o 25 de abril, e ela chega a realizadora – ainda não estava nomeada, mas, depois, vai aos primeiros cursos. Era uma mulher muito dinâmica.
RR p6 de 7 aos 38M26S- FSS: Café Concerto, era o programa dela. RR: Mas era na Comercial. Então, a Maria José Mauperrin e, um dia, vem ter comigo “Ruizinho querido, quero gravar” … já não me lembro, os tais autores proibidos antes do 25 de abril. E ela veio ter comigo e vem gravar para São Marçal à noite. Ela nunca tinha gravado teatro, não era realizadora, não era… tinha vontade, mas também os
RR p6 de 7 aos 38M58S- textos escolhidos por ela também não tinham grandes encenações, nem grandes representações. Era mais…. Mais ditos. Tinham era muito conteúdo dialético. Ficava ali a polémica toda da política, acima de tudo, e por aí fora. E pronto, foi muito agradável essa noite.
RR p6 de 7 aos 39M23S- Na sequência dessa noite, fui gravar com a Maria José Mauperrin e aconteceu um fenómeno do mais maravilhoso de uma chefia. Eu guardo e conto isto muitas vezes. Tinha um chefe chamado Manuel Pascoal. Trabalhava simultaneamente, no Rádio Clube Português, ele ainda é vivo. Deve estar com 80 e muitos anos.
RR p6 de 7 aos 39M43S- E era meu chefe lá em São Marçal, onde eu trabalhava. Eu tinha estado a fazer a manhã, vim trabalhar cá fora à tarde e, à noite, fui para a rádio, para São Marçal, gravar teatro com a Maria José Mauperrin. E quando desço, fechar as luzes – havia alguns estúdios ocupados com as emissões em direto para África, as Américas, Índia e não sei quê – mas, a parte de gravação, fechava eu.
RR p6 de 7 aos 40M15S- E ao fechar, vou ver o que é que eu tinha no mapa. O chamado planning, para o dia seguinte. A que horas tinha de entrar para gravar. E vejo um subscrito interno que dizia “Para Rui Remígio, de Manuel Pascoal: ‘Não se preocupe com a sua hora de entrada amanhã de manhã’”. Epá, isto é, das coisas mais maravilhosas que uma chefia pode ter em atenção.
RR p6 de 7 aos 40M44S- Contei isto já milhares… a ele e à frente dos meus colegas, porque nunca ninguém me tinha feito isto. Para mim, foi uma grande lição porque, para quem ministra e dá aulas nas escolas, em que qualquer ato, qualquer pequeno gesto pode funcionar como pedagogia, pratiquem. Pratiquem, pratiquem, ou seja, conhecer o outro, mas aprendendo a respeitar. Escusado será dizer que, no dia seguinte, eu estava lá a horas.
RR p6 de 7 aos 41M11S- Porque uma pessoa dessas só merecia isso. E conto isto porque de facto, para mim, é marcante. Tive chefes que nem… “Rui Remígio vem trabalhar de sandálias e calças de ganga? Os pezinhos estão lavados, as unhas também”. Aconteceram coisas destas, a seguir ao 25 de abril.
            

Parte 7 de 7

Rui Remígio

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Rui Remígio nasceu em 1945 no Funchal, foi Supervisor de Áudio na Emissora Nacional (EN), na RádioDifusão Portuguesa (RDP) e Técnico de Som nos Estúdios Musicorde Lda.

Entrevistado por Filipa Subtil e Francisco Sena Santos. Registado e editado por Paulo Barbosa – Gravado a 14-12-2018 na Biblioteca/ Espaço Cultural Cinema Europa.

    

Síntese:

– Reflexão sobre a fusão da RTP e da RDP 
– O declínio da popularidade da televisão e da rádio: as problemáticas
– Tecnologia versus Ser Humano: estaremos perante o fim da humanidade da rádio?  

Transcrição:

RR p7 de 7 aos 0M8S- RR: A minha atividade, a nível político, tinha a ver com as emissões. Com os partidos políticos e as campanhas eleitorais. Ou então, no estúdio, a gravação de vários hinos associados a partidos políticos. FS: Para fechar, como é que viu e analisa o processo de reestruturação do operador público?
RR p7 de 7 aos 0M37S- A RDP fundir-se com o operador público de televisão? Como é que viu esse processo todo, qual é a sua leitura? RR: A rádio e a televisão existem no mesmo plano. Eu tenho que ser sincero: já o escrevi, já o disse, e mantenho: foi um erro enorme terem feito ou criado uma empresa em que juntaram a rádio e a televisão.
RR p7 de 7 aos 1M7S- Há várias maneiras de fazer a leitura: uma, na altura, o grupo RDP tinha lucros – pela primeira vez, já distribuía lucros pelos seus funcionários, era assim; nessa altura, já não estava lá, nunca recebi lucros, mas sei que foi assim; eu saí em 1995 – e, portanto, havia ali um grande património, havia ali dinheiro, havia know-how, havia um arquivo que era único no mundo – repito, no mundo – e, portanto, muitos carros, muitos
RR p7 de 7 aos 1M45S- microfones, muita coisa e, se calhar, há aqui uma coisa chamada cobertura digital do país que podemos matar à nascença, que está quase a terminar: que foi o grande sonho do senhor, do grande técnico e administrador, o homem da Página 1, diretor de programas, José Manuel Nunes. Porque o DAB – Digital Audio Broadcast – estava quase todo, pelo país todo.
RR p7 de 7 aos 2M15S- Estou à vontade porque, num regresso da Madeira ou dos Açores para… foi na vez em que eu fui à Madeira falar sobre música e tecnologias. O meu companheiro de voo foi o engenheiro Crespo da Renascença. E eu tinha ido, a convite do Oliveira Pires, fazer várias ações de formação no Grupo Rádio Renascença.
RR p7 de 7 aos 2M37S- E eu nunca tinha entabulado conversa com um homem marcadamente responsável pelo crescimento da Renascença e vem o engenheiro Crespo comigo ao lado. “Então, ó Remígio, já vi, gostei, tudo bem?” e tal. Fizemos ali as cortesias de parte a parte, claro, eu não me comparo sequer ao trabalho
RR p7 de 7 aos 2M58S- feito por ele. Mas foi agradável ouvir o que ele disse e, depois, falámos. O José Manuel Nunes, o DAB, que era o sistema que faria a cobertura de todo o país que hoje teríamos as rádios mais modernas de todo o mundo, não é cá mais nada. E foi por água abaixo, esse projeto.
RR p7 de 7 aos 3M22S- Foram muitos, muitos e muitos milhões. Milhões, não é milhares, por água abaixo. E ele não merecia isso – nós, rádio – nós, as pessoas que trabalhávamos na rádio – porque era um projeto único e o engenheiro Crespo a meu lado, viajámos juntos até Lisboa. Disse “De facto, não é megalómano, é um sonho que está quase pronto”.
RR p7 de 7 aos 3M48S- Isto em 1997. Eu já não estava na rádio, portanto, estava à vontade para manifestar a minha opinião. O que é que acontece: acontece que o engenheiro Crespo diz: “Rui Remígio, eu acredito”. Eu não sei se ele vai levar adiante, mas acredito que é um sonho que merece ser concretizado. Se não, é um pesadelo.
RR p7 de 7 aos 4M14S- Qualquer um de nós, quando acorda de um pesadelo, o que tem é más imagens, más recordações. Ao passo que o sonho era o DAB, cobertura técnica de todo o país e nós, no nosso rádio, tínhamos toda a informação de tudo o que estava a ser programado. Não é da mesma maneira que hoje, se forem programas que estão já previamente gravados, não temos lá informação nenhuma.
RR p7 de 7 aos 4M37S- Ao passo que o DAB teria. RR: Esta é a minha opinião: depois, é assim, o importante no sistema atual é o boneco, é a televisão. E o que é que está a acontecer: a televisão está a perder clientela. As novas gerações.
RR p7 de 7 aos 4M56S- É o computador, são as redes sociais. E, portanto, os microfones, os carros, o dinheiro desapareceu. E a Renascença, entretanto, saiu do Chiado da Rua Ivens – e foi ali para um sítio que, por acaso, eu conheço, tenho lá alunos meus a estagiar do último ano da EPI [Escola Profissional de Imagem] e tenho lá dois grandes amigos – tinha três, agora são só dois
RR p7 de 7 aos 5M26S- o José Manuel Piçarra e o Rui Fernandes. Um vem do curso da TSF e o outro integrou as ações de formação que eu lá fiz de sonoplastia, gravação em multipista, por aí fora. Grandes amigos e grandes profissionais. Mas fui visitar, muitas vezes, lá as instalações deles – a Renascença está muito bem; se
RR p7 de 7 aos 5M48S- formos visitar as instalações dizemos “Nunca mais apostaram…” porquê e eu estou à vontade para lhe dizer o seguinte. Porque eu, há dez anos, creio que é há dez anos ou oito, pedi – porque tinha alunos a quem dava a parte de som, de áudio, alunos de vídeo e tinha alunos de fotografia, mas que não eram meus alunos.
RR p7 de 7 aos 6M16S- De vídeo e de som – ao professor de fotografia para arranjar dois alunos para fotografarem, um de vídeo para filmar e um dos meus para captar o som. E fui à TSF – onde eu ministrei, antes da TSF, abri e depois, no primeiro ano, quando aconteceu a desgraça do Chiado, eu estava a dar aulas noutro edifício em frente ao quartel-general… Sete Rios, S.
RR p7 de 7 aos 6M40S- Sebastião, ou coisa assim – não sei se também lá estiveste e, então, o que é que acontece: acontece que, atualmente, a RDP estava a precisar de substituir, reequipar-se, atualizar-se. Eu vou lá menos do que lá ia dantes porque, atualmente, porque… questões que têm a ver com o meu futuro, caso eu morra, o Fundo de Auxílio Póstumo [fundado em 1959 permite que os associados tenham garantida uma verba para o seu próprio funeral], um fundo que
RR p7 de 7 aos 7M12S- nós pagamos. E outras vezes ia lá por causa das visitas de estudo da EPI. Mas, dizia eu, eu fui filmar com o microfone da ETIC, técnicos de fotografia, áudio e imagem HD um DVD que – os brutos também os tenho, dei cópia e direitos de autor, cedi-os à escola -, ou seja, o que é uma rádio digital hoje em dia.
  Parte 1 video sobre TSF
Parte 2 video sobre TSF
RR p7 de 7 aos 7M43S- Que é o caso da TSF, já na Pontinha… não, como é que se chama aquilo ali… FSS: Na Matinha. RR: Na Matinha, perdão. Foi lá que eu fui filmar e ainda fui lá encontrar desde o Fernando Alves mais uma data de amigos que ainda lá estão desde o início.
RR p7 de 7 aos 8M2S- Para dizer que eu sei o que é a Renascença, sei o que é a RDP e sei o que é a TSF. Por dentro. Na prática e tenho documentado. E a mim dói-me porque o boneco está a roubar clarividência, chamemos-lhe assim, clarividência, não deixa as pessoas pensarem aquilo que deviam.
RR p7 de 7 aos 8M27S- E, se a rádio, não for a ter o José Manuel Rosendo e mais dois ou três que sabem fazer rádio, um dia destes aquilo não vale nada. Nem para escola serve. E podia servir para escola. E eu sei que, de hoje a amanhã, passam as emissões em simultâneo para rádio e televisão.
RR p7 de 7 aos 8M50S- FSS: Há dois ou três meses, numa das reuniões da UER [União Europeia de Radiodifusão], apareceu um tipo respeitado: abriu uma comunicação a dizer “A rádio morreu, viva o áudio”. Acompanhas esta ideia? Isto é, o áudio substitui a rádio? Deixa de se ouvir rádio da forma tradicional?
RR p7 de 7 aos 9M9S- Já não se ouvem em transístores, mas… RR: Claro, não me admira que seja assim, não tenho nada contra e a expressão está bem utilizada. Porque uma coisa é o som, outra coisa é o áudio, de facto. E a expressão é feliz porque, de facto, é isso.
RR p7 de 7 aos 9M25S- O manuseamento do som é o áudio, portanto. A rádio acabou ou vai acabar. Eu nada me estranha porque, se repararmos bem, tu hoje em dia podes chegar a casa ou até fora de casa e podes programar as notícias que queres ver em função da facilidade que tens ao gravar, a partir do teu telemóvel, gravares e veres e tudo no telemóvel.
RR p7 de 7 aos 9M58S- Podes editar. A rádio é a mesma coisa. Há um pormenor, eu apaixonado da rádio, acordo e tenho dois rádios à mesinha de cabeceira e adormeço… Depois adormeço primeiro, eles desligam-se automaticamente, acordo de manhã, antes das oito e desligam-se passado uma hora outra vez.
RR p7 de 7 aos 10M19S- Vou para a casa de banho, faço a minha higiene, tenho as luzes do exaustor e o rádio aceso ao mesmo tempo. Vou para a cozinha de rádio. A trabalhar tenho rádio. Se ligar o rádio, na sala, ligo a rádio para escutar.
RR p7 de 7 aos 10M35S- É aquilo a que chamo portabilidade: tu podes levar a rádio para onde quiseres. Acredito, se de hoje a amanhã, como temos aí hoje graças a, ajuda-me… Os sistemas que todos nós utilizamos. Entro no carro e tenho som no meu telemóvel… FSS: Bluetooth? RR: Bluetooth!
RR p7 de 7 aos 11M3S- Ou seja, nós hoje já podemos ter controle da nossa casa, da segurança da nossa casa, o automóvel de hoje para amanhã… O Tesla vai modificar, tudo isso do futuro… A condição automóvel, os sistemas elétricos… Se os sistemas de condução e o controlo à distância nascem, o rádio também. Há uma coisa que, para mim, espero que não desapareça: a presença viva e humana, o
RR p7 de 7 aos 11M33S- respirar, deixar de te ouvir, Sena Santos — deixar de ouvir o José Manuel Rosendo, deixar de ouvir mesmo que seja com algumas asneiras aquelas pessoas que estão ali, que respiram. FS: A humanidade da rádio. FSS: A comunicação humana.
RR p7 de 7 aos 11M48S- RR: Porque há um programa, digo-te. O grande filme da minha vida, e tenho muitos, mas em termos tecnológicos foi – e voltei a ver esta semana que passou – 2001: Odisseia no Espaço. Que eu dou como referência aos meus alunos. Tal que o Kubrick, quando filma, numa entrevista que vinha na Vida Mundial, na altura, “Mas
RR p7 de 7 aos 12M7S- aquilo tem a ver com a luta entre o homem e a máquina?” E ele diz “Não. Eu se vir uma formiga no chão, nem a formiga mato”, respondeu. Mas, por exemplo, o Hall 9000, que é desmemorizado a dada altura, consegue fazer a leitura labial. Quando te fecham dentro de uma cápsula, à distância, conseguem.
RR p7 de 7 aos 12M28S- Sabes quem faz a leitura labial? Sei porque tenho um filho que, a pôr o aparelhozinho no ouvido, descobriu “O botão de acender a luz tem barulho”. Ele nunca tinha ouvido barulhos até usar aparelhos. E, quando vês uma pessoa a olhar-te nos lábios, ela está a ler os teus lábios.
RR p7 de 7 aos 12M49S- Outra coisa: depois é aquela luta pela sobrevivência num poço de água, que há, entre os macacóides que lá estão e se funde a imagem do osso com a cápsula no ar e vê-se ali Wagner. É, é mesmo, Wagner. E depois funde com o Danúbio Azul de Strauss. Aquilo tem tudo e está lá o célebre monólito que acompanha desde o princípio ao fim, então
RR p7 de 7 aos 13M27S- o personagem deitadinho, rugoso, porque a viagem e o tempo o fez envelhecer daquela maneira. Está lá tudo. Quer dizer, a tecnologia e a evolução, aquilo é a década de 70, 80… 60. Ainda não tinha vindo para Angola, salvo erro.
RR p7 de 7 aos 13M46S- FSS: O 2001? É mais tarde? RR: É 1980, é [é de 1968]. As tecnologias digitais são da década de 80. Portanto, isto, a mim dói-me se não tivermos lá esse homem que respira, que me diz “Bom
RR p7 de 7 aos 14M2S- dia, Rui”… Ele, é assim, às vezes parece que estão a falar para mim. Percebes isso que eu quero dizer? Eu também sou um ouvinte da Alexandra Lucas Coelho, também pertenço a essa nova geração, novas lufadas, da maneira de fazer rádio, de ler, de….
RR p7 de 7 aos 14M21S- Parece que ela está a ler um livro e tu, em casa, folheias a página. Mas isto é mesmo. O Fernando Alves tem uma capacidade de improviso única. Tinha o outro colega açoriano que já cá não está infelizmente, também…. Aquilo é um duo.
RR p7 de 7 aos 14M39S- Mas é um duo que é único. Ouvir uma crónica do Fernando Alves, para mim, é ganhar um dia, não é? FSS: Sim. RR: Portanto, à pergunta “A junção da rádio e da televisão…”, o Nicholas Negroponte, dizia nesse livro do Being Digital, o seguinte: que tanta tecnologia temos e tanto dinheiro
RR p7 de 7 aos 15M11S- gastamos, que bom seria – mais ou menos isto se gastássemos mais nos conteúdos e menos na tecnologia. E aqui, se gastássemos mais nas pessoas, e menos nas tecnologias porque, apesar de tudo, ainda temos muito ignorante, iletrado e digitalmente não-operacional no nosso país, não é.
RR p7 de 7 aos 15M37S- Da maneira como eu dei aquela referência, que a minha mãe mandou parar a guerra para eu em 1945 nascer, teria o gosto de convidá-los para almoçar se tivessem tempo.
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