António Luiz Rafael – Parte 8 de 15

António Luís Rafael

parte 8 de 15

António Luiz Rafael conversa com Júlia Leitão de Barros. Registado por Paulo Barbosa em Évora a 27 de Março de 2017.

A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M3S – Daquilo que me tá a dizer agora, no fundo, quando vai para a televisão, de alguma maneira, também passou a ser jornalista, mesmo.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M8S – Sim. Sim.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M8S – Agora de, de… Pronto. E portanto ia lhe perguntar a sua relação
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M8S – Ainda tenho a carteira de jornalista e ainda sou sócio do sindicato.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M17S – Exactamente. Ia- lhe perguntar. Fez parte do sindicato? Em actividades…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M17S – Não, não, não, nunca fiz.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M17S – Não? Nem teve ligações…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M24S – É há outra coisa que há bocado me esqueci de lhe dizer quando estava a falar da rádio: nunca li anúncios.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M30S – Ah, não?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M30S – Negava-me.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M30S – Pois, tinha me esquecido disso.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M30S – Negava-me.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M30S – A sério? Mas logo desde os anos 50
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M36S – Desde o princípio nunca li anúncios. O João Maria Tudela, que em Lourenço Marques era director comercial da Shell,
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M42S – Sim.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M42S – Um dia chegou ao pé de mim e disse assim: “Oh Rafael, a Shell quer fazer um anúncio de prestígio pra rádio, e quer que seja a tua voz.” Eu disse:não faço. Eu não faço publicidade. Isso do coma, beba, chupe, vá, vista, dispa,…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M42S – E a Shell era uma grande multinacional, não é?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M58S – Eh, pá, mas quanto é que tu queres pra fazer isso?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 0M58S – Eh, pá sei lá, a Shell, naturalmente, se eu, se eu fosse preciso… Olhe, imagine, a doutora, que eu podia, nessa altura, talvez, sei lá, anúncios de 30 segundos, um anúncio de 30 segundos, o Rádio Clube não aceitava anúncios com mais de 30 segundos. 15, 30. Não aceitava mais. E não transmitia mais que 7 anúncios de cada vez.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 1M24S – Ah sim.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 1M24S – Não é como à SIC, que começa o telejornal às 8 horas, às 8 e 10 pára o telejornal, dá 25 minutos de anúncios, dos quais 30 é de, de, a falar das novelas e depois a seguir é…e depois a seguir já não há mais telejornal, porque não têm mais notícias. Depois entra na coisa mais obtusa, mais irritante que eu vejo nas televisões portuguesas que é transformarem os telejornais em pacotes comerciais. Então a SIC ainda tem a mania de lhe acrescentar o exclusivo. É o disco que lançou, é o cantor que vai estrear, é o filme que vai estrear. [ imperceptível]dizer: pois, o filme estreia depois de amanhã, isto é propaganda ao filme. Esse disco é posto à venda amanhã. Isto é propaganda ao filme. Isso é publicidade paga. E um gajo aguenta a parte toda final do telejornal com isto. Bom, mas disse, mas disse ao João Maria Tudela:
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M15S – Mas estava a falar que…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M20S – Imagine, não sei, pra esse tempo, 3 contos.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M20S – Pois.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M20S – Era uma fortuna.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M20S – Uma fortuna.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M20S – Fortuna não era, mas era muito dinheiro. Três contos me chateiam pá. O Rafael é parvo. O João Maria Tudela telefona-me: “a Shell diz que sim, paga”. Eh, pá, mas eu não gravo.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M34S – Mas era para gravar uma publicidade…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M44S – Era uma publicidade que depois ia se arrastar por meses.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M44S – Pois.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M44S – Meta gasolina, ou, ou compre o óleo, sei lá que é, que é que saía, não, nunca imaginei o que era o anúncio. Mas fosse o que fosse. Porque aqueles anúncios duravam muito tempo, não é?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M57S – Sim, sim, eram… pois… podiam ficar anos, aliás.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 2M57S – [ imperceptível] tem na televisão que já… se fosse preciso até íamos substituir porque sabemos o anúncio de cor, tantas vezes ele é transmitido, não é?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M5S – Pois, claro.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M5S – 610 Esse gajo que anda a fazer [ imperceptível]no comboio e não sei quê.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M5S – Mas de qualquer maneira, nunca fez parte de nenhuma… fez parte…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M5S – Não, nunca fiz , nunca fiz parte.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M5S – Sindicalizou-se de qualquer maneira, não é?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M20S – Ah sindicalizar… mas não era obrigatório. Mas não era obrigatório. Não era obrigatório.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M24S – E então fê-lo por quê?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M24S – Fi-lo porque achei que devia fazer, talvez porque tinha protecção jurídica.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M29S – E outras protecções, não é? Saúde também?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M33S – Tinha proteção jurídica…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M33S – Vantagens várias, não é.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 3M33S – Não, não por idealismos… clássicos, e não sei quê. Não. Respeitando sempre embora os meus colegas, porque eu, sabe, eu, eu sou de um tempo em que, por exemplo, nos jornais, os jornalistas quando entravam… iam ter com os mais velhos. Tinham respeito por aquela gente, por um Baptista Bastos, um Mário Zambujal, tipos que são da imprensa antiga, do Século, do Diário de Notícias, do Diário de Lisboa, da República, jornalistas de qualidade. O jornalista novato ia pedir instruções como é que tem fazer. E o jornalista mais velho tinha gosto em ensinar. E os trabalhos que faziam ao princípio era um trabalho mínimo, bombeiros, hospitais, polícia. Era a agenda. Depois mandavam-lhe fazer um escritozinho, depois mandavam-lhe fazer um artiguinho, uma crónica, agora vai fazer….
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M26S – Mas nunca, nunca passou pela imprensa escrita, de qualquer maneira…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M32S – Não. Não. Mas escrevi, sim, sim…aqui em Évora passei pela imprensa escrita.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M32S – Mas mais tarde.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M37S – Mais tarde, já depois de reformado.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M37S – Mas já…pois.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M37S – Depois de reformado. Trezentos e tal artigos.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M48S – Hoje em dia, peço desculpa porque a senhora é professora de Comunicação Social, e aquele senhor que venho a saber também que é. Hoje ti… hoje não é hoje, na actualidade, quando começaram estes cursos superiores de Comunicação Social, começamos a ser confrontados com pessoas novatas que entravam pró, pró, pró jornalismo, que iam para a RTP, nem que fosse naqueles, naqueles estágios… periódicos que se faziam, não é, estágio, aquilo tem um nome, estágio, curricular.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 4M57S – Curricular.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 5M18S – Eh, pá, não só desprezavam as pessoas velhas, como por vezes tinham desabafos em voz alta que aquele tipo é desa..é velho e desactualizado. Porque quando havia assim género: eh pá, se tem dúvidas pergunte àquele. Aquele? Aquele homem sabe muito menos que eu. Eu ando numa Escola Superior de Comunicação Social. E isso criou, ao princípio, uma certa virose contra os alunos de, de Comunicação Social. Porque grandes jornalistas deste país nunca passaram por escolas nenhumas de Comunicação Social. Escreviam como nunca… Oh doutora, Outro dia num canal de televisão, um pivô qualificado, quando a UNESCO qualific… classificou aqui Alcáçovas, fica aqui a trinta quilómetros, como a capital do chocalho, no telejornal, disse hoje Portugal voltou a ser alvo de uma distinção internacional. A UNESCO acaba de classificar, ha, os chocalhos de Alcaçovas. E esse, sei eu, tem um curso superior de Comunicação Social. Mas depois têm uma preocupação extrema de dizer: na Ucrânia, Encrenájekazadóceque. Ficaram muito felizes porque disseram…isto é um nome inventado…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 6M33S – Sim, eu estou a perceber… a ideia.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 6M33S – Está a perceber? Mas depois no português é asneiras que é de partir a rir
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 6M38S – Eu se tivesse um bloco ao pé de mim, tinha aí dois ou três blocos cheios de calinadas dadas em telejornais, por pessoas que se eu dissesse o nome vocês até ficavam azuis.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 6M43S – Sim, mas…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 6M43S – Portanto, houve uma certa virose contra os alunos da Comunicação Social, por causa da sua estulticia, nós sabemos tudo, já aprendemos tudo, nós aprendemos semiótica, nós, nós não sei quantos, não sei quê, vocês são uns tipos desactualizados, isso agora já não é assim, pf. É certo que alguns, deram já, depois das primeiras levas, em bons jornalistas. Mas temos uma maioritária geração de, de jornalistas com Curso Superior de Comunicação Social que nunca serão por, por mim classificados como jornalistas. E a culpa não é das escolas, porque as escolas eu sei que ensinam bem… Eles é que não estão, não estão vocacionados para aquele trabalho. E digo-lhe uma coisa doutora…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M34S – O que é que é preciso pra esse trabalho?
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M34S – É preciso ter gôsto, é preciso ter vocação.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M34S – Gôsto, gôsto.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M39S – É preciso ter gôsto e vocação.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M39S – E esse gôsto…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M39S – É como o locutor, o locutor não se inventa, ou se tem jeito ou não se tem jeito. Se não tem jeito então que vá vender, vender batatas. O tipo vai pra… Sabe que uma coisa que se passa que é muito curiosa? Eu às vezes inflamo-me um bocado com isso.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M49S – Não fale, não faz mal.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 7M56S – É perguntar, por exemplo, eu participei em imensas… sessões a posteriori de vir pró, pró centro de, pró centro de formação dar umas pequenas aulas. Eh, pá, você vá lá entretenha-se, entretenha-se com os catraios, você, por exemplo, pode explicar o telejornal como é, como é que se faz, não sei quê, para depois outros colegas irem lá explicar pormenores, e segredos, truques, não sei quê, aquelas coisas que há. A doutora quer saber, que nesses cursos de formação, de alguns estavam a fazer estágios curriculares vindo de escolas, e nós fazíamos uma pergunta clássica, todos nós perguntávamos e gozávamos com isto, mas ficávamos tristes: Você se um dia, fosse admitido pra televisão, para trabalhar na televisão, o que é que gostaria de fazer? Julga que algum alguma vez respondeu que gostava muito de andar ali no Picanço na rua não é, com operador de imagem, a fazer, coisa, ali, tá, pum, xi, o cabo [ imperceptível] Não, gostava de apresentar o telejornal, e gostava de ter um programa talk show.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 8M59S – Pois,
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 9M9S – Por quê? E é aí que a coisa vai bater. E a coisa vai bater… à virose da Comunicação Social, é para muitos deles, vem eivados do fenômeno de mostrar a cara. Querem ser conhecidos. Querem ser famosos.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 9M9S – Estrelas.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 9M26S – Querem ser reconhecidos na rua. Essa porcaria de fazer uma reportagem que nunca ninguém vê a cara do locutor. Ao menos que ele faça um vivo. Acredite nisto que lhe estou a dizer.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 9M33S – Sim, eu acredito, eu tenho…eu sei … E dou-lhe minha palavra de honra, e dou-lhe a minha palavra de honra, que isto não é, não é nenhuma azia contra as escolas superiores de Comunicação Social.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 9M45S – Oiça, Oiça, eu sei exactamente quando pergunto…
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 9M45S – São muito meritórias porque eu conheço muitos professores das escolas de Comunicação Social, e eu reconheço que efectivamente são pessoas licenciadas, pessoas qualificadas, julgo até algumas com doutorado feito, com doutoramento feito, são pessoas que são competentes e sabem o que estão a dizer, e sabem o que estão a fazer. Não têm culpa de terem ali à frente uns tipos que querem enveredar por uma profissão para qual… e veja
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 10M6S – Mas eu gostava de lhe fazer aqui mais umas perguntas. Já iremos aí ao futuro.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 10M14S – E veja nas estatísticas que vêm no jornal, ainda outro dia, das profissões mais ambicionadas em Portugal em termos de licenciamento, enquanto a Medicina, a Economia, o Direito, a Gestão Internacional, não sei quê, são coisas assim, não sei o quê, Comunicação Social.
A.L. Rafael parte 8 de 15 aos 10M24S – Pois.
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